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Como o episódio da caverna afetará os garotos presos na Tailândia

Publicado em 11/07/2018 12:00 -

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Quando 12 jovens jogadores de futebol e seu técnico entraram na caverna Tham Luang Nang Non, na Tailândia, a ideia era se divertir um pouco depois do treino. Mas quando uma enchente de água começou a entrar no local após uma forte chuva, o grupo ficou preso em uma pequena plataforma de pedra dentro de um dos túneis da vasta caverna.

Nove dias depois, dois mergulhadores britânicos, John Volanthen e Richard Staton, localizaram o grupo vivo e aparentamente em boas condições físicas e mentais. Mas como as pessoas lidam como eventos que podem ser letais? E qual é a importância de focar no impacto psicológico do episódio tanto quanto no fisiológico?

Quando os meninos descobriram que a situação era de vida ou morte, seus corpos sofreram várias reações fisiológicas relacionadas ao instinto de sobrevivência, como o coração acelerando, por exemplo. 

Essas mudanças neuroquímicas podem afetar nossos cérebros e impactar nossa saúde mental. Durante os primeiros estágios de uma situação de emergência, nossos cérebros podem ter dificuldades, afetando nossas memórias e habilidades de tomar boas decisões. Felizmente, quando a água da enchente entrou na caverna, os jogadores e o técnico conseguiram ficar em uma superfície. Eles foram capazes de controlar suas sensações de pânico, tomando a decisão racional de encontrar um lugar seguro e esperar. 

Quando o perigo imediato diminuiu, outras necessidades de sobrevivência entraram em foco. Todos sabem que o corpo humano tem necessidades físicas básicas: comida, água e calor. As pessoas tendem a esquecer que as funções cerebrais também são sensíveis a esses fatores ambientais. Quando exposto a desidratação, fome ou falta de sono, o cérebro humano não consegue operar dentro dos parâmetros normais. 

Nessas condições as pessoas podem tomar decisões erradas que as colocam em risco. Os jogadores pareceram conseguir se manter hidratados, apesar de estarem com fome quando foram encontrados, pareciam inactos, alertas e fazendo perguntas apropriadas. De novo, isso mostra que os meninos e o técnico conseguiram se manter fisicamente e psicologicamente saudáveis durante os nove longos dias que passaram esperando no escuro. 

Em uma situação de sobrevivência, sua saúde mental é tão importante quanto a sua saúde física. Manter uma atitude positiva é crucial: pessoas que se mantém otimistas têm mais chances de sentir que as adversidades podem ser controladas e de tentar sobreviver. O pensamento pessimista aumenta as sensações de ansiedade e desolamento, que podem impedir as pessoas de tentarem melhorar sua situação. 

Em casos extremos, as pessoas podem desistir mentalmente, se retrair nelas mesmas e até morrer. Esse efeito é conhecido como morte psicogênica. Tendo em vista as primeiras gravações, os jogadores parecem ter se mantido positivos e à espera do resgate. Eles podem ser vistos rindo e fazendo brincadeiras com os mergulhadores — um sinal bem promissor. 

Outra forma de manter a saúde mental fortalecida é se apegar a qualquer suporte emocional disponível na situação. Isso pode ser feito com um amigo ou membro da família: qualquer pessoa que te acolha em momentos de dificuldade. Esse tipo de apoio pode funcionar como um carregador e, quando estamos em perigo, porém bem acompanhados, vemos a situação como menos perigosa do que se estivéssemos sozinhos. O fato de os jogadores tailandeses conseguirem estar próximos uns dos outros pode ter estimulado suas saúdes mentais. 

Atualmente os jogadores parecem estar com atitudes otimistas, então o próximo desafio é retirá-los da caverna em segurança. Duas das principais opções seriam: os ensinar a nadar e usar o equipamento de mergulho, para que possam sair da caverna da mesma forma que a equipe de resgate entrou nela. A segunda seria os deixar na caverna durante a estação de chuva, o que poderia durar entre quatro e cinco meses. 

Isso é possível e sabemos que as pessoas frequentemente vivem e se adaptam a ambientes extremos. Marinheiros em submarinos ou barcos podem passar longos períodos vivendo em condições extremas, contanto que suas necessidades básicas sejam supridas e se ajustem psicologicamente a suas condições de vida. Em 2010, inclusive, um grupo de 33 mineiros chilenos sobreviveram por 69 dias antes de serem resgatados. 

Quando os 12 garotos e seu técnico forem resgatados, eles precisarão de readaptar a suas vidas cotidianas, e há quem se preocupe com a possibilidade de eles sofrerem problemas de saúde mental como resultado dessa experiência. Até hoje alguns dos mineiros do Chile têm dificuldades em manter empregos e lidam com flashbacks de quando estavam presos. 

Esperamos que os meninos não fiquem presos por tanto tempo. E, apesar de ser possível que sofram os efeitos a curto prazo, provavelmente conseguirão se recuperar, ainda mais com o apoio da família e dos amigos. Em alguns casos, há quem consiga tirar coisas boas de um evento traumático. De qualquer forma, eles devem ser monitorados após o resgate e se depois de um período de observação os psicólogos ainda estiverem preocupados, apoio psicológico deve ser oferecido.

*Sarita Robinson é professora de psicologia da Universidade Central de Lancashire, no Reino Unido. O texto foi publicado originalmente em inglês no The Conversation.


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