28/03/2024 - Edição 540

Brasil

Policiais tentaram arrancar de professor nomes de manifestantes pró-reitor que se matou depois de operação da PF

Publicado em 09/08/2018 12:00 -

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Áureo Mafra de Moraes está sendo investigado há cinco meses pela Polícia Federal. O motivo? Uma faixa exposta por outra pessoa, atrás do professor da Universidade Federal de Santa Catarina,  durante o seu discurso no aniversário de 57 anos da universidade, transmitido pela TV da UFSC. No evento, Moraes – que atualmente é chefe de gabinete da reitoria – falou do ex-reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que se atirou do sétimo andar de um shopping de Florianópolis em outubro enquanto era investigado pelo PF por supostos crimes na universidade.

Cancellier foi preso temporariamente por que a delegada Érika Mialik Marena, que ficou famosa por trabalhar na força tarefa da Lava Jato, considerou que ele estava obstruindo a investigação. Ele foi algemado e levado ao Presídio de Florianópolis onde permaneceu detido por 30 horas. Solto por um habeas corpus, foi proibido de entrar na universidade. Dezoito dias depois, atirou-se no vão central de um shopping.

O Intercept teve acesso ao depoimento de Moraes prestado no dia 11 de junho. Nele, mais interessante do que as respostas do professor, são as perguntas dos policiais: eles queriam saber quem autorizou o evento, quem participou e até a lista de quem elaborou os cartazes expostos no dia, além do motivo de terem sido colocados logo atrás das pessoas que discursaram no vídeo.

“Não foi expressamente autorizada a exibição de cartaz algum, pois é comum que haja manifestações diversas nos eventos da instituição (…) a administração da universidade não interfere e nem cerceia manifestações, muitas delas contrárias a ela própria”, declarou o professor à PF. Moraes ainda se recusou a “nomear” os participantes da manifestação e foi alertado de que era preciso informar a polícia sobre qualquer mudança de endereço.

No vídeo de menos de três minutos, produzido pelos alunos, metade de uma frase de Moraes foi registrada: “… a reação da sociedade a tudo aquilo que nos abalou neste ano”. Ela foi ilustrada justamente com uma das faixas que aparecem nas imagens, que atribuía a morte de Cancellier ao abuso de poder na operação da PF. Nela, havia uma foto da delegada Marena.

“Ficou muito evidente qual é a nossa compreensão do que aconteceu. Esse episódio particular configura algo para além disso”, me disse Moraes, por telefone. Ele não gosta de falar sobre o assunto.

Sem provas contra o reitor

O relatório final da polícia afirma que Cancellier é chefe de uma organização criminosa. O indício mais forte apresentado pela PF é o fato de ele ter nomeado alguns professores que praticavam uma “política de desvios e direcionamento nos pagamentos das bolsas” de um programa de ensino a distância. Mas não há um documento ou uma testemunha que incrimine o professor, os indícios são frágeis.

A morte do reitor foi traumática para a instituição que já estava com a imagem fragilizada após repercussão nacional da investigação da Polícia Federal. A prisão de Cancellier foi controversa desde o começo.Outras 23 pessoas da universidade foram indiciadas por organização criminosa, lavagem de dinheiro, peculato, falsidade ideológica, além de outros crimes. A quadrilha teria agido entre 2008 e 2017 – Cancellier só assumiu o cargo em 2016. Agora, com a investigação finalizada, tem-se a confirmação definitiva do fracasso da operação em relação a seu nome.

“É melhor ficar quieto”

Quando o professor Moraes prestou depoimento, a PF também ouviu o atual reitor da universidade, Ubaldo Balthazar. Antes, outro professor, também ouvido pelos agentes, foi avisado que era melhor “ficar quieto” – ele havia criticado a PF em um discurso durante a cerimônia de formatura do curso de Administração, em fevereiro.

Apesar de afirmar que o grupo criminoso só “se manteve em funcionamento naqueles moldes” graças à sustentação política do reitor, o relatório não explica quem comandou o suposto esquema durante os seus oito anos iniciais, antes da época em que Cancellier estava à frente da instituição. Os reitores anteriores nunca foram sequer investigados.


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