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Como a Nicarágua chegou ao caos que deixou centenas de mortos, incluindo brasileira

Publicado em 25/07/2018 12:00 -

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Centenas de pessoas foram mortas na Nicarágua desde 18 de abril em um amplo e popular levante contra o presidente do país centro-americano , Daniel Ortega, e seu governo.

Uma delas foi a brasileira Raynéia Gabrielle Lima, estudante de Medicina na Universidade Americana em Manágua, baleada na última segunda-feira (23).

O Itamaraty afirmou estar buscando esclarecimentos sobre o ocorrido e acrescentou: "Ao repudiar a perseguição de manifestantes, estudantes e defensores dos direitos humanos, o governo brasileiro volta a instar o governo da Nicarágua a garantir o exercício dos direitos individuais e das liberdades públicas".

Confira o desenrolar da crise.

Como tudo começou?

A crise começou de uma forma um tanto inesperada, quando grupos pró-governo atacaram de forma violenta um pequeno protesto contra reformas no sistema previdenciário, anunciadas em 18 de abril.

Estes grupos pró-governo, popularmente conhecidos como "grupos de choque", já haviam sido usados no passado para reprimir manifestações contra Ortega e acabaram desestimulando muitos nicaraguenses insatisfeitos a ir às ruas.

Mas, dessa vez, vídeos da repressão amplamente divulgados nas redes sociais causaram revolta e acabaram gerando mais protestos – que, por sua vez, levaram a uma intensificação da repressão.

Três pessoas, entre elas um policial, foram mortas em 19 abril em conflitos.

O que aconteceu desde então?

Centenas de pessoas foram mortas e milhares feridas conforme os protestos e a repressão cresceram.

O aumento das mortes caminhou ao lado da intensificação da revolta contra o governo. O país está repleto de bloqueios nas estradas e barricadas, que as forças de segurança vêm tentando impedir.

Os relatos sobre a letalidade dos conflitos têm sido quase diários. Manifestantes culpam as forças oficiais de segurança e grupos paramilitares ligados ao governo pela violência, enquanto o governo classifica manifestantes como "terroristas".

Quantas pessoas foram mortas?

Nas últimas semanas, o governo não divulgou qualquer contagem oficial sobre óbitos, afirmando que toda morte deve ser investigada com rigor para que números corretos sejam divulgados.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) afirmou que 264 pessoas morreram desde o início dos protestos até 11 de julho.

Grupos de direitos humanos de dentro da Nicarágua dizem que os números já superam 300 pessoas.

Por que há tantas mortes?

Manifestantes afirmam que forças oficiais empregam força excessiva na repressão a protestos, usando balas e franco-atiradores contra ativistas.

Esta acusação ganhou eco entre vários grupos de direitos humanos. A Anistia Internacional, por exemplo, afirmou na semana passada que "a repressão estatal atingiu níveis deploráveis" na Nicarágua.

O Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos também alertou que a Nicarágua está caindo em uma "perigosa espiral de violência e impunidade".


O governo argumenta que a violência não vem de apenas um lado e aponta para o uso de morteiros artesanais como evidência de que as forças de segurança estão sendo atacadas por manifestantes.

Alguns policiais estão entre os mortos na crise. O governo também cita a reação de apoiadores civis de Ortega contra o suposto "terrorismo" representado por grupos de oposição.

Mas a maior parte das organizações que defendem os direitos humanos concordam que os "grupos de choque" têm um papel particularmente mortífero no conflito.

O que os manifestantes querem?

As demandas já superam em muito a pauta dos primeiros protestos, relacionada ao sistema previdenciário do país.

Estudantes universitários estão na linha de frente dos protestos, mas o movimento se orgulha em dizer que tem o apoio de nicaraguenses de diversas faixas etárias e afiliações políticas.

Eles também têm recebido o apoio do empresariado, que no passado foi importante base de apoio para Ortega.

Esta massa heterogênea se uniu em torno do clamor pela justiça em relação às mortes nos protestos; também pedem reformas democráticas profundas – mas muitos acreditam que nada pode ser conquistado se Ortega, no terceiro mandato consecutivo, continuar no poder.

Assim, muitos pedem que Ortega abra mão do comando do país ou ao menos que eleições sejam antecipadas – ações que o presidente vem dizendo irem contra a Constituição.

O que diz o governo?

O governo atribui a situação a grupos criminosos e a "grupos de oposição com agendas políticas específicas".

O comando do país também diz que os manifestantes estão "infligindo sofrimento às famílias nicaraguenses" ao prejudicar fortemente a vida cotidiana.

Em um comunicado publicado em 9 de julho, o governo acusa os manifestantes de matar, torturar e sequestrar centenas de cidadãos.

A nota diz que o governo tem "o dever de defender a segurança e a paz" de todos os nicaraguenses, incluindo "o direito das pessoas, dos veículos e dos bens de se movimentarem livremente pelo território".

Órgãos oficiais lançaram uma operação dita "de limpeza" que teria o objetivo de restaurar a ordem. Mas manifestantes acusam as forças de segurança de tirar ativistas de suas casas e detê-los de forma ilegal.

O que pode acontecer em seguida?

No cenário internacional, houve uma ampla reprimenda ao governo da Nicarágua. Pede-se que as forças de segurança sejam controladas, o que no entanto teve pouco efeito até agora.

O comércio vem sofrendo, especialmente no setor turístico. As coisas podem piorar, uma vez que os manifestantes indicam que não recuarão. Estima-se que 85 mil empregos podem ser perdidos neste ano.

Um "diálogo nacional" em que os manifestantes se reuniram com membros do governo, sob mediação da Igreja Católica, até agora avançou pouco e foi interrompido várias vezes.

Com as negociações paralisadas, o presidente Ortega rejeita convocar eleições antecipadas e manifestantes dizem que não há como voltar atrás. A crise parece estar longe do fim.


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