25/04/2024 - Edição 540

Poder

Para retratar gays como pedófilos, Carlos Bolsonaro divulga cartaz falso

Publicado em 20/07/2018 12:00 -

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Um dos três filhos de Jair Bolsonaro a ocupar um cargo eletivo, Carlos, vereador pelo Partido Social Cristão (PSC) no Rio de Janeiro, usou o twitter na noite do último dia 13 para postar um cartaz falsificado e afirmar que grupos LGBT estariam agora defendendo a pedofilia. O pôster alardeado por Bolsonaro é uma fraude antiga que há muito tempo percorre a internet, e que já foi repetidamente exposto como falso por sites de verificação.

Em menos de 24 horas, o post falso de Bolsonaro já havia sido retweetado por 500 pessoas e curtido por mais 1200. Bolsonaro não só se recusa a deletar os tweets como também postou diversos tweets em sequência reafirmando sua alegação de que homens gays em particular seriam pedófilos.


É incontestável que o material postado por Bolsonaro seja fictício. O pôster – alegando que LGBTs estariam adicionando “P” à sigla para defender “pedofilia” – é uma fraude de internet antiga já desmascarada exaustivamente por diversos sites de verificação, entre eles o reputado Snopes.

No começo desse ano, o site Snopes apurou as origens do mesmo material que Bolsonaro postou, e o resultado foi a pior avaliação possível: “FALSO”. “Esse não é um panfleto verdadeiro de um grupo LGBT, e não existe nenhum grupo LGBT que tolere a pedofilia, e muito menos algum que tenha anunciado que a letra “P” seria adicionada à sigla como forma de demostrar apoio à pedofilia”, concluiu o website.

Conforme determinado pelos investigadores do Snopes, o panfleto falso surgiu em fóruns alt-right no website 4chan, notório por ser a origem de diversas fraudes que circulam on-line.

Snopes localizou o post original em que usuários conversaram sobre a melhor forma de fazer com o que o pôster falso fosse o mais verossímil possível de modo a convencer as pessoas que grupos LGBT estariam incorporando a defesa da pedofilia à sua identidade e reivindicações.

Essa discussão – de como melhor espalhar o material que Bolsonaro acabaria postando – ainda está acessível no 4chan. Nela, homens gays são chamados de “bichas” e associados a “vermes”, e os usuários discutem as vantagens de convencer a população a ver os gays como pedófilos.

O post fictício foi copiado pelo vereador de uma conta no Instagram chamada “OpiniaoConservadora”, que tem mais de 45.000 seguidores e se descreve como “Um católico que defende a igreja” e “um conservador que defende valores”. Esse perfil postou o falso cartaz “LGBTP” nesta sexta feira, acompanhado da frase “E as letrinhas do inferno vão sendo acrescentadas…” Bolsonaro então copiou a imagem e a postou para seus 286,000 seguidores.

Diversos usuários do Twitter, respondendo a Bolsonaro, postaram a página do Snopes desmascarando o material e indicaram ter denunciado o tweet falso do vereador ao Twitter. Postar um panfleto falso projetado explicitamente para incitar o ódio contra a população LGBT é sem nenhuma dúvida uma violação das regras do Twitter:

“Conduta de propagação de ódio: também não é permitido promover violência, ameaçar ou assediar outras pessoas com base em raça, etnia, nacionalidade, orientação sexual, sexo, identidade de gênero, religião, idade, deficiência ou doença grave… [conduta de propagação de ódio inclui] “comportamento que incite medo sobre um grupo protegido.”

Até agora, o Twitter não só não suspendeu o perfil de Bolsonaro como permitiu que o post permanecesse no ar. Nesse meio tempo, Bolsonaro, respondendo às críticas de que teria postado material falso, reforçou a sua crença na associação falsa e refutada entre homens gays e pedofilia: primeiro, com um post do seu pai fazendo a mesma associação, e depois com fotografias supostamente retratando homens gays defendendo a pedofilia.

O ódio ostensivo aos LGBTs se tornou um eixo central da cada vez mais poderosa família Bolsonaro e dos setores retrógrados do movimento evangélico brasileiro (que não representa de forma alguma todos os evangélicos brasileiros, muitos dos quais são progressistas ou contrários a Bolsonaro por outras razões). A atriz abertamente LGBT Ellen Page confrontou Bolsonaro numa entrevista em 2016 para seu programa de TV Viceland.

No final do ano passado, Bolsonaro usou uma tradução literal para o inglês da expressão “queimar a rosca” num tweet direcionado a mim depois que eu caracterizei sua ideologia como fascista.


Numa entrevista com o Intercept sobre uma controvérsia de 2014 em que ele disse que uma colega congressista, socialista, “não merecia ser estuprada [por ele]”, Bolsonaro defendeu sua oposição à adoção por casais do mesmo sexo da seguinte forma: “se você quer tanto um bebê, porque não aluga a barriga de alguma mulher?”. Ele acrescentou: “não se preocupe, em breve os gays vão poder fazer transplante de útero e aí você vai poder ter um bebê”.

Essa semana, um aliado de Bolsonaro na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, o político evangélico de direita Otoni de Paula – em um debate sobre o possível impeachment do prefeito Marcelo Crivella – fez repetidamente uma “dancinha gay” para debochar de meu marido David Miranda (o primeiro e único vereador abertamente gay eleito no Rio de Janeiro) bem como de membros LGBT da plateia pró-impeachment que acompanhava a sessão.


Esse último episódio, entretanto, vai muito além de mera homofobia. Bolsonaro, um político eleito, está usando o Twitter, e, de modo indireto, o Instagram, para disseminar para centenas de milhares, se não milhões de pessoas, uma fraude comprovada cujo único propósito é incitar ódio conta LGBTs – num país em que a violência conta LGBTs é uma epidemia e vem sendo incentivada diariamente por esse movimento proto-facista que vem crescendo.

Com o assassinato de Marielle Franco – uma mulher negra, feminista, LGBT, ativista e Vereadora pelo Rio de Janeiro – ainda sem resposta passados 4 meses do seu homicídio covarde, jogar lenha nessa fogueira é mais perigoso do que pode ser descrito em palavras. Que seja necessário recorrer a materiais falsos para alimentar esse fogo demonstra o quão desacreditado e primitivo é esse ódio, mas isso não o torna menos perigoso.

Independente da opinião que se tenha sobre as regras do Twitter, é difícil de compreender o sentido de se estabelecer regras se o Twitter permite que os usuários mais influentes violem suas regras tão descaradamente.

 


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