19/04/2024 - Edição 540

Poder

Antipetismo joga maiores líderes evangélicos do Brasil no colo de Bolsonaro

Publicado em 05/10/2018 12:00 -

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Um a um, os grandes líderes evangélicos do Brasil vêm declarando apoio ao presidenciável que, como alguns deles gostam de apontar, traz no nome do meio as marcas de um homem predestinado.

Jair Messias Bolsonaro (PSL) é o escolhido dessa trupe que lidera boa parte dos 30% dos brasileiros que se dizem evangélicos, número que tende a crescer ainda mais nos próximos anos.

A missão a ele confiada: derrubar a esquerda, neste pleito encarnada na figura daquele ungido por Lula como representante do petismo, Fernando Haddad.

"Bolsonaro não é Jesus, mas é Messias. É bom você JAIR se acostumando", tuitou em setembro o apóstolo Rene Terra Nova, com forte atuação na região Norte, onde sedia seu Ministério Internacional da Restauração. Na quarta (3), publicou o meme de um macaco em pose pensativa e a reflexão: "Se milhões de brasileiros saíram da miséria por causa do PT, por que eles ainda recebem Bolsa Família?". 


Já ir se acostumando com a vitória do capitão reformado virou um mantra no segmento evangélico, que deu à campanha dele apoiadores de primeira hora (Silas Malafaia) e embarques na boca do primeiro turno (Edir Macedo).

O casal à frente da Renascer em Cristo, Estevam e Sônia Hernandes, propôs pelo Instagram um desafio. "Faz o 17 aí que eu quero ver", disse o apóstolo, enquanto os dois usavam as mãos para formar o número de Bolsonaro. Ao lado, músicos da igreja tocavam na guitarra o Hino Nacional.


A adesão veio quatro meses após Estevam dizer ào jornal Folha de SP na Marcha para Jesus, evento sob sua guarda, que Bolsonaro precisava pregar mais amor e tolerância. “Respeito o discurso dele, mas o discurso raivoso não é bíblico", afirmou então.

O apóstolo amoleceu para o bolsonarismo. Como também o fez o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus.

Macedo preferiu Fernando Collor/FHC a Lula, tratado como o capeta em pessoa, e só em 2002 avizinhou-se do petismo, numa parceria que perpassou os governos Lula e Dilma. Um dos frutos colhidos nesta temporada foi o Templo de Salomão, projeto caro à Universal. Sua construção, cercada de pendências urbanísticas, foi regularizada quando Haddad era prefeito de São Paulo. 

O espírito dos tempos empurra Macedo e outros gigantes evangélicos a Bolsonaro, com desempenho acima de sua média no eleitorado desta fé. 

Segundo pesquisa Datafolha divulgada na terça (3), o capitão reformado tem 40% das intenções de voto nesse segmento, enquanto pontua 32% no quadro geral. Para efeito de comparação: seu adversário petista amealha 15% entre evangélicos, seis pontos percentuais aquém da sua média total. 

A Assembleia de Deus é a maior denominação evangélica do país. Fundada em 1911, ela se divide em várias ramificações, que não necessariamente dialogam entre si.

Costumam rachar no período eleitoral. Em 2010, por exemplo, algumas apoiaram a petista Dilma Rousseff, outras o tucano José Serra, e parte ficou com a então verde Marina Silva.

Agora, os maiores braços assembleianos vêm convergindo ao antipetismo e, por consequência, abraçando a candidatura bolsonarista.

A maior das alas da igreja é o Ministério Belém, com sede em São Paulo. E seu líder, o pastor José Wellington Bezerra da Costa, também presidente emérito da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, tomou um lado nesta eleição.

Num culto recente, Costa —que em 2010 chegou a gravar um vídeo pedindo votos para Serra— primeiro reflete que "as coisas estão se afunilando e já estamos conscientizados que estamos polarizados" e em seguida declara que sua "orientação é não votar na esquerda".

Cita então Bolsonaro, que, recuperando-se da facada que levou em setembro, aparece num telão projetado para fiéis. Um católico com filhos e esposa evangélicos (casou numa cerimônia celebrada por Malafaia), o candidato termina sua mensagem com seu slogan "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".

Um bordão que contagia estrelas gospel como André Valadão, líder da banda Diante do Trono, que chegou a ser ventilado para concorrer ao Senado e, assim, engrossar as fileiras evangélicas no Congresso. "É o cara que o Brasil precisa para dar um choque”, afirmou sobre o campeão nas pesquisas eleitorais.

O senador Magno Malta, que também tem uma banda de música cristã, a Tempero do Mundo, é um dos conselheiros do candidato do PSL. 

O deputado-pastor Marco Feliciano, que visitou o candidato em recuperação no hospital e gravou um vídeo para registrar o momento, conta que "pediu licença" à presidente de seu partido, o Podemos, que tem um candidato para chamar de seu (Álvaro Dias). Hoje endossa publicamente o militar reformado. 

"Em 2013, num momento crítico que passei, Bolsonaro esteve ao meu lado, não me abandonou em momento algum. Gratidão não prescreve." Refere-se à sua tumultuada passagem pela presidência da Comissão de Direitos Humanos, sob tiroteio intenso da esquerda.

Ao assumir a presidência da frente evangélica na Câmara, em 2017, o pastor Hidekazu Takayama reclamou que "onde já se viu, Adão casado com Evo, ou Eva com Ada". Às vésperas do pleito presidencial, volta ao tema "da família" para explicar por que o candidato empolga do topo à base da pirâmide evangélica.  

"Nós estamos olhando Bolsonaro como uma espécie de inseticida contra os extremistas do outro lado", afirma. Quando diz frases como "fuzilar a petralhada", o presidenciável não está falando sério, ao contrário "desta esquerda ateia que não gosta de cristãos", segundo Takayama. 

E "tirando exageros que vemos da parte dele", como a defesa do armamento civil, ele é a pessoa mais indicada na disputa para zelar por moral e bons costumes, afirma. 

O movimento #EleNão, por exemplo: vários grupos de WhatsApp com religiosos receberam imagens em que mulheres que foram às ruas no último dia 29 para rechaçar o capitão apareciam de peito de fora, homens se beijavam etc. "As pessoas de bem ficam assustadas." Se a ideia era sensibilizar as cristãs, bom, esse tiro saiu pela culatra, diz o pastor.

Candidato enfrenta resistência de setores contrários ao discurso armamentista

Assustadas com o avanço do candidato direitista estão franjas evangélicas mais alinhadas com a esquerda. 

"Pode um crente votar em Bolsonaro?", pergunta um manifesto da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, que tem entre suas lideranças o pastor Ariovaldo Ramos, aliado de Lula. O texto segue com um convite: "Irmãos" deveriam repudiar "as posições esboçadas por essa candidatura que propaga o ódio ao próximo e sua ameaça ao restabelecimento da democracia no Brasil".

Pastor titular da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo, Valdinei Ferreira pregou no último dia 30sobre o fenômeno que chamou de "síndrome eleitoral".

Seria a "agressividade e a passionalidade que borbulham" em pleitos, e "os líderes cristãos estão entre os mais afetados por elas", disse. Sintomas: a "identificação de um grande inimigo", que os leva à "busca de salvadores da pátria". 

Valdinei prefere não dar nomes aos bois, mas pede: "Confie em Deus, qualquer que seja o resultado das eleições".

Outros setores evangélicos têm declarado publicamente oposição às manifestações e propostas do candidato do PSL que afrontam, segundo eles, a fé cristã e a Constituição de 1988.

É o caso da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito. Em nota divulgada nas redes sociais no último dia 28, o grupo criticou, entre outras coisas, o discurso bélico de Bolsonaro, que defende a popularização do uso de armas de fogo no país. O texto repudia a apologia à violência, ao machismo e ao racismo, afirmando que o programa de governo do candidato tem caráter “excludente”.

