Poder
Publicado em 20/07/2018 12:00 -
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Um dos três filhos de Jair Bolsonaro a ocupar um cargo eletivo, Carlos, vereador pelo Partido Social Cristão (PSC) no Rio de Janeiro, usou o twitter na noite do último dia 13 para postar um cartaz falsificado e afirmar que grupos LGBT estariam agora defendendo a pedofilia. O pôster alardeado por Bolsonaro é uma fraude antiga que há muito tempo percorre a internet, e que já foi repetidamente exposto como falso por sites de verificação.
Em menos de 24 horas, o post falso de Bolsonaro já havia sido retweetado por 500 pessoas e curtido por mais 1200. Bolsonaro não só se recusa a deletar os tweets como também postou diversos tweets em sequência reafirmando sua alegação de que homens gays em particular seriam pedófilos.
lgbt-P..:: as letrinhas vão se revelando! “P” de pedosexual que significa adulto que faz sexo com crianças. pic.twitter.com/QwctC1oRWZ
— Carlos Bolsonaro (@CarlosBolsonaro) 13 de julho de 2018
É incontestável que o material postado por Bolsonaro seja fictício. O pôster – alegando que LGBTs estariam adicionando “P” à sigla para defender “pedofilia” – é uma fraude de internet antiga já desmascarada exaustivamente por diversos sites de verificação, entre eles o reputado Snopes.
No começo desse ano, o site Snopes apurou as origens do mesmo material que Bolsonaro postou, e o resultado foi a pior avaliação possível: “FALSO”. “Esse não é um panfleto verdadeiro de um grupo LGBT, e não existe nenhum grupo LGBT que tolere a pedofilia, e muito menos algum que tenha anunciado que a letra “P” seria adicionada à sigla como forma de demostrar apoio à pedofilia”, concluiu o website.
Conforme determinado pelos investigadores do Snopes, o panfleto falso surgiu em fóruns alt-right no website 4chan, notório por ser a origem de diversas fraudes que circulam on-line.
Snopes localizou o post original em que usuários conversaram sobre a melhor forma de fazer com o que o pôster falso fosse o mais verossímil possível de modo a convencer as pessoas que grupos LGBT estariam incorporando a defesa da pedofilia à sua identidade e reivindicações.
Essa discussão – de como melhor espalhar o material que Bolsonaro acabaria postando – ainda está acessível no 4chan. Nela, homens gays são chamados de “bichas” e associados a “vermes”, e os usuários discutem as vantagens de convencer a população a ver os gays como pedófilos.
O post fictício foi copiado pelo vereador de uma conta no Instagram chamada “OpiniaoConservadora”, que tem mais de 45.000 seguidores e se descreve como “Um católico que defende a igreja” e “um conservador que defende valores”. Esse perfil postou o falso cartaz “LGBTP” nesta sexta feira, acompanhado da frase “E as letrinhas do inferno vão sendo acrescentadas…” Bolsonaro então copiou a imagem e a postou para seus 286,000 seguidores.
Diversos usuários do Twitter, respondendo a Bolsonaro, postaram a página do Snopes desmascarando o material e indicaram ter denunciado o tweet falso do vereador ao Twitter. Postar um panfleto falso projetado explicitamente para incitar o ódio contra a população LGBT é sem nenhuma dúvida uma violação das regras do Twitter:
“Conduta de propagação de ódio: também não é permitido promover violência, ameaçar ou assediar outras pessoas com base em raça, etnia, nacionalidade, orientação sexual, sexo, identidade de gênero, religião, idade, deficiência ou doença grave… [conduta de propagação de ódio inclui] “comportamento que incite medo sobre um grupo protegido.”
Até agora, o Twitter não só não suspendeu o perfil de Bolsonaro como permitiu que o post permanecesse no ar. Nesse meio tempo, Bolsonaro, respondendo às críticas de que teria postado material falso, reforçou a sua crença na associação falsa e refutada entre homens gays e pedofilia: primeiro, com um post do seu pai fazendo a mesma associação, e depois com fotografias supostamente retratando homens gays defendendo a pedofilia.
O ódio ostensivo aos LGBTs se tornou um eixo central da cada vez mais poderosa família Bolsonaro e dos setores retrógrados do movimento evangélico brasileiro (que não representa de forma alguma todos os evangélicos brasileiros, muitos dos quais são progressistas ou contrários a Bolsonaro por outras razões). A atriz abertamente LGBT Ellen Page confrontou Bolsonaro numa entrevista em 2016 para seu programa de TV Viceland.
No final do ano passado, Bolsonaro usou uma tradução literal para o inglês da expressão “queimar a rosca” num tweet direcionado a mim depois que eu caracterizei sua ideologia como fascista.
"Do you burn the donut?" I don't care! Be happy! Hugs for you! https://t.co/MjOCxvK94n
— Jair Bolsonaro (@jairbolsonaro) 4 de setembro de 2017
Numa entrevista com o Intercept sobre uma controvérsia de 2014 em que ele disse que uma colega congressista, socialista, “não merecia ser estuprada [por ele]”, Bolsonaro defendeu sua oposição à adoção por casais do mesmo sexo da seguinte forma: “se você quer tanto um bebê, porque não aluga a barriga de alguma mulher?”. Ele acrescentou: “não se preocupe, em breve os gays vão poder fazer transplante de útero e aí você vai poder ter um bebê”.
Essa semana, um aliado de Bolsonaro na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, o político evangélico de direita Otoni de Paula – em um debate sobre o possível impeachment do prefeito Marcelo Crivella – fez repetidamente uma “dancinha gay” para debochar de meu marido David Miranda (o primeiro e único vereador abertamente gay eleito no Rio de Janeiro) bem como de membros LGBT da plateia pró-impeachment que acompanhava a sessão.
The Mayor of Rio de Janeiro, elected in 2016, is an evangelical pastor. He promised not to mix religion with politics. Last week, he got caught secretly promising pastors priority for cataract surgery & other procedures. Impeachment petition was just filed https://t.co/xSLSnUQXwr
— Glenn Greenwald (@ggreenwald) 9 de julho de 2018
A day later, I still can't believe an elected official in Brazil, "evangelical pastor" @OtoniVereadorRJ, did this to @davidmirandario, the 1st openly LGBT member of Rio City Council in 450 years. No matter ideology, how do you tolerate this? How does this not humiliate the Right? pic.twitter.com/3fv5MA3Zda
— Glenn Greenwald (@ggreenwald) 13 de julho de 2018
Esse último episódio, entretanto, vai muito além de mera homofobia. Bolsonaro, um político eleito, está usando o Twitter, e, de modo indireto, o Instagram, para disseminar para centenas de milhares, se não milhões de pessoas, uma fraude comprovada cujo único propósito é incitar ódio conta LGBTs – num país em que a violência conta LGBTs é uma epidemia e vem sendo incentivada diariamente por esse movimento proto-facista que vem crescendo.
Com o assassinato de Marielle Franco – uma mulher negra, feminista, LGBT, ativista e Vereadora pelo Rio de Janeiro – ainda sem resposta passados 4 meses do seu homicídio covarde, jogar lenha nessa fogueira é mais perigoso do que pode ser descrito em palavras. Que seja necessário recorrer a materiais falsos para alimentar esse fogo demonstra o quão desacreditado e primitivo é esse ódio, mas isso não o torna menos perigoso.
Independente da opinião que se tenha sobre as regras do Twitter, é difícil de compreender o sentido de se estabelecer regras se o Twitter permite que os usuários mais influentes violem suas regras tão descaradamente.
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