29/03/2024 - Edição 540

Brasil

Comissão externa critica silêncio de autoridades sobre assassinato de Marielle

Publicado em 19/07/2018 12:00 -

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Integrantes da comissão feita pela Câmara dos Deputados para acompanhar as investigações do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes questionam a demora no avanço dos trabalhos. Nesta sexta-feira (20) são 127 dias desde os crimes, em 14 de março de 2018.

Segundo os parlamentares, as autoridades responsáveis se comprometeram em dar respostas rápidas, tanto para solução do crime quanto para proteção de outros defensores dos direitos humanos. Além disso, manteriam o grupo informado do passo a passo sobre quem matou e quem mandou matar Marielle e Anderson. Eles apontam que isso não aconteceu.

“Em um período que já é de 120 dias, cabe a essa comissão fazer uma cobrança formal e contundente, inclusive à própria Presidência da República e ao governo do estado do Rio de Janeiro, porque precisamos que as informações sejam compartilhadas de maneira adequada”, criticou o deputado Glauber Braga (Psol), relator da comissão.

A comissão sustenta que os responsáveis pela intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, comandada pelo general Braga Netto, a Polícia Civil, a Polícia Federal, o ministro da segurança pública, Raul Jungmann, e o presidente, Michel Temer, não deram respostas quanto às investigações.

Segundo o publicado na imprensa nestes quatro meses, os assassinos perseguiram o carro no qual a vereadora estava com o motorista e uma assessora. Eles teriam usado uma submetralhadora 9mm em um local sem câmeras de vídeo ativas no ataque, o que investigadores apontam como tática usada por pessoas experientes. Há a suspeita de participação de dois PMs nas execuções, cuja reconstituição aconteceu no dia 11 de maio.

Os deputados criticam também o MP (Ministério Público), órgão que, de acordo com eles, não faz o papel de pressionar os responsáveis pelas investigações. Para isso, o grupo acionou entidades internacionais de direitos humanos para criar um observatório que cobre respostas das autoridades.

“Nós fizemos uma articulação com instituições internacionais, elas estão preocupadas com ao andamento das investigações e elas estão pressionando na medida do possível e se colocaram à disposição para fazer um observatório internacional sobre essas investigações”, explicou o deputado Jean Wyllys (Psol), citando contato com a HRW (Human Rights Watch) e a Anistia Internacional.

“Uma das idéias foi de que a comissão, no âmbito das suas prerrogativas pressionasse o Ministério Público estadual. Porque é prerrogativa do Ministério Público pressionar os investigadores e, na visão da instituição Human Rights Watch, o Ministério está confortável na posição de que não presta contas a sociedade”, seguiu Wyllys.

Procurada, a Human Rights declarou que este observatório não está formalmente criado. “Estamos acompanhando independentemente as notícias e interagindo com outras entidades, como a Anistia e a própria Comissão Parlamentar, para acompanhamento [da investigação]. Logicamente estamos preocupadíssimos com o não desenrolar das investigações”, explicou à Ponte a diretora do escritório brasileiro da HRW, Maria Laura Canineu.

Dor

O mês de julho costumava ser de festa na casa de Antônio Francisco da Silva e Marinete da Silva, pais da vereadora Marielle Franco.

Antônio e Marinete celebravam o aniversário da filha no dia 27 com almoços em família. Pela primeira vez sem Marielle, eles pretendem fazer o mesmo neste ano, quando a filha completaria 39 anos.

"A irmã dela quer fazer homenagens, porque era uma data em que sempre nos reuníamos para comemorar a vida", conta o pai de Marielle, que não pretende usar a data para tratar do assassinato ou das investigações. "Trinta e nove anos depois, será uma reunião que vamos fazer para lembrar a Marielle em vida."

Antônio lembra que, no ano passado, eles almoçaram juntos antes que a vereadora (Psol) fizesse uma festa com amigos na Pedra do Sal, local que é um dos marcos da história negra no Rio de Janeiro e que abriga um tradicional samba às segundas-feiras.

"Ela gostava que as pessoas participassem da alegria dela. Se vocês repararem, a grande maioria das fotos da minha filha era sorrindo", lembra Antônio, que diz ter sentido muito a falta da filha durante os jogos do Brasil na Copa do Mundo na Rússia. "Sempre nos reuníamos, fazíamos churrasco, e assistíamos ao jogo do Brasil. Este ano eu assisti aos jogos, mas não dei importância à Copa do Mundo como dava quatro anos atrás."

A mãe, Marinete, diz que é preciso lembrar de Marielle no dia de seu aniversário e que continuará com a pressão para que venha à tona a verdade sobre o assassinato da vereadora e do motorista. "Nem que eu vá sozinha para a rua, eu vou lutar pela vida de minha filha. Não tem como eu ficar calada diante de uma situação como essa."

Marinete desabafa que "precisa acreditar" que a Polícia Civil chegará aos culpados pelo crime e lamenta a crueldade dos atiradores que seguiram Marielle e atiraram diversas vezes contra sua cabeça. "Ela não foi morta por uma bala perdida, nem em um acidente. Ela foi morta em uma emboscada", afirma. "Essa dor é impossível de cicatrizar."

Os pais de Marielle estiveram na sede da Anistia Internacional no Brasil para chamar a atenção da sociedade para os quatro meses do crime, que permanece sem solução. Conduzidas pela Polícia Civil, as investigações estão sob sigilo. A coordenadora de Pesquisa da Anistia, Renata Neder, destaca que defensores dos direitos humanos como Marielle enfrentam uma dura realidade no Brasil.

"O Brasil é um país de alto risco para defensores de direitos humanos, dezenas são assassinados a cada ano", afirma Renata. "Sabendo que, no Brasil, em geral, não se investiga homicídios de defensores de direitos humanos, e que no Rio de Janeiro, a Polícia Civil em geral não investiga os homicídios que têm participação de agentes do Estado, o risco de que o caso da Marielle não seja corretamente solucionando existe, e é alto. E é por isso que a Anistia Internacional tem se mobilizado."


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