29/03/2024 - Edição 540

Entrevista

A nova direita é mais ideológica que a fisiológica dos Jucás e Eunícios

Publicado em 16/10/2018 12:00 -

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Apesar de o PT ter eleito a maior bancada na Câmara dos Deputados, “isso não significa muito quando são 30 partidos representados e a maior bancada é pouco mais de 10% do total”, diz Idelber Avelar ao analisar o resultado das eleições deste ano. Na avaliação dele, o partido sofreu “todas as grandes derrotas simbólicas” que poderia ter sofrido, a exemplo da não eleição da ex-presidente Dilma, de Suplicy, de Fernando Pimentel e de Lindberg Farias.

Mas não foi somente o PT quem perdeu no último pleito. O mesmo aconteceu com a “direita que capitaneou o impeachment”, como Magno Malta, Romero Jucá, Edison Lobão, Garibaldi Alves, Eunício Oliveira, Cássio Cunha Lima, que foram “varridos” do Congresso, afirma na entrevista a seguir, concedida por e-mail.

A direita que saiu vitoriosa das eleições, menciona, “é bem mais ideológica que a direita fisiológica dos Jucás e Eunícios”. A antiga direita, compara, “era uma espécie de fiadora do pacto peemedebista e atuava dentro do governo indistintamente, sob tucanos e petistas”, enquanto a nova direita “não é uma coalizão de caciques oligárquicos locais. É uma direita enraizada na população, composta de pastores, militares, donos de terras e classe média urbana, e articulada pelo WhatsApp”. Essa nova direita, adverte, não pode ser explicada somente pelo antipetismo, porque os “motivadores reais que os acompanham são o sentimento antissistêmico, o punitivismo e o afã anticorrupção. Eu diria que essa nova direita, mais que ter a cara de Bolsonaro, encontrou em Bolsonaro uma espécie de significante vazio no qual se expressar”.

Além da nova direita, quem surpreendeu nesta eleição foi a candidatura de Ciro Gomes, que se propôs como uma alternativa à esquerda. Ao avaliar o percentual de votos recebido por Ciro, Idelber esclarece que a “pergunta que se impõe, portanto, não é por que Ciro Gomes não conseguiu ser uma alternativa, e sim como é possível que ele tenha chegado a tantos votos. A razão pela qual ele não conseguiu ser alternativa é premissa da conversa: o maior líder político da história do país e o maior partido da atualidade, cinco vezes superior a qualquer outro em preferências do eleitor, decidiram destruí-lo, bloqueá-lo, impedir que ele chegasse ao segundo turno, como fizeram com Marina em 2014 — só que com a articulação de bastidores em vez de difamação pesada”.

Idelber Avelar é professor de Teoria Literária e Estudos Culturais na Tulane University, em New Orleans, EUA, e doutor em Estudos Espanhóis e Latino-Americanos pela Duke University.

Por que Ciro Gomes não conseguiu ser uma alternativa à esquerda?

Acredito que Ciro Gomes fez uma campanha notável, em circunstâncias muito difíceis. Boicotado por Lula, que implodiu a aliança que ele havia tentado construir com o PSB, atacado pela centro-direita tucana, que bloqueou suas vias de acesso ao centrão fisiológico, Ciro percorreu o país, defendeu seu projeto — tomando amplas liberdades com os números e com alguns fatos, é verdade — e chegou a quase 13% dos votos praticamente sozinho. Nesse sentido, o contraste com Marina não poderia ser mais nítido. Marina começou com um patamar de 20% dos votos, atingido duas vezes, e na condição de líder de um movimento. Mesmo assim, derreteu até 1%.

A pergunta que se impõe, portanto, não é por que Ciro Gomes não conseguiu ser uma alternativa, e sim como é possível que ele tenha chegado a tantos votos. A razão pela qual ele não conseguiu ser alternativa é premissa da conversa: o maior líder político da história do país e o maior partido da atualidade, cinco vezes superior a qualquer outro em preferências do eleitor, decidiram destruí-lo, bloqueá-lo, impedir que ele chegasse ao segundo turno, como fizeram com Marina em 2014 — só que com a articulação de bastidores em vez de difamação pesada. Sozinho, Ciro resistiu bravamente e teve uma votação respeitável. Ele sai dessa eleição maior do que entrou.

Qual tende a ser o futuro do PSDB depois da baixíssima votação de Alckmin?

Depende do que acontecer em São Paulo e Minas Gerais, por certo, o que já é alegórico da condição anacrônica, à la República Velha, do partido. O PSDB sai bem encolhido, obviamente, mas é provável que sobreviva na condição de partido médio a pequeno, como grife para quatrocentões paulistas e para a velha classe dominante mineira. Certamente ele já não será o que foi entre 1994 e 2014, ou seja, líder de um polo de centro-direita que se opõe nacionalmente ao polo de centro-esquerda capitaneado pelo PT. Essa estrutura, essa dicotomia, ruiu. Se Doria vencer em São Paulo, é possível que ele debande e imploda o partido de vez. Se perder, aí certamente as raposas tucanas observarão o quadro antes de tomar decisões.

