25/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Os fantásticos conservadores

Publicado em 02/08/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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O amigo leitor já ouviu falar de 4-chain? E tipo o ânus da internet. Tudo que seria execrável em qualquer outro fórum digital é recebido com aplausos no 4-chain. Praticamente uma fábrica de senilidade e rancor. "Ah, mas tem gente boa lá também, Amém." Também tem gente boa na Câmara dos Vereadores de Japeri. No entanto, a Câmara dos Vereadores de Japeri é isso aí que conhecemos. Mas voltando ao 4-chain: Um lugar onde a única regra é: postei e saí correndo. Tudo é anônimo, tudo é permitido.

Pois foi lá que nasceu o mais novo movimento norte-americano: Q-Anon. Anon é diminutivo de Anonymous, "anônimo" em português. Q seria uma, duas ou até dez pessoas com acesso às engrenagens do governo dos EUA. Talvez membros do staff do presidente, talvez um oficial da alta roda de confiança de Trump. Nos fóruns do 4-Chain, alega-se que este oficial insere "códigos" no discurso do presidente para legitimar sua existência e provar aos seus seguidores que "Q is real".

E qual é a grande narrativa promovida por Q-Anon? Senta, que lá vem história de gente louca.

Segundo Q e seus seguidores, existe um "Estado Profundo", e eles não estão falando sobre o Acre. Esse "Estado Profundo" seria uma rede de norte-americanos poderosos que governam o país dos bastidores, defendendo os próprios interesses e conspirando contra o povão de nuca vermelha e fuzil na mão: os verdadeiros americanos e únicos oprimidos da história do país.

De acordo com Q, Trump nunca teve nenhum envolvimento com a Rússia e não está sendo investigado pelo FBI. Muito pelo contrário. Na verdade, Clinton e Obama é que foram corrompidos por Putin (e estão sendo investigados pelo FBI) porque eles são obviamente tão maus, tão gananciosos globalistas que fariam qualquer coisa para quem pagar mais. Além de grana, Obama, os Clinton e os Bush (sim, os Bush, presidentes republicanos, do mesmo partido que Trump) também estariam envolvidos em estupro e assassinato de crianças. Mas nesse assunto há divergências no grupo, já que parte acredita que eles sejam, na verdade satanistas.

Q também afirma que Trump, sendo o gênio que é, achou uma solução para lutar contra essa sociedade secreta de satanistas que comanda os EUA. Ele está fingindo amar Putin e estar envolvido com a Rússia para forçar uma investigação desses horrores sem chamar a atenção dos Democratas malévolos estupradores de criancinhas. Eu sei.

É difícil dizer qual parte desta teoria da conspiração é mais ridícula. O messianismo de um "Trump genial", confesso, me faz morrer de rir. Mas, nos comícios de Trump, gringos segurando cartazes com a letra Q estão ficando mais que comuns. Quase onipresentes. E toda vez que são confrontados com o fato de que não há qualquer prova de que essas acusações tenham fundamento, a resposta dos seguidores de Q-Anon é quase sempre a mesma: "Também não há prova de quem não seja verdade".

Também não há prova de que não exista um bule de chá orbitando Júpiter. Não é assim que pensamento crítico funciona. Não se prova inexistência. Devemos acreditar naquilo que é comprovado com fatos. O que os conspiradores de Q fazem é o caminho inverso: construir uma narrativa que confirme sua visão do mundo, independente de haver provas que suportem essa visão. E eles fazem isso por uma razão simples: A alternativa é reconhecer que eles estavam errados e que Trump tem sim uma relação espúria com a Rússia. É reconhecer que eles foram manipulados e colocaram na presidência um playboy com histórico de estelionato. É reconhecer, no Brasil, que fomos manipulados e colocamos na presidência um salvador da pátria que prometia combater a corrupção, falava grosso e tinha postura de machão. Estou falando do Collor, claro. Só dele.

Então, a alternativa é a teoria da conspiração. O salvador do americano conservador não é Trump. É Q, que valida suas crenças com realismo fantástico e paranóia.

E nada é mais sedutor para o conservadorismo do que realismo fantástico e paranóia. E o conforto de não precisar rever conceitos. Ou você conhece alguém que reconheça o próprio erro ao votar no "Caçador de Marajás"?

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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