19/04/2024 - Edição 540

Poder

Temer ainda é alvo de 30 pedidos de impeachment

Publicado em 06/07/2018 12:00 -

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Não é mais novidade que o presidente Michel Temer (MDB) é recordista em rejeição popular, com aprovação de apenas 4% dos entrevistados na mais recente pesquisa Ibope. Mas pouco se fala sobre a quantidade de pedidos de impeachment ativos na Câmara contra o emedebista. São 30 os protocolos ativos, sob análise do Núcleo de Assessoramento Jurídico (Najur) da Casa, quatro dos quais já arquivados.

O curioso é que Temer realizou uma proeza entre presidentes que foram alvos de pedidos de impeachment, como Dilma Rousseff (PT), Lula (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), para citar apenas os três mais recentes. Ao contrário de todos os antecessores, o emedebista teve quatro processos de afastamento sugeridos entre dezembro de 2015 e abril de 2016, quando era vice-presidente. Três deles já foram arquivados e um está sub judice, com mandado de segurança ajuizado no Supremo Tribunal Federal (STF).

Apresentado em 21 de dezembro de 2015 por Mariel Márley Marra, advogado de 37 anos, o pedido de impeachment ainda ativo contra o então vice-presidente da República aponta a prática de crime de responsabilidade em razão de “decretos publicados para abertura de créditos suplementares” – o mesmo que resultou na cassação de Dilma. Os demais pedidos nesse sentido foram apresentados em 9 de dezembro de 2015 e 21 de março de 2016, ambos pelo deputado Cabo Daciolo (Patriotas-RJ), e em 1º de abril de 2016, este pelo ex-ministro da Educação e ex-governador do Ceará Cid Gomes, irmão do pré-candidato à Presidência da República Ciro Gomes (PDT). Esses são os três pedidos foram arquivados.

Dilma foi alvo de mais de 60 pedidos de impeachment em cerca de cinco anos e meio de mandato, algo como 12 por ano. Com pouco mais de dois anos de gestão e 34 requerimentos contra si, Temer supera a antecessora em termos proporcionais, com mais de 17 pedidos de impeachment a cada ano de governo.

Gaveta de Maia

Mas o que chama a atenção é a pendência em torno dos 29 pedidos ativos contra Temer já como presidente – um deles, apresentado em 14 de fevereiro de 2017, foi arquivado seis dias depois. Os 30 protocolos foram feitos entre 28 de novembro de 2016 e 19 de junho deste ano. Parlamentares, partidos, entidades da sociedade civil organizada e mesmo cidadãos comuns assinam os pedidos – apenas o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) e o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) formularam dois requerimentos cada.

Responsável pela decisão sobre o andamento das demandas, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aliado de Temer, simplesmente se recusa a dar andamento a qualquer dos pedidos. E, a seis meses do fim do mandato do emedebista, ele não dá sinais de que algum deles vai entrar em tramitação.

Quando questionado, Maia diz que o assunto não é prioridade na Câmara e dá respostas como a que é preciso ter “paciência” em relação ao tema. Ou ainda que as duas denúncias apresentadas contra Temer pela Procuradoria Geral da República (PGR) no ano passado, ambas barradas pela Câmara enquanto o emedebista for presidente, já bastaram para resolver a questão – ou seja, o fato de que a base de sustentação no Congresso é suficiente para a manutenção de um governo cada vez mais impopular e enfraquecido.

Acontece que há outras razões apontadas nos diversos pedidos de impeachment contra Temer estranhas às duas denúncias da PGR, que versam sobre corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa. Grande parte dos protocolos ativos na Câmara se refere a questões referentes ao crime de responsabilidade, com foco no uso do orçamento público – ou seja, acusações sem relação com as implicações criminais em curso contra o presidente. Além das denúncias congeladas por deputados, ele é alvo de dois inquéritos no STF e pode ser atingido por uma terceira denúncia da Procuradoria ainda em 2018.

Diante da postura do deputado, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e parlamentares da oposição recorreram ao STF com o intuito de obrigá-lo a dar andamento aos pedidos. Mas, em 23 de agosto de 2017, o ministro Alexandre de Moraes, indicado ao Supremo pelo próprio Temer, negou a demanda e alegou se tratar de assunto interna corporis, não cabendo ao Judiciário intervir na situação na Câmara, sob pena de contrariar o princípio da separação dos Poderes.

Fator Calero

O primeiro pedido de impeachment protocolado contra Temer já presidente foi apresentado em 28 de novembro de 2016 pelo então presidente nacional do Psol, Luiz Araújo, hoje professor da Universidade de Brasília e doutor em Educação. Ainda “em andamento”, segundo documentação da Secretaria-Geral da Mesa (SGM) da Câmara, a denúncia remete ao caso em que o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero faz graves acusações contra o também ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB), preso e também denunciado pela PGR, e o próprio Temer.

Um dos principais aliados de Temer, Geddel foi acusado por Calero de, com a conivência de Temer, pressioná-lo para intervir no Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) para liberar a obra de um luxuoso edifício sob o argumento de que ele é proprietário de uma das unidades. Como este site mostrou em novembro de 2016, o apartamento-pivô de uma das primeiras grandes crises do governo Temer custava à época entre R$ 2,6 milhões e R$ 4,7 milhões, segundo corretores de Salvador (BA), onde a obra estava embargada.

“Tais fatos, relativos a um processo administrativo de autorização para construção de um empreendimento imobiliário, motivaram o pedido de exoneração do ministro da Secretaria de Governo. Marcelo Calero alegou que recebeu telefonema, em meados de junho de 2016, do então ministro Geddel […], solicitando que se fizesse contato com o atual presidente do Iphan, Kátia Borgéa, a fim de que ela recebesse os advogados da parte interessada na construção do empreendimento”, diz o resumo do pedido de impeachment. Esse motivo consta de outros dois pedidos protocolados na SGM, um em 29 de novembro e outro em 8 de dezembro de 2016.

O pedido seguinte – o único arquivado por Maia até agora – foi apresentado em 14 de fevereiro de 2017 e não apresentou fundamentação jurídica que justificasse seu deferimento. Formulada pelo Movimento Estudantil Nova Mobilização, entidade sediada no Distrito Federal, a denúncia diz que Temer, os 11 ministros do STF, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, governadores, prefeitos e outras autoridades e instituições, entre elas a OAB, “desonram o Código de Ética da Magistratura e o juramento de defenderem os princípios, garantias, direitos e deveres fundamentais da sociedade”. Para o grupo, todos eles cometeram “crimes de responsabilidade, atentado contra a Constituição, e lesa-humanidade diária”.

Maia alegou que a acusação é genérica e contém inadequações formais, como o não reconhecimento de firma do autor, como exige a lei, e a ausência de atestado a respeito da chamada “condição cidadão” dos signatários. O pedido foi negado por Maia após seis dias, depois de análise prévia de analistas do Najur.

Bomba JBS

Mas a principal acusação contra Temer é também a que envolve fatos mais graves. Trata-se da divulgação, pelo site do jornal O Globo, da informação de que Temer deu aval à compra do silêncio do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso e condenado a 15 anos e quatro meses de prisão na Operação Lava Jato. A notícia foi lançada como uma bomba sobre o governo Temer e quase derrubou o presidente depois que foram levados a público, em 17 de maio de 2017, os áudios da conversa clandestina em que Joesley Batista, delator de crimes e dono da JBS, e Temer travam no Palácio do Jaburu, residência oficial da Vice-Presidência da República.

O deputado Alessandro Molon foi o primeiro parlamentar a protocolar pedido de impeachment contra Temer. Molon o fez tão logo foi divulgado o diálogo e, pouco depois, juntou-se a manifestantes que pediam naquela quarta-feira (17/fev) a renúncia do peemedebista em frente ao Palácio do Planalto. Em vídeo feito pela reportagem, o parlamentar resumiu em uma frase o tamanho do estrago político produzido pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da JBS-Friboi e delatores do petrolão, que também que gravaram o senador Aécio Neves (PSDB-MG) pedindo R$ 2 milhões ao grupo. “O governo acabou.”

Em um de seus pedidos, Molon faz menção ao deputado suplente Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), um dos auxiliares diretos de Temer e réu por corrupção passiva. Em imagens que correram o Brasil e o mundo, em junho de 2017 Loures foi flagrado em uma ação coordenada da Polícia Federal com o Ministério Público Federal (MPF) ao receber uma mala com R$ 500 mil, em espécie, na Operação Patmos, desdobramento da Lava Jato. Era parte de propina milionária da JBS destinada aos emedebistas, segundo a investigação, Depois do episódio, Loures passou a ser chamado de “o deputado da mala” e complicou ainda mais a situação do presidente.

Como o deputado veria depois, o governo não acabou. Mesmo com o reforço de outros 25 pedidos de impeachment com teor semelhante àquele feito por Molon. Entre os signatários, além de Molon e do senador Randolfe, estão deputados como JHC (PSB-AL), João Gualberto Vasconcelos (PSDB-BA) e Diego Garcia (Podemos-PR); o presidente da OAB nacional, Claudio Lamachia; o presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores em Energia, Água e Meio Ambiente (Fenatema), Eduardo de Vasconcellos; e o presidente da Federação Nacional dos Servidores do Judiciário nos Estados (Fenajud), Luiz Fernando Souza.

No forno

Em 2018, mais quatro pedidos de impeachment de Temer foram protