20/04/2024 - Edição 540

Judiciário

Supremo, eleições e os potenciais riscos para a democracia

Publicado em 17/10/2018 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

E o Supremo Tribunal Federal? Como se situa entre os extremos que disputarão o segundo turno das eleições presidenciais? Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) flertaram, no primeiro turno, com propostas de uma nova Constituição. Uma Constituinte sem povo, disse o general Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro. Ou uma Constituinte para “restabelecer o equilíbrio entre os Poderes”, como propõe Haddad.

Nas palavras de Marina Silva (REDE), na entrevista após o resultado das urnas, Bolsonaro teria um projeto autoritário, enquanto o PT valeu-se da corrupção para distorcer a vontade dos eleitores – práticas, como ressaltou o ministro Celso de Mello no julgamento do mensalão, que “corrompem os valores da democracia”.

Delfim Neto, que entende de ditadura militar e, portanto, de autoritarismo, disse em entrevista à Folha que PT e Bolsonaro empatam em autoritarismo. E José Dirceu, jogando contra o patrimônio, afirmou que era “questão de tempo para o PT tomar o poder”.

Agora, ambos caminham pragmaticamente para o meio, para o centro, de olho nos votos dos candidatos derrotados. Descartam nova Constituinte. Baixam o tom. Mas fizeram soar um alarme entre aqueles que têm compromisso com a democracia. E ainda não apagaram ameaças, como por exemplo, de aumentar o Supremo Tribunal Federal (STF) para 21 ministros – “para botar pelo menos dez isentos lá dentro”, disse Bolsonaro.

Seja qual for o resultado das eleições e independentemente das acusações de posturas e discursos antidemocráticos que atingem lado a lado – mais ou menos, com mais ou menos fundamentos, antes ou agora –, o Supremo terá papel central. Como afirma o ministro Marco Aurélio Mello, diante das incertezas que vêm pela frente, o Supremo será “definidor”.

Será mesmo? O ministro está evidentemente mirando o dever ser, no que se espera verdadeiramente de um tribunal que tem como uma de suas funções ser contramajoritário e, em defesa da Constituição, impedir os abusos eventualmente cometidos pelo Executivo. Marco Aurélio, porém, falou por ele. Será que o tribunal se portará também dessa maneira?

Especialistas

Mas o que dizem observadores externos? Que o Supremo perdeu capital político nos últimos anos em razão da fragmentação interna, do voluntarismo de parte dos seus integrantes, do avanço sobre outros Poderes, da superexposição dos ministros, dos conflitos internos e das suspeitas de politização da Corte. A autoridade do STF,  como bem definiu Thomaz Pereira, professor da FGV Direito Rio, é um ativo limitado e coletivo. E este ativo foi sendo torrado sem medida por seus integrantes.

O STF terá perdido as condições para fazer frente às ameaças que podem vir pela frente? O tribunal que, a partir da Constituição de 1988, ganhou poderes extraordinários no desenho institucional do país, sendo uma espécie de veto player, precisava e precisa calcular quando avançar e quando recuar. Uma conta que ficou mais complicada diante do resultado das urnas e das surpresas que virão de um governo e Congresso novos.

“O uso desse capital se esgarça: se você usa muito, se desgasta [o poder]; se usa pouco ninguém, leva a  sério. Tem uma exata medida”, afirmou o professor Oscar Vilhena, em palestra na semana passada na Fundação Getúlio Vargas.

O tribunal buscou, nos último anos, equilibrar sua atuação. Contudo, por razões diversas, endógenas (agendas individuais dos ministros, por exemplo) e exógenas (a crise política e a Operação Lava Jato), a Corte perdeu a mão.

Para Oscar Vilhena, além de o STF ter sido muito ambíguo nos últimos anos, a ministrocracia provocou profundo processo de erosão da autoridade da Corte. Logo, avalia o professor, o Supremo se encontra muito fragilizado “no momento mais crítico da nossa democracia, em que pela primeira vez podemos ter um ator político num dos Poderes mais fundamentais — o Executivo — que é claramente inimigo da Constituição, que é claramente um ameaçador da Carta, que não conjuga da sua gramática — e que provavelmente irá propor medidas muito contundente para erodir o cerne da Constituição”.

“O Supremo vai enfrentar seu maior teste no momento de sua maior fragilidade”, concluiu.

Apesar de concordar com a premissa da erosão do tribunal, Diego Werneck, também professor da FGV, tem uma visão distinta, baseada na aposta casuísta que se faz no Supremo Tribunal. Na sua conta, a legitimidade do STF é renovada quando uma decisão da Corte – ou de um ministro isoladamente – agrada a uma e depois a outra parcela da sociedade.

“A cada decisão individual do Supremo, temos de pensar o que é mais importante: a institucionalidade ou o fato de a decisão ser boa no seu mérito”, afirmou. Para toda decisão controversa de um ministro do Supremo, num cenário polarizado, haverá uma parcela de da sociedade que a apoiará. Isso cria um fenômeno de legitimidade circulante.

“Do ponto de vista da adesão – do ponto de vista mais pragmático ou mais cínico – não sei se a legitimidade do tribunal vai cair abaixo de certo ponto. Ela vai continuar respirando com a ajuda de aparelho numa situação infeliz, mas não chegará ao zero absoluto”, concluiu.

Bastidores

Em reservado, os ministros admitem – com menor gradação – o quadro difícil que encontrarão em 2019. Que o tribunal passou por problemas graves nos últimos anos, com a consequente contestação à sua legitimidade, ninguém nega.

Mas apostam – ou esperam – que as circunstâncias serão menos graves do que hoje desenham: com a economia em crescimento, aumento do emprego e com um Congresso que filtre e corrija abusos do Executivo para que o Supremo, depois, possa atuar pontualmente.

O tribunal estará autocontido, observando inicialmente as ações do novo governo, qualquer que seja. E será chamado a atuar se projetos contrários à Constituição forem propostos. Até aí, nada de novo para o STF. O problema é que a situação que se avizinha pode ser nova, com possíveis ameaças à democracia. E o risco é de o tribunal optar pela autocontenção para evitar conflitos que deveria travar, mas que dele exigiriam coesão institucional e legitimidade preservada, algo em falta nos últimos tempos.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *