19/04/2024 - Edição 540

Brasil

No Brasil, Malala defende que a educação é o melhor investimento

Publicado em 13/07/2018 12:00 -

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A ativista paquistanesa Malala Yousafzai, em visita ao Brasil na semana passada, defendeu a educação a longo prazo como melhor investimento, em especial para o desenvolvimento feminino. “O empoderamento das meninas vem da educação, tem a ver com emancipação”, disse. Ela participou de evento promovido pelo Itaú Unibanco, no Auditório Ibirapuera.

Malala é a pessoa mais jovem a receber um Prêmio Nobel da Paz, aos 17 anos de idade. Com 15 anos, ela foi baleada pelo Talibã por se manifestar contra a proibição da educação para mulheres. A paquistanesa lembra que, quando era uma aluna em seu país, outras colegas de sua classe também defendiam a educação feminina. “A diferença é que os meus pais nunca me impediram de falar o que eu pensava”, disse.

A ativista lembrou uma situação em que uma colega da escola chegou atrasada para aula. A garota tinha de esperar os pais saírem de casa e, assim, sair para estudar escondida. “O papel dos pais e das mães é fundamental no empoderamento feminino”, disse. “É importante que as mulheres se expressem, as mulheres têm que quebrar essas barreiras”, completou.

Viagem ao Brasil

A ativista disse que um dos seus objetivos no Brasil é “achar meios para que as 1,5 milhão de meninas [fora da escola] tenham acesso à educação”. Outra razão que levou Malala a viajar para o Brasil foi a força dos ativistas locais descobertos por ela. A ativista quer promover a educação entre as comunidades menos favorecidas do Brasil, especialmente as afro-brasileiras.

“Trabalhando junto com os defensores da educação e podendo dar a todas as pessoas, que vem das camadas menos privilegiadas, a esperança de que todos em volta se sintam seguras em receber educação de alta qualidade”, disse. Malala afirmou ainda que vai anunciar, em breve, um projeto do Fundo Malala para que a educação seja abordada pelas campanhas eleitorais.

Participou também do debate sobre o assunto, a ativista Tábata Amaral, de 24 anos, nascida na periferia de São Paulo, que representou o Brasil em competições internacionais de ciências e estuda astrofísica em Harvard. Tábata questionou sobre a possibilidade da união entre os ativistas internacionais. Em resposta, Malala disse acreditar na solução nascida entre os líderes comunitários. “Temos que ir às comunidades de base e trabalhar com os ativistas locais, que entendem os problemas e sabem a melhor maneira de resolvê-los”, disse.

Leitura

Outra participante foi a escritora mineira Conceição Evaristo, doutora em literatura comparada e vencedora do Prêmio Jabuti na categoria contos pela obra Olhos d'Água (2014). Conceição destacou o poder da leitura e da escrita incentivados por Malala, já que a adolescente partilhou a sua história e luta em seu livro.

“As pessoas que não têm acesso [à leitura], não têm uma cidadania incompleta. Que a sua presença fortifique essa ideia e o compromisso que o estado brasileiro precisa ter com a alfabetização”, disse a escritora. “A escrita amplia o seu papel, porque, enquanto leitor, você pode abarcar o mundo através da leitura. Mas quando você escreve, tem esse poder de intervenção no mundo”, acrescentou.

Em resposta ao tema, Malala lembrou da história da própria mãe, que parou de estudar aos seis anos. “Como filha, estou lendo para a minha mãe, é uma experiência maravilhosa”, disse. Segundo a paquistanesa, a sua mãe está estudando novamente, e este é seu grande estímulo para continuar na buscar pela educação das mulheres.

Apoio

Malala anunciou três brasileiras que passam a integrar a Rede Gulmakai, uma iniciativa do Fundo Malala que apoia ativistas da área da educação de meninas e mulheres em vários países.

As escolhidas são ligadas às organizações não governamentais Ação Educativa (Denise Carreira), Movimento Infanto-juvenil de Reivindicação (Sylvia Siqueira Campos) e Associação Nacional de Ação Indigenista (Ana Paula Ferreira de Lima).

“A Malala é um símbolo contra a intolerância, contra os fundamentalismos. Esse momento que nosso país atravessa, em que a intolerância cresceu muito, com a ação de grupos ultraconservadores no país e especialmente nas escolas, esse reconhecimento constitui uma conquista política. Uma conquista principalmente política de ter uma pessoa como Malala apoiando uma agenda que está sendo tão atacada no Brasil, que é uma agenda da igualdade de gênero na educação”, avaliou Denise Carreira, uma das contempladas pelo Fundo Malala.

Ação educativa

Ativista de direitos humanos, Denise Carreira é coordenadora da organização Ação Educativa – fundada em 1994 – e da campanha Direitos Valem Mais, uma mobilização nacional pela revogação da Emenda Constitucional 95/2016 (conhecida como emenda do teto dos gastos públicos,). Segundo ela, a emenda cortou os recursos da educação pública e de outras políticas sociais, inviabilizando o Plano Nacional de Educação e fazendo com que o país voltasse ao Mapa da Fome da FAO.

Com o apoio do Fundo Malala, Denise pretende expandir seu trabalho sobre a igualdade de gênero na educação, especialmente contra a perseguição promovida por grupos ultraconservadores a professoras, estudantes e gestores educacionais que abordam as questões da igualdade de gênero nas escolas. “Tem uma outra linha que é o fortalecimento de coletivos juvenis em escolas que atuam pelos direitos das meninas e mulheres, coletivos que trabalham com a luta antirracista e também na defesa de direitos LGBT”, acrescentou.

Mirim

Outra ativista contemplada é Sylvia Siqueira Campos, presidente do Movimento Infanto-juvenil de Reivindicação (Mirim), com sede no Recife (PE). O movimento, criado em 1990, tem como objetivo lutar pelos direitos fundamentais de crianças, adolescentes e jovens, combatendo a discriminação de raça, gênero, origem, condições de vida, credo religioso e ideologia política.

“Quando nos envolvemos em algo por amor e por consciência, esperando nada em troca, a vida é muito dura, mas a luta vale a pena, inclusive por prêmios desse tipo [apoio do Fundo Malala], que vão tornando o caminho mais fácil e mais esperançoso. O apoio vem, sobretudo, para desenvolvermos uma estratégia que tem três anos de duração, inicialmente, para podermos influenciar a política pública de educação no estado de Pernambuco”, disse Sylvia.

“Precisamos enxergar a educação como, de fato, um bem comum que qualquer pessoa, seja o filho de um presidente da Infraero ao filho do gari, possa sentar e estudar na banca lado a lado. Se a gente de fato quiser promover uma educação pública de qualidade, temos que olhar nesse sentido e não fazer uma escola que vai ser de referência, mas na verdade para pouquíssimas pessoas terem acesso”, acrescentou.

Segundo Sylvia, o foco do projeto desenvolvido com o apoio do Fundo Malala será em estudantes negras, periféricas, quilombolas e indígenas. “Esse projeto tem atividades de formação junto com meninas, tem atividades de mobilização de territórios, trazer comunidade, familiares, tem uma estratégia de diálogo com a mídia e tem ações de advocacy [ações para influenciar a formulação de políticas e a destinação de recursos públicos] no Poder Legislativo e no Poder Executivo para incidência na política pública de educação”.

Anaí

A terceira a receber apoio do Fundo Malala é Ana Paula Ferreira de Lima, uma das coordenadoras da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí), com sede em Salvador (BA). Criada em 1979, a associação tem o objetivo de promover e respeitar a autonomia cultural, política e econômica e o direito à autodeterminação dos povos indígenas.

Ela já foi professora e atua para elevar o número de meninas indígenas que terminam os estudos no estado da Bahia. A entidade divulgou que, hoje, a Anaí recebeu Malala Yousafzai. “O Fundo Malala, organização que ela representa, irá apoiar um projeto em parceria com a Anaí. Iremos trabalhar com garotas indígenas entre 14 e 17 anos. O foco do projeto é a educação, símbolo da luta de Malala no mundo”, divulgou a associação.


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