26/04/2024 - Edição 540

Poder

Os novos reis do baixo clero

Publicado em 12/10/2018 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Jamais houve tantos partidos com assento na Câmara dos Deputados como a partir de 2019: nada menos que 30 legendas elegeram candidatos no pleito realizado neste domingo.

Para comparar, em 1994, quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito para seu primeiro mandato, eram 15. Em 2002, ano da primeira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, 16. Quando Dilma Rousseff saiu consagrada das urnas, em 2010, havia 19. Quatro anos depois, eles já eram 28 – o que ajuda a explicar o destino da petista, apeada do poder em 2016.

Formar uma base num parlamento com três dezenas de partidos será um dos maiores desafios do próximo presidente da República. Ainda que PT e PSL tenham eleito as duas maiores bancadas da Câmara – 56 e 52 cadeiras, respectivamente –, a tarefa irá exigir negociação com chefetes de legendas médias e pequenas: o tradicionalíssimo toma-lá-dá-cá.

A partir de um levantamento pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, o Diap, e de nomes indicados por Antônio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação da instituição, o Intercept preparou os perfis de dez dos prováveis novos caciques de legendas que elegeram entre sete e 30 deputados.

Cabe notar que nove das 30 siglas que tiveram deputados federais eleitos neste domingo serão atingidas pela cláusula de desempenho, entre elas, o PCdoB e o PRTB, dos candidatos a vice-presidente Manuela D’Ávila e Hamilton Mourão. Nenhuma delas está na lista a seguir.

Com isso, elas perderão o direito ao dinheiro dos fundos partidários e eleitoral, além de ficarem impedidos de terem liderança partidária ou participarem de comissões na Câmara. Em última instância, isso deverá levar os políticos eleitos por esses nove partidos a se filiarem a outros, maiores.

Por fim, optamos por excluir da lista partidos com posições ideológicas claras (PDT, PSOL e, novamente, o PCdoB, que não negociariam adesão a um eventual governo Jair Bolsonaro) e legendas tradicionais que encolheram após o resultado de domingo – PSDB e DEM.

Marcos Pereira – PRB

Braço político da Igreja Universal do Reino de Deus, o Partido Republicano Brasileiro terá uma bancada de 30 deputados a partir de 2019. À frente dela deverá estar Marcos Pereira, reeleito em São Paulo com mais de 133 mil votos.

Não é exagero chamar Pereira de homem de confiança do bispo Edir Macedo, dono da Universal. Ele foi vice-presidente da TV Record de 1999 a 2009. A partir de 2011, também presidiu o PRB, cargo do qual se afastou em maio de 2016 para ser ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços do governo de Michel Temer.

A ascensão meteórica do evangélico foi fulminada pela delação premiada de Joesley Batista, da JBS. Ele gravou uma conversa na qual combinava a entrega de R$ 6 milhões em propina a Pereira em troca de vantagens na Caixa Econômica Federal ainda durante o governo da petista Dilma Rousseff. Ele acabou pedindo demissão.

Como homem de confiança de Macedo, naturalmente Pereira deverá colocar o PRB como linha auxiliar de um eventual governo Jair Bolsonaro – não sem indicar gente para cargos importantes, é claro. Caso Fernando Haddad seja eleito, é provável que o partido se abra para o velho toma lá dá cá.

Paulinho da Força – Solidariedade

O partido do camaleônico sindicalista Paulo Pereira da Silva, mais conhecido como Paulinho da Força, terá 13 deputados a partir de 2019. Reeleito em São Paulo com 70 mil votos, Paulinho toca ao mesmo tempo o Solidariedade e a Força Sindical, segunda maior central de sindicatos do país – daí seu apelido.

No dia seguinte ao primeiro turno, Paulinho e a Força anunciaram apoio ao petista Fernando Haddad. Mas o que fará o Solidariedade ainda é mistério. No primeiro turno, o partido – integrante do chamado “centrão”, grupo de legendas que costuma aderir ao governo de turno em troca de cargos e benesses – e seu principal nome estiveram com Geraldo Alckmin.

As convicções políticas de Paulinho parecem tão sólidas quanto prego em pudim. Ele foi da base do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, migrou para a oposição, fez parte da chamada “tropa de choque” de Eduardo Cunha na Câmara, votou pelo impeachment de Dilma Rousseff e a favor do arquivamento de denúncias contra Michel Temer – apesar de enrásca-lo em conversa com Ricardo Saud, da JBS. No começo de 2018, Paulinho assinou o manifesto “Eleição sem Lula é Fraude” e, em abril, sugeriu ao ex-presidente que não se entregasse à Polícia Federal.

Com um histórico desses, é fácil imaginar onde estará o Solidariedade em janeiro de 2019. No governo – qualquer que seja.

Renata Abreu e Marco Feliciano – Podemos

Caso curioso, o do Podemos: com 11 deputados a partir de 2019, a bancada do partido na Câmara vive um típico caso de ‘muitos caciques para poucos índios’.

Recém-chegado e reeleito com 226 mil votos, o pastor Marco Feliciano – sujeito que carrega contra si uma suspeita de estupro e agressão contra uma jornalista e um histórico de declarações homofóbicas e machistas, além de ter como grande contribuição ao debate legislativo brasileiro o fato de  querer que escolas ensinem que o mundo surgiu conforme se lê na bíblia –, deverá entrar em choque com Renata Abreu.

Reeleita com 155 mil votos, Renata é a atual presidente do partido. Mentora da cirurgia plástica que transformou o velho PTN no Podemos e bancou a fracassada candidatura presidencial de Alvaro Dias, ela herdou o comando da legenda do pai, o ex-deputado José Masci de Abreu.

Feliciano ensaiou aderir à barca proto-fascista de Jair Bolsonaro, mas foi ameaçado de expulsão por Dias e voltou atrás. Se o militar da reserva for eleito, é difícil imaginar que o pastor consiga refrear o impulso de aderir ao governo. Resta saber se Renata Abreu irá concordar – e a que preço.

Wilson Santiago – PTB

De volta à Câmara Federal após oito anos, o paraibano Wilson Santiago é o nome mais conhecido entre os dez deputados federais eleitos pelo velho Partido Trabalhista Brasileiro.

Pelo MDB, cuja bancada chegou a liderar, Santiago foi deputado federal entre 2003 e 2010, ano em que tentou uma cadeira no Senado. Perdeu as eleições, mas herdou a vaga após o tucano Cássio Cunha Lima ser cassado pela Lei da Ficha Limpa e chegou a vice-presidente da casa. Meses depois, contudo, ele perdeu a vaga após o Supremo Tribunal Federal decidir que a norma não valia para as eleições de 2010.

Em 2011, foi acusado por reportagem da revista Istoé de usar laranjas numa construtora que tinha dívida tributária de R$ 34 milhões e de repassar patrimônio para uma empresa do filho – que é deputado federal e elegeu-se para uma vaga na Assembleia Legislativa da Paraíba – para evitar que a Receita Federal os confiscasse. À época, ele prometeu processar a publicação.

Em 2014, Santiago tentou novamente ir ao Senado, e de novo perdeu. Mais modesto, candidatou-se a deputado federal em 2018, e saiu das urnas eleito com mais de 86 mil votos.

Gilberto Nascimento – PSC

Evangélico ligado à Assembleia de Deus, Gilberto Nascimento fez carreira política no MDB, em que ingressou no final dos anos 1970 a convite de Ulysses Guimarães e Franco Montoro.

Vereador em São Paulo, foi autor de manobra que livrou templos religiosos de terem de se submeter à lei do silêncio. Já deputado estadual, mudou para o PSB para apoiar a aventura presidencial de Anthony Garotinho, ele mesmo, em 2002. Pela legenda, elegeu-se deputado federal.

Na Câmara, foi acusado de ser um dos políticos cujo apoio o governo de Luiz Inácio Lula da Silva comprou – por R$ 2 milhões – no escândalo do mensalão. Segundo o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas, a denúncia não foi comprovada.

Em 2007, de volta ao PMDB, Nascimento foi indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e corrupção passiva no escândalo que ficou conhecido como “máfia das ambulâncias”. Ele negou, e novamente o caso deu em nada. Já no PSC, votou pelo impeachment de Dilma Rousseff e contra o prosseguimento de investigações contra Michel Temer.

Mesmo ostentando um currículo desses, ganhou de mais de 85 mil eleitores paulistas mais um mandato, em que deverá ser a figura de proa do PSC na condução das negociações com quem quer que esteja no governo em 2019.

Weliton Prado – PROS

Sob a alcunha de “Fragmentada” na famosa planilha do departamento de propinas da Odebrecht, o mineiro Weliton Prado, então no PT, é suspeito de receber R$ 100 mil em propinas para apresentar apresentar projetos e emendas de interesse da empreiteira. Ele nega. Por falta de provas, a Procuradoria-Geral da República não abriu inquérito contra ele.

