19/04/2024 - Edição 540

Camaleoa

Para não dizer que nunca falei sobre o amor

Publicado em 11/07/2014 12:00 - Cristina Livramento

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Uma das coisas que mais me impressiona no cotidiano é como a vida é incontrolável e surpreendente, justamente quando menos esperamos. A  gente sempre acha que tem controle sobre tudo, o trabalho, o dinheiro, o outro, o momento certo de se apaixonar e por quem se apaixonar. Mas na prática não é bem assim que a coisa toda funciona.

O aprendizado mais recente na minha vida foi exatamente sobre isso. A gente acredita que se nos dedicamos ao trabalho ele durará e seremos recompensados, se somos casados e nos dedicamos, a união será duradoura, se trabalhamos arduamente e economizamos sempre teremos dinheiro. E a vida nunca perde a oportunidade de nos lembrar de que – sim, devemos cumprir nosso dever – não temos controle nenhum sobre o amanhã ou o minuto seguinte.

Talvez seja por isso que a literatura, o cinema, psicólogos e profissionais de renome sempre falam sobre fazer o que a gente gosta. É urgente ser o que se sonha agora, com todo o tesão e ternura possíveis, porque viver é um ato doloroso na maior parte do tempo.

E o amor – o existir mais pleno – que invade a alma da gente quando menos esperamos tem o poder de renovar toda uma perspectiva sobre a vida. Quando se tem mais de 20 anos, as cicatrizes estão em um número maior sobre a pele, não há mais tempo para a preguiça, o medo e a reclamação. O tempo te estapeia a cara todo dia te lembrando que amanhã tudo pode se resumir no fim – e sem prorrogação.

A  gente sempre acha que tem controle sobre tudo, o trabalho, o dinheiro, o outro, o momento certo de se apaixonar e por quem se apaixonar. Mas na prática não é bem assim que a coisa toda funciona.

Levantamos todo dia pensando no trabalho, executando tarefas rotineiras, criando alternativas mentais para fazer mais dinheiro, pagar as contas, comprar uma casa, um carro, fazer uma viagem importante, mas tudo isso, feito rotineiramente, vira automático, não tem cor nem calor. Nossas ações tem um significado maior do que a ação em si, um significado maior que se mistura à força do Universo – o amor.

Esse sentimento, que chega sem nenhuma explicação, é o que nos mantém em pé, eretos, confiantes no amanhã. O café tem mais perfume, o sol é mais vermelho-laranja, a música soa mais viva no peito, e tudo parece ter mais sentido, até as ideias ficam mais claras (ou não). Amar o outro é um ato de bravura que implica basicamente em liberdade. Talvez por isso a gente sofra tanto durante os rompimentos. Somos obrigados a aceitar que o amor, na prática, é o querer bem sem a posse. Somos egoístas e não somos nada bons em reconhecer isso.

Para quem tem cicatrizes, traições, abandonos cravados na pele, mente e coração, sabe o quanto é difícil acreditar mais uma vez no amor. Estamos todos à deriva em alto mar. O que é o amor? Quantas vezes somos capazes de amar? Quantas maneiras de se amar existem? Ninguém até hoje conseguiu provar, matematicamente, todas essas respostas.

Uma coisa é certa, por mais que o estômago se contorça de medo, a mão fique gelada e as pernas tremam por reconhecer o sinal de um novo amor bem à sua frente, esse sentimento – maior do que a posse do outro – é renovadora e deve ser bebida até a última gota. Afinal de contas, o amor sempre será uma cena ridícula e piegas que nos faz repetir sem trégua que a vida é linda e toda forma de amor vale a pena. Que seja vida em sua plenitude enquanto houver amor e que ele tenha vida própria sempre, até o fim, seja ele qual for.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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