19/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O Reboot dos homens bons

Publicado em 26/09/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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Você é bom? Você se considera uma boa pessoa? A maioria das pessoas responde uma variação de "eu tento" ou "eu faço a minha parte". Tem aqueles que dizem "eu sou uma ótima pessoa", e também aqueles que dizem "eu podia ser melhor". Seja qual for a sua resposta, ela revela mais do que você imagina.

Acontece que, para responder essa pergunta, é preciso definir o que significa ser "bom". Aí, meu amigo, o universo se divide basicamente em duas escolas: 1 – aqueles que acreditam que ser bom é respeitar as regras. 2 – os que acreditam que bondade tem a ver com a maneira como tratamos os outros.

Os membros do grupo 1 focam a definição de boa pessoa na sua própria idividualidade. "Eu respeito as leis e pago meus impostos. Logo, sou bom." O grupo 2 pensa que ser bom é cooperar para que a sociedade, como um todo, seja melhor e mais justa. Logo, a interpretação de "bondade" deles tem uma dimensionalidade social.

Poderíamos parar por aí. Cada um com sua visão de mundo, cada um vivendo sua vida. Infelizmente, não é assim que a banda toca. Os membros do grupo 2, focados na evolução da convivência social, procuram implementar mudanças na sociedade. O grupo 1 vê isso de forma negativa. Primeiro, o simples conceito de que "a boa pessoa" trabalha pelo grupo e não simplesmente segue as regras e cuida da sua vida é vista como uma ofensa pessoal pelo grupo 1. Eles consideram isso uma insinuação de egoísmo e um menosprezo do seu trabalho duro. Além disso, para quem é do primeiro grupo, a ideia de assistência social é quase sinônimo de trapaça: "Ninguém me ajudou! Porque eu vou ajudar alguém?".

O grupo 2, por sua vez, vê o posicionamento do grupo 1 como tóxico e contraproducente. Uma forma de egoísmo institucional. Não há como ser bom sem lutar por uma sociedade igualitária. Já o grupo 1 acha que não pode ser bom quem não aprecia trabalho duro e honestidade. Claro, não são noções excludentes, mas parece que ninguém nunca contou isso para nenhuma das partes.

Desse conflito nascem reações. O grupo 1 passa a achar que o grupo 2 é formado de gente disposta a desestabilizar suas conquistas e menosprezar "seu valor". E o grupo 2 passa a ver o grupo 1 como a fonte da injustiça social que combatem.

Ambos partem para a demonização sistemática do lado oposto. Inventamos mitos e preconceitos a respeito do inimigo. Descaracterizamos suas prioridades, focamos nos seus exemplos mais extremados e fermentamos nosso ódio.

O resultado é uma população que se recente de sua prosperidade e vê avanço social como uma ameaça. Uma crise de valores que emperra os dois lados da engrenagem, tanto o crescimento econômico quanto o desenvolvimento social. Não é preciso dizer que não é um cenário sustentável.

Aí você me pergunta a solução: Não tem. Historicamente, esse é o impasse. O que as nações que chegaram neste ponto fizeram para superar esse zero a zero? Sem papas na língua: se mataram. Guerras civis, movimentos de secessão, derramamento de sangue. E a parte que perder engole a derrota temporariamente, até ganhar força nos equívocos do grupo vencedor. E tudo recomeça, até a próxima pane social.

Tratamos a tragédia dos homens bons como um computador com Windows pirata. Damos reboot e rezamos.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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