Ainda no Partido dos Trabalhadores, ele causou celeuma ao votar a favor da redução da maioridade penal, contrariando a orientação da legenda, em 2015. Logo depois, pediu à Justiça autorização para sair do PT por “justa causa“.  Em novembro, anunciou filiação ao Partido da Mulher Brasileira (sic).

Em 2016, votou pelo impeachment de Dilma Rousseff, mas em seguida se opôs à emenda constitucional que criou o teto de gastos públicos e à reforma trabalhista. Também foi favorável ao prosseguimento de investigações contra Michel Temer.

Já no PROS, Prado recebeu mais de 128 mil votos dos eleitores de Minas Gerais e será a principal figura da legenda na Câmara a partir de 2019.

Rubens Bueno – PPS

Reeleito para o quinto mandato de deputado federal pelo Paraná com 76 mil votos, Rubens Bueno fez ao longo dos anos o percurso da esquerda para a direita do espectro político. Bueno saiu do PSDB para assumir o comando do PPS no estado, em 1999, e acabou por transformar a legenda num feudo pessoal seu.

Mirando-se no exemplo do presidenciável Ciro Gomes, então no partido, apresentou-se como uma espécie de “terceira via” nas eleições para o governo do Paraná em 2002. Acabou em quinto lugar.

Em 2006, fez nova tentativa, já ao lado do conservador PFL (atual DEM). Novamente, fracassou. Em 2012, tentou ser vice-prefeito de Curitiba na chapa de Luciano Ducci, afilhado político do tucano Beto Richa. Perdeu mais uma vez.

Comandou o PPS a favor do impeachment de Dilma Rousseff, do teto de gastos e da reforma trabalhista, mas também votou pelas investigações contra Michel Temer – apesar de seu companheiro de legenda, Raul Jungmann, fazer parte do ministério do emedebista.

Nome mais conhecido do PPS na Câmara, deverá colocar a legenda a reboque de um eventual governo de Jair Bolsonaro, ou na oposição contra Fernando Haddad.

Marcel Van Hattem – Novo

Deputado federal mais votado no Rio Grande do Sul, com quase 350 mil votos, Marcel Van Hattem é a figura mais expressiva eleita pelo Novo, um partido que, apesar do nome, em pouco tempo de vida já pregou incentivo à violência e lançou mão de práticas velhas e lamentáveis da política brasileira, como o pedido de censura ao jornal Folha de S. Paulo, acatado pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal.

Van Hattem, um jornalista e cientista político de 33 anos egresso das fileiras do MBL, é o arquétipo do militante conservador que o Brasil viu emergir nos últimos anos: defende um estado mínimo na economia mas não mostra o mesmo pendão liberalizante quando se trata de questões como drogas ou casamento gay.

Numa entrevista à rádio Gaúcha, de Porto Alegre, no dia seguinte à eleição, ele deixou claro para onde irá a bancada de oito deputados que o Novo conseguiu colocar na Câmara Federal. “Claro que num segundo turno entre Bolsonaro e PT, de combate a privilégios e reformas necessárias no país, fico com ele [Bolsonaro].”

Apesar de todo o ar de novidade, Van Hattem começou sua carreira política no velhíssimo PP, herdeiro direto da Arena, o partido governista na ditadura militar, e legenda mais encrencada na operação Lava Jato.

André Janones – Avante

A greve dos caminhoneiros de 2018, possivelmente a manifestação que ergueu as bandeiras mais reacionárias desde a Marcha da Família com Deus pela Liberdade de 1964, pavimentou o caminho do advogado André Janones, 34, à Câmara.

Sem nunca ter subido à boleia de um caminhão e filiado ao nanico Avante, ele foi o terceiro deputado federal mais votado em Minas Gerais.

Janones ganhou notoriedade instantânea ao transmitir vídeos sobre a paralisação, em que criticava Michel Temer, Rede Globo e MBL – que, à época, entrou em campo para defender a tremendamente impopular política de aumentos diários de preços dos combustíveis praticada pela Petrobras.

Ironicamente, o advogado mineiro colocou-se contra a intervenção militar defendida por parte dos caminhoneiros, o que acabou por atrair a simpatia de Jair Bolsonaro ao movimento. “Custamos muito pra conquistar a democracia e não podemos perdê-la. Não precisamos dos militares, a gente é capaz e consegue mudar esse país”, Janones comentou num de seus vídeos.

Resta saber como ele – e os seis outros deputados eleitos pelo seu partido – irá se posicionar caso o capitão reformado vença as eleições.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *