24/04/2024 - Edição 540

Poder

Qual é o futuro da democracia no Brasil?

Publicado em 12/10/2018 12:00 -

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A menos de três semanas para a realização do segundo turno entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, observadores políticos alemães consultados pela DW Brasil afirmam que a polarização observada durante o processo eleitoral não acabará em 2019, mesmo após a definição do próximo presidente, e que a democracia no país está se enfraquecendo.

Em entrevista à DW, falam sobre o futuro da democracia brasileira representantes das fundações dos principais partidos alemães no Brasil: Fundação Konrad Adenauer, ligada à União Democrata Cristã (CDU); Fundação Friedrich Ebert, ligada ao Partido Social-Democrata (SPD); Fundação Heinrich Böll, ligada ao Partido Verde; e a Fundação Rosa Luxemburgo, ligada ao partido A Esquerda.

DW Brasil: Ao que tudo indica, independente do vencedor, o país deverá começar 2019 novamente dividido. Como você enxerga esta nova polarização?

Franziska Hübner, representante adjunta da Fundação Konrad Adenauer no Brasil: Desde o primeiro mandato de FHC, em 1994, o Brasil ficou sujeito a uma polarização política permanente entre PSDB e PT. Agora, os eleitores poderão escolher entre dois extremos: do lado da ultradireita está Jair Bolsonaro e seu discurso nacionalista e radical; já do esquerdo está Haddad, visto por muitos como a marionete do Lula, que já alertou sobre um novo intervencionismo de Estado na economia. Independentemente de quem se eleger, o país ficará dividido, porque ambos os candidatos, apesar de terem muito apoio, têm os maiores índices de rejeição.

Thomas Manz, diretor da Fundação Friedrich Ebert no Brasil: É bem provável que a polarização que marcou o processo eleitoral não termine com as eleições. Os dois candidatos têm propostas bem diferentes a respeito da democracia, estado de Direito e desenvolvimento econômico. O próprio Congresso reflete essa polarização: de um lado, vemos o crescimento dos aliados de Bolsonaro, que vai ter um apoio significativo no Congresso. Por outro, o campo da esquerda consolidado não só com a bancada do PT, mas também com outras legendas da esquerda.

Annette von Schönfeld, diretora da Fundação Heinrich Böll no Brasil: As eleições estão refletindo uma forte polarização na sociedade, lamentavelmente acompanhada de muito ódio. Eu imagino que virão tempos difíceis pela frente.

Gerhard Dilger, ex-diretor do escritório em São Paulo da Fundação Rosa Luxemburgo: Sim. Mas, desta vez, a polarização poderá ser entre um campo democrático ampliado e, quem sabe, vitorioso, e a direita golpista. A polarização do ódio que começou em 2013/2014 e que praticamente criou Bolsonaro é a mudança mais triste na cultura política do Brasil nas últimas décadas. Uma vitória de Haddad não vai acabar com ela, mas pode ser o início de uma virada.

DW Brasil: Como você analisa o estado da democracia brasileira?

Franziska Hübner: Somente 13% dos brasileiros estavam contentes com a democracia no ano passado, e as taxas de confiança nas instituições como Congresso e partidos são muito baixas, mas não são surpreendentes em face da crise política interna. O descrédito nas instituições democráticas, em conjunto com a falta de capacidade dos políticos eleitos de resolver os problemas da população, deixaram um vácuo de insatisfação e frustração. Muitos eleitores sentem que a política se esqueceu deles. No primeiro turno, um populista da ultradireita [Bolsonaro] tomou proveito deste vácuo.

Thomas Manz: A democracia está bem enfraquecida e, entre os motivos, estão o desequilíbrio dos Poderes, a degeneração das instituições democráticas, o processo de Judicialização da política e, ainda, da politização da Justiça. O enfraquecimento dos partidos políticos é um pilar também da perda de força das instituições democráticas. Se quase a metade dos eleitores vota num candidato que defende a ditadura e o autoritarismo, isso é um sinal de que os valores democráticos não estão fortemente enraizados na democracia brasileira.

Annette von Schönfeld: As instituições existem e formalmente funcionam. Mesmo assim, percebemos que outras forças e interesses não alinhados com os valores da democracia e dos direitos humanos estão crescendo no país de forma preocupante.

Gerhard Dilger: A democracia está na UTI. Uma vitória da direita autoritária seria o maior retrocesso na América Latina desde a época das ditaduras cívico-militares.

DW Brasil: A direita avançou no Congresso. Pode-se esperar retrocessos?

Franziska Hübner: As bancadas mais conservadoras, como a evangélica, ruralista e da bala registraram um forte crescimento. Devido a esse movimento, as discussões sobre valores tradicionais ou morais em vários âmbitos da sociedade entrarão na agenda do Congresso.

Thomas Manz: O avanço da extrema direita no Congresso vai polarizar ainda mais os debates. Será um cenário complicado, seja quem for o vencedor das eleições. De um lado, haverá ainda um centrão como uma força decisiva que vai continuar fazendo o que sempre fez: vender votos e querer apoio para suas demandas individuais. Do outro, há também uma força significativa que quer impor também sua interpretação sobre a democracia e estado de Direito à toda sociedade brasileira.

Annette von Schönfeld: A direita avançou mesmo, mas não podemos esquecer que os retrocessos já estão em curso com as medidas tomadas pelo governo atual que poderão ser aprofundados nos próximos anos. Acho que, nas políticas públicas, na legislação, ou seja, em vários temas podem acontecer sérios retrocessos, visto que nos últimos anos houve avanços importantes. Por exemplo, na área dos direitos sexuais e reprodutivos um retrocesso na legislação sobre aborto e direitos relacionados às pessoas LGBTI; na legislação indígena, com diminuição de terras indígenas; perda de políticas públicas para pequenos camponeses ou mudanças na legislação ambiental que fragilizam licenças ambientais e outras políticas. Vamos ver também se o Brasil mantém a sua política para combater as mudanças climáticas.

Gerhard Dilger: O avanço da direita é mais um retrocesso, e a composição do Congresso está cada vez mais distante do povo brasileiro. Isso só poderia ser mudado com uma reforma política profunda.

DW Brasil: Até que ponto pode-se colocar o que está acontecendo no Brasil – avanço do ceticismo e desconfiança com a política tradicional – num contexto internacional?

Franziska Hübner: Parte do lema do Bolsonaro “Brasil acima de tudo" faz lembrar o lema do atual presidente dos EUA, Donald Trump, que ganhou as eleições com a mensagem "America First", ou seja, usando um forte tom nacionalista. Da mesma maneira como Trump ou outros partidos populistas na Europa, como, por exemplo, o alemão Alternativa para a Alemanha (AfD), Bolsonaro apresenta-se como um político de fora da "velha política" – embora ele tenha sido deputado federal por sete mandatos seguidos. Muitos eleitores estão abertos às promessas dos populistas no Brasil e no mundo porque se sentem esquecidos pela política e perguntam "Quem cuida de nós?" em um mundo cada vez mais globalizado, ou porque temem uma piora da sua situação. Essa ansiedade aparece em várias partes do mundo. 

Thomas Manz: Nós temos no plano global uma tendência à direita, mas isso tem a ver também com o descrédito das instituições e da democracia representativa. Cada um quer ser representado por si mesmo, e isso causa uma falta de identificação com projetos que tentam criar maioria e que defendam uma certa ideologia. Existe uma fragmentação muito forte dentro do espectro político que torna a política mais complicada e, por isso, geram-se menos resultados positivos. Esse movimento é parte do contexto internacional.

Annette von Schönfeld: Com certeza estamos vendo um auge de movimentos de direita a nível mundial, e isso faz com que opiniões que, antes tabu, hoje estejam mais fáceis de se falar em voz alta. Um tom de ódio e de medo ao outro está fazendo parte dos debates. Acho que isso tem muito a ver com o aumento das inseguranças sociais, o sentido de perda e o medo de não conseguir pertencer aos vencedores nas sociedades, o que fortaleceu a nova onda conservadora. Isso também está acontecendo no Brasil. Mas, com os escândalos na política nos anos recentes, se acrescentou uma raiva contra a classe política estabelecida e o sentido de ter sido traído.

Gerhard Dilger: Sim, há fenômenos parecidos nos Estados Unidos e na Europa. São uma consequência do fracasso do "neoliberalismo progressista" (Clinton, Blair, Schröder). Felizmente, Bernie Sanders e Jeremy Corbyn estão achando caminhos para criar projetos modernos de socialismos democráticos que poderiam ser um remédio contra o neoliberalismo fascista, mas eles são exceções, por enquanto.

DW Brasil: Líderes internacionais veem ainda com cautela o que acontece no Brasil. Desde o impeachment de Dilma Rousseff, por exemplo, não houve mais Consultas Intergovernamentais de Alto Nível entre Brasília e Berlim. É possível esperar mudanças?

Franziska Hübner: O Brasil experimentou crises internas muito graves nos últimos anos. O maior escândalo de corrupção na América Latina, o revelado pela Lava Jato, fez vibrar a classe política brasileira inteira. Ao mesmo tempo, o Brasil passou pela maior crise econômica na sua história e pelo impeachment. Pôde-se observar que líderes internacionais se distanciaram do Brasil. Em todo caso, o Brasil é um ator importante, tanto no campo regional como globalmente. Seria desejável que as consultas governamentais entre Brasil e Alemanha fossem retomadas no próximo ano. Da mesma forma, o Brasil é um ator essencial para um fechamento bem-sucedido das negociações sobre o acordo de livre-comércio Mercosul-UE. 

Thomas Manz: Depende do resultado do segundo turno. Se Bolsonaro for eleito, eu espero mudanças no comportamento da comunidade internacional. E no caso da Europa e Alemanha, eu espero que eles revisem suas posturas sobre o Brasil. Afinal, ser sócio estratégico implica também compartilhar certos valores como democracia e estado de Direito. E, nesse caso, eu colocaria em dúvida se esses valores comuns continuariam existindo.

Annette von Schönfeld: Acredito que o governo alemão vai olhar com cautela o que acontecerá no Brasil no começo do ano. Berlim certamente respeita os resultados eleitorais de um país, mas a política real será o que vai definir a relação com o governo brasileiro.

Gerhard Dilger: Olhando do exterior, a situação atual no Brasil parece ainda mais absurda. Com Bolsonaro, o relativo ostracismo que o governo Temer já sofre vai aumentar ainda mais, possivelmente com a exceção de países com governos autoritários de direita. A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2019, prevista para acontecer no Brasil, vai migrar para outro país. Com Haddad, o Brasil teria boas chances de voltar a ser um ator respeitado no mundo, como foi na época de Lula.


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