19/04/2024 - Edição 540

Brasil

Vinte dias em grupo pró-Bolsonaro: fake news, ódio ao PT e mensagens patrióticas

Publicado em 18/10/2018 12:00 -

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Por quase 20 segundos, a câmera mostra uma tela de WhatsApp , em que milhares de notificações de novas mensagens saltam freneticamente. O foco da imagem se volta para o dono do celular, Jair Bolsonaro , candidato a presidente pelo PSL , com sorriso largo.

“Daqui a pouquinho vou responder todo mundo, só vou tomar um café”.

Caveiras e bandeiras do Brasil são os ícones mais frequentes na descrição dos grupos que aparecem na tela do candidato, entre eles “QCG Polícia Militar MS”, “Direita Ativa”, “Bolsomito da Opressão” e “Parada Hetero”. A gravação corta para um varal cheio de roupas e uma churrasqueira de tijolinho. O vídeo termina.

O afago matinal se espalharia em segundos em milhões de celulares. Chegou também em Montes Claros, no Norte de Minas, região historicamente lulista e uma das mais pobres do Brasil, onde 105 grupos de WhatsApp de apoio a Bolsonaro são tocados por Levy Castilho, dirigente local do PSL.

No primeiro turno, o capitão da reserva foi o preferido de 97 mil eleitores, quase o mesmo que Lula e Dilma em eleições anteriores. A cidade é a mesma onde nasceu Adélio Bispo de Oliveira, autor do ataque à faca contra o presidenciável.

Há 20 dias, jornalistas do jornal O GLOBO acompanham a rotina no principal grupo para disseminação de conteúdo na área que já foi conhecida como “bolsão vermelho”, colada ao sertão da Bahia. O que se vê são manifestações diárias de ódio ao PT, mensagens patrióticas, alerta sobre fraudes nas eleições, circulação de fake news, antecipação de passos estratégicos da campanha e até uma ameaça de agressão a opositores em cidades vizinhas.

Em um vídeo, um falso bispo se apresenta com a imagem de Nossa Senhora Aparecida ao fundo e alerta:

“Nosso povo terá que ver para crer o comunismo ser entronizado no Brasil, para poderem acreditar nos patriotas intervencionistas.”

A narradora do vídeo “Você tem medo do Bolsonaro?” chora e associa o PT ao risco de aprovar o aborto no Brasil. Em outra cena, agora em culto evangélico, o candidato se ajoelha e agradece pela oportunidade de “varrer o comunismo”.

As imagens de milhares de pessoas nas manifestações do movimento #elenão no sábado pré-eleição causam apreensão. Um usuário compara os participantes a "mulas", outro ridiculariza a presença de homens no ato: "esse cavalo é égua!". Um terceiro desabafa em áudio enviado ao grupo:

“O que acaba com Bolsonaro é os diabo das feministas lá. Eu entendo as causas delas, e tal, mas elas pegam pesado demais, moço, um trem desnecessário.”

Armas de fogo são presença frequente. Em um vídeo, um homem ao telefone é surpreendido por um assaltante vestindo camiseta vermelha. Depois de entregar pertences, espera o ladrão ir embora , saca a arma, sai do carro e dispara, ao grito de “Bolsonaro nele!”.

Um dos integrantes do grupo de Whatsapp ameaça um vereador petista da cidade vizinha, que estaria chateado com o resultado das pesquisas pró-Bolsonaro:

“Tô maluco para amarrar essa galinha petista pelas pernas.”

Em montagem, Fernando Haddad (PT) aparece na cama, deitado no peito de Lula. Na véspera da votação do primeiro turno, usuários trocam impressões sobre nomes para o Legislativo:

“Alguém poderia me dizer se o candidato a d. estadual Reis defende ideologia de gênero nas escolas, escola com partido, se é desarmamentista?”

“Defende não, Roma, totalmente cristão”, um colega.

Notícias falsas trafegam aos montes. Uma delas diz que empresas vão “demitir 1 milhão”. Um hacker dá entrevista sobre como fraudar as urnas: “Elas são venezuelanas”, segundo um tal “detetive” Paulo Maloca. Sérgio Moro é citado, erroneamente, como futuro ministro da Justiça.

Há alertas para invasões do MST e de anistia de assaltantes que dão “tiros na cabeça de nossos filhos”. Irônico, o narrador diz que “nessa hora você terá o direito de pôr uma música da Daniela Mercury e do Caetano Veloso, para se acalmar”.

Um dia antes de Bolsonaro anunciar que não participaria de debates, textos de um "médico cristão condoído pelo sofrimento de Jair" descrevem dificuldades de seu quadro clínico. Em vídeo exclusivo para o Nordeste, o candidato promete manter o Bolsa Família.

Em outra cena, eleitores lançam sobre uma bandeira no chão notas de R$ 10 e R$ 20 para ajudar a custear o carro de som da campanha em Goiás. A casa de prostituição da cidade anuncia: cinco cervejas por conta do dono, em caso de Bolsonaro eleito presidente do Brasil.


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