19/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Sinto muito pelo atraso

Publicado em 29/08/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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Sinto muito pelo atraso, caro leitor. Estava exercendo minha outra profissão, a de ator, em um festival na Colômbia. Grupos de teatro do México, da Guatemala, do Peru e nós, do Brasil, fomos convidados para encenar nossos espetáculos por lá. Passeamos pelo centro histórico de Bogotá no primeiro dia. Tivemos a oportunidade de conhecer o belo Museu Botero e diversos teatros que fazem parte da vida cultural da cidade, de cerca de sete milhões de habitantes. Mas não foi lá onde nos apresentamos.

O festival teve o objetivo de levar teatro para alunos de escolas públicas em cidades do interior. Cada apresentação era precedida de uma viagem à Colômbia profunda, em zonas rurais e comunidades agrícolas. Eu reconheço, envergonhado, que esperava condições precárias. O que encontrei foi um tapa.

Encontrei escolas públicas lindas, plenamente equipadas e organizadas, num nível superior a muitas particulares da nossa terrinha. Encontrei também adolescentes e crianças apaixonados por arte, por cultura, por conhecimento.

A sede do festival, em Mosquera, uma cidade um pouco menor que Ponta Porã, era um conservadíssimo centro cultural, com auditório, biblioteca, salas de aula. Um lugar vibrante, que oferece aulas de música, danças típicas, teatro, debates, orquestras infantis. Um ponto de encontro para toda a comunidade ver e viver cultura. Um centro com os recursos e a participação popular que não se encontram na maior parte das capitais do Brasil, quanto mais nos nossos municípios do interior. E isso em um país que está muito longe de ser rico, pelo contrário. Mas onde o compromisso com a cultura parece ir além do discurso de campanha eleitoral.

Desembarquei no Rio de Janeiro e fui recebido com outro tapa: o incêndio do Museu Nacional na Quinta da Boa Vista. Um lugar que eu conheci logo que mudei para cá. Minha primeira impressão foi de surpresa com a qualidade e variedade do seu acervo, mas também de decepção com suas condições precárias. Paredes maltratadas, instalações elétricas remendadas. Encontrei o descaso. E o descaso, assim como a educação, é muito eficaz em suas consequências.

No domingo, fomos vítimas da mentalidade boçal de uma sucessão de governos corruptos e ignorantes que acham que cultura é supérfluo e educação é luxo. Ontem, encontrei o atraso que reduz o patrimônio do Brasil e da humanidade a cinzas.

Sinto muito pelo atraso, caro leitor.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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