Além disso, a Frente disse condenar a prática da tortura, também defendida pelo presidenciável, destacando que se trata de crime de lesa-humanidade.

“Era urgente a nossa manifestação contra uma candidatura que entendemos ser antidemocrática e fascista, e que só é permitida num país em que as instituições estão fragilizadas. A gente entende que, num país sério e com a democracia funcionando, candidatos que incitam o ódio são banidos do processo”, afirma Nilza Valéria, uma das coordenadoras da Frente.

O movimento reúne cerca de 10 mil fiéis, nas cinco regiões do país, abrangendo os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Pará, Mato Grosso, Ceará, Paraíba e Distrito Federal.

Outro grupo de caráter progressista que tem se manifestado contra a candidatura de Bolsonaro é a Frente Evangélica pela Legalização do Aborto, concentrada no Rio de Janeiro, mas que também reúne militantes em São Paulo, Pernambuco e outros estados.

O grupo rejeita a postura extremista do presidenciável. A estudante universitária Camila Mantovani, uma das militantes da causa, aponta que Bolsonaro lança mão de uma “política de medo e terrorismo” para promover o ódio.

“É uma manipulação completamente eleitoreira. Ele não tem qualquer compromisso com os valores cristãos, não consegue ter coerência com a verdade do Evangelho que a gente encontra na figura de Jesus. O discurso do Bolsonaro e alguns apoiadores é anticristão”, analisa.

Outra ideia promovida pelo presidenciável que é fortemente criticada pela Frente é a negação dos direitos das mulheres, não só no quesito profissional – Bolsonaro defende salários menores para elas –, mas também no que se refere à violência.

O candidato ainda defendeu a cultura do estupro em diferentes manifestações públicas nos últimos anos. Em uma dessas ocasiões, durante uma sessão parlamentar em 2014, ele chegou a ofender a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) com discurso de apologia à violência sexual. Por conta disso, foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em agosto do ano passado, por danos morais.

“O próprio Jesus sempre fortaleceu e legitimou as mulheres e as colocou num lugar de protagonismo. Esse candidato faz o oposto: coloca a gente num lugar de extrema inferioridade, vulnerabilidade e de extrema exposição à violência. É um discurso que deslegitima a nossa existência. A gente tem completo repúdio à figura de Jair Bolsonaro a tudo que ele representa”, critica.

Cultura da paz

A resistência ao candidato do PSL faz escola também em outros lugares do país, como é o caso do interior de Goiás. No município de Aparecida de Goiânia, nas imediações da capital, o pastor Rosivaldo Pereira de Almeida é uma das lideranças evangélicas que têm feito frente às ideias de Bolsonaro.

Atuante numa igreja de tendência pentecostal e professor das áreas de educação e direitos humanos da Universidade Estadual de Goiás (UEG), ele destaca a preocupação com o avanço de ideias políticas fascistas.

“Nosso posicionamento é absolutamente contrário a esse movimento, à ideia de não suportar o diferente, a diferença e de você produzir todo um discurso de eliminação do outro. Esse discurso é absolutamente anticristão, do ponto de vista político e teológico também”, afirma.

Como contraponto ao avanço da cultura do ódio, Almeida conta que igreja onde atua tem procurado mobilizar cada vez mais a comunidade religiosa por meio da promoção de debates que buscam a conscientização social e o incentivo à cultura da paz.

Entre as atividades, a igreja oferece cineclubes; hip hop, feito em parceria com o movimento negro; e ainda uma biblioteca com títulos que discutem questões como reforma agrária, igualdade racial, agroecologia, política em geral, entre outros temas.

O pastor defende o engajamento político e social de líderes religiosos das mais diferentes tendências para combater o avanço do ódio no país.

“Nós precisamos criar meios de contribuir com os processos educativos informais e nos posicionarmos política e teologicamente contra. É só por meio da educação que a gente vai conseguir reverter essa questão como caminho de luta contra a intolerância, a misoginia, o machismo, o racismo, entre outras práticas fascistas”, argumenta.


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