28/03/2024 - Edição 540

Judiciário

Punição a juiz é própria do Estado de Exceção

Publicado em 14/08/2018 12:00 -

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A condenação à penalidade administrativa (censura) imposta ao Juiz de Direito Roberto Luiz Corcioli Filho pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) fere a um só tempo o Estado Constitucional e a independência da magistratura.

Segundo Luigi Ferrajoli, a independência do juiz é uma aquisição do moderno Estado de direito, conexa, tanto teórica como historicamente, à confirmação, de um lado, do princípio de estrita legalidade e da natureza cognitiva da jurisdição e, de outro, dos direitos naturais e fundamentais da pessoa.

Jorge Luiz Souto Maior e Marcos Neves Fava asseveram que “A independência do juiz, primeiro, é uma garantia do próprio Estado de Direito, pelo qual se atribuiu ao Poder Judiciário a atribuição de dizer o direito, direito este que será fixado por normas jurídicas elaboradas pelo Poder Legislativo, com inserção, ao longo dos anos, de valores sociais e humanos, incorporados ao direito pela noção de princípios jurídicos. A independência do juiz, para dizer o direito, é estabelecida pela própria ordem jurídica como forma de garantir ao cidadão que o Estado de Direito será respeitado e usado como defesa contra todo o tipo de usurpação. Neste sentido, a independência do juiz é, igualmente, garante do regime democrático.

Destaca-se que o juiz Roberto Luiz Corcioli Filho – tal como já havia ocorrido com a magistrada Kenarik Boujikian – foi punido por decisões, no curso de sua carreira, que fizeram “justiça” aqueles que eram vítimas da sanha punitivista e das atrocidades perpetradas em nome do Estado Penal.

A censura imposta ao Juiz de Direito Roberto Luiz Corcioli Filho, por exercício regular da jurisdição representa grave violação da independência judicial comprometendo a função jurisdicional.

Em nota a Associação Juízes para Democracia (AJD) destacou que: “O magistrado limitou-se a exercer seu poder – dever de controlar tais políticas, o que se amolda à função que se espera do próprio Poder Judiciário na esfera do sistema de freios e contrapesos que caracteriza a separação dos poderes em um Estado Democrático de Direito. O juiz punido mostrou, com suas decisões, que a atividade jurisdicional não é e nem pode ser um mero órgão chancelador da atividade policial da Administração Pública”.

Desgraçadamente, verifica-se que, hodiernamente, os juízes e juízas, chamados garantistas, comprometidos com os direitos humanos e que tomam suas decisões ancorados nos direitos e garantias fundamentais, são alvejados pelos punitivistas de plantão, alimentados pela mídia opressiva e pela opinião pública (da).

Necessário aqui salientar que o juiz não é mais a boca inanimada da lei. Sendo indispensável que o juiz, verdadeiramente comprometido com o Estado Democrático de Direito, investigue a ideologia que está por de trás da lei, especialmente, em matéria criminal. Deve confrontar a lei com os princípios fundamentais e, em especial, com a dignidade da pessoa humana.

Para que exerça sua honrada função com dignidade, desassombro e imparcialidade os magistrados precisam gozar de independência funcional. Desde que ajam de acordo com suas consciências e convicções, sem faltar com ética e com respeito ao cargo, as decisões judiciais somente poderão ser questionadas em recursos próprios que não firam a autonomia e a independência da função. O juiz deve, por natureza de sua função, ser independente, tanto interna como externamente.

Ressalte-se que a independência dos Juízes não é submetida somente a ameaças externas ao Poder Judiciário. Pressões internas, originárias dos órgãos de cúpula do Poder, comprometem, também, a imparcialidade que se anseia como fator de legitimação das decisões judiciais.

Assim sendo, verifica-se que a punição imposta ao Juiz de Direito Roberto Luiz Corcioli Filho, sem qualquer respaldo legal, é própria do Estado de Exceção e, portanto, incompatível com o Estado Democrático de Direito.

Leonardo Isaac Yarochewsky – Advogado e Doutor em Ciências Penais (UFMG)


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