Em Minas, se vencer Anastasia, mantém-se um arranjo já antigo entre a classe dominante local, a casta política e o Judiciário, arranjo relativamente intocado pela Lava Jato. Está enterrada, evidentemente, qualquer possibilidade de que Geraldo Alckmin volte a postular a Presidência. Se com o latifúndio televisivo, a crise petista e a carência de líderes que caracterizaram 2018 ele não conseguiu, não vai conseguir nunca.

O senhor já disse que a esquerda sofreu “uma derrota acachapante” nas urnas e que “a direita fisiológica que capitaneou o impeachment também perdeu”. O que essas perdas significam? Um novo quadro político começa a se desenhar a partir desta eleição?

Discordo de analistas sofisticados como Marcos Nobre que creem que o PT “sobreviveu excepcionalmente bem” às eleições de 2018. Elegeu a maior bancada, mas isso não significa muito quando são 30 partidos representados e a maior bancada é pouco mais de 10% do total. Todas as grandes derrotas simbólicas que o PT poderia sofrer nesta eleição, ele sofreu. A ex-presidente Dilma Rousseff passou pelo vexame de ficar em quarto lugar contra nulidades na eleição para o Senado em Minas. Suplicy liderou toda a corrida e também ficou de fora em São Paulo. O governador mais importante que tinham, Fernando Pimentel, não chegou sequer ao segundo turno, e o Senador líder da “resistência” contra o impeachment, Lindberg Farias, também ficou de fora. O PT concorreu a Governador com nulidades nos dois principais estados da federação, sendo que no Rio de Janeiro foi explícita laranja das oligarquias políticas para impedir que o PSOL tivesse chance de vencer. No Rio Grande do Sul, que já foi bastião seu, ele já claramente não disputa poder há algum tempo, colapso consolidado este ano. Conquistou alguns palácios estaduais importantes no Nordeste, mas no Ceará, por exemplo, a vitória não é petista por si, ela é de um laranja dos Ferreira Gomes. De grande e importante, resta só a Bahia mesmo como bastião petista.

No entanto, a direita que capitaneou o impeachment também perdeu: Magno Malta, Romero Jucá, Edison Lobão, Garibaldi Alves, Eunício Oliveira, Cássio Cunha Lima, foram todos varridos. Algumas derrotas aí são marcantes simbolicamente. Um pastor com histórico homofóbico, Magno Malta, perdeu a vaga no Senado para um homem gay assumido, casado e com filhos. Romero Jucá foi abatido um par de anos depois de participar, com Sergio Machado, da profecia do “grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”. O acordão não parece ter lhe servido de muito, o que não deixa de ser um vexame emblemático em um ano em que Roraima elegeu sua primeira parlamentar indígena. Em suma, a oligarquia peemedebista que capitaneou o país no processo de impeachment foi derrotada também.

Num dos seus comentários sobre o resultado das eleições, o senhor disse que “venceu uma nova direita”. O que caracteriza essa nova direita e em que aspectos ela se diferencia do que o senhor chama de a direita fisiológica?

A direita que venceu as eleições é bem mais ideológica que a direita fisiológica dos Jucás e Eunícios. Essa antiga direita era uma espécie de fiadora do pacto peemedebista e atuava dentro do governo indistintamente, sob tucanos e petistas. A nova direita é outra coisa, já emerge como antipetista e, ao contrário da outra, não é uma coalizão de caciques oligárquicos locais. É uma direita enraizada na população, composta de pastores, militares, donos de terras e classe média urbana, e articulada pelo WhatsApp. A natureza da relação que se estabelecerá entre essa nova direita e o Executivo federal é coisa que ainda se verá, claro. Caso vença mesmo Bolsonaro, ela se alinhará com ele automaticamente nas pautas comportamentais, punitivistas, antidireitos reprodutivos e anti-LGBT, que não são pautas que eles possam abandonar sem custo político. Nas pautas de austeridade econômica que Bolsonaro terá necessariamente que passar se vencer, essa nova direita oferecerá bolsões de resistência que virão naturalmente das corporações que representam. Essa resistência elevará o valor da propina, já que o cenário agora está muito mais pulverizado.

A que o senhor atribui o crescimento da nova direita? Ela pode ser explicada pelo antipetismo ou há outras razões que a explicam? Essa nova direita tem a "cara" de Bolsonaro ou ele representa a "direita fisiológica"?

O crescimento da nova direita é, em grande parte, produto do antipetismo, mas isso não é dizer muito. Essa é uma formulação tautológica, porque a nova direita se define, em grande parte, pelo próprio antipetismo. Mas ela não se define pelo antipetismo no sentido em que os intelectuais petistas mais obedientes e rasteiros o entendem, ou seja, como reação das elites frente aos avanços democráticos dos governos do PT. Essa tem sido uma mistificação com a qual o petismo explica diversos fenômenos do campo político dos últimos anos de forma unilateral.

Essa reação, assim como o próprio racismo, a misoginia e a homofobia, encontram morada nessa nova direita, mas somente quando ela já se legitimou pelo antipetismo. Os motivadores reais que os acompanham são o sentimento antissistêmico, o punitivismo e o afã anticorrupção. Eu diria que essa nova direita, mais que ter a cara de Bolsonaro, encontrou em Bolsonaro uma espécie de significante vazio no qual se expressar. Ele nada tem de externo ao sistema político nem de impoluta alma anticorrupta, claro, mas encontrou-se — por motivos circunstanciais durante o processo de impeachment — em posição de expressar esses anseios.

Alguns analistas afirmam que Bolsonaro tem adotado as mesmas estratégias de Trump nos EUA, especialmente em relação a sua forma de se posicionar via redes sociais, estabelecendo uma comunicação direta com seu eleitorado, sem a edição da mídia. Percebe similaridades entre as estratégias dele e de Trump?

Nesse aspecto há similaridades, sim. Nos dois casos há uma apropriação de pautas da esquerda, advindas da crítica a — e às vezes da obsessão persecutória e paranoica com — os meios de comunicação de massas. Mote constante no trumpismo e no bolsonarismo é a certeza de que a imprensa está esquerdizada e persegue seu candidato. O bolsonarismo também tem com o trumpismo a semelhança de basear-se em um ativismo relativamente espontâneo, enraizado na população e expressando-se em plataformas digitais.

Em outros aspectos, há diferenças importantes que se pontuar. Trump é um entertainer que se colocou em condições de vencer as primárias Republicanas e as eleições gerais exatamente porque mesmo os meios de comunicação que não lhe eram simpáticos lhe deram bastante tempo de tela, por puro interesse comercial. Bolsonaro não é um comunicador: fala mal e não usa a forma comício como Trump. Mas creio que podem ser comparados, sim, como duas expressões da articulação da nova direita via redes sociais.

Como o senhor analisa o novo quadro que irá compor o Congresso?

A Câmara ficou curiosa. Desapareceram as superbancadas de 90 a 100 deputados que PT, PSDB e MDB chegaram a ter em algum momento. A atual legislatura tem 11 partidos médios (de 25 a 60 deputados), 19 partidos pequenos (de 1 a 25 deputados) e nenhum partido grande. É uma gosma de fisiologismo que vai tornar impossível a vida de quem quer que seja o Presidente. Com uma pulverização assim, evidentemente, sobe o valor da propina.

A bancada ruralista teve algumas perdas, mas a bancada da bala se multiplicou com a eleição de militares e delegados. Desapareceu o papel magisterial do MDB, mas permanece por se ver se o arranjo descrito por Marcos Nobre com o nome de peemedebismo desapareceu mesmo. No peemedebismo, o sistema funciona com a produção de supermaiorias legislativas através de um jogo de chantagens e vetos a portas fechadas, que esconde os antagonismos políticos, levando-os para salas fechadas. É possível que os principais antagonismos do sistema político brasileiro já estejam exacerbados demais a ponto de implodir o arranjo peemedebista. É o que há que se ver na próxima legislatura.

Quais são os desafios políticos da esquerda, da velha direita e da nova direita daqui para frente?

É curioso que você diferencie nova e velha direita, mas não uma nova e velha esquerda. Você tem razão: toda a esquerda tem sido velha, quem se renovou foi a direita. A velha direita vai sobreviver numa boa, esparramada por rincões regionais e vivendo do sistema político, como sempre; talvez não mantenha seu papel reitor no parlamento, mas está longe de ter morrido. O desafio político da nova direita, caso vença as eleições, vai ser governar o país sem lançá-lo completamente ao caos. O desafio da esquerda continua sendo o de sempre: superar o petismo, fazer a autocrítica da narrativa do golpe, reativar alguma possibilidade de estar nas ruas, conversar com a população de forma menos arrogante e entender os anseios de uma faixa mais ampla do Brasil do que a sua tradicional base sindical e acadêmica.

O que se pode esperar de um próximo governo Haddad ou Bolsonaro?

De Haddad, caso aconteça o que parece improvável, pode-se esperar um governo de responsabilidade fiscal, de relativa independência ante o petismo — já que Haddad só se elege, por definição, se transcender o petismo — e de muita, intensa e pesada oposição de uma direita bolsonarista que não vai desaparecer da noite para o dia. É um cenário de bastante instabilidade, mas ainda é mais previsível que o cenário de um governo Bolsonaro, que ninguém realmente pode ter certeza do que será.

Ao mesmo tempo em que seria razoável esperar que a tendência normal a que o eleito se mova na direção do centro se imponha em algum momento, ainda assim seria um período de intensos ataques aos direitos humanos, às garantias jurídicas e a setores mais vulneráveis da sociedade. Considerando que Bolsonaro, ao contrário de Trump, não tem talento político de líder, e considerando que o Brasil tem instituições democráticas bem mais jovens e frágeis que as que atualmente mantêm o sistema político dos EUA funcionando apesar de Trump, o cenário é bem assustador e terrorífico. Creio que se trata de uma eleição entre o certamente ruim e o possivelmente catastrófico.

Deseja acrescentar algo?

Uma saudação a todos os anarquistas e trotskistas que se posicionaram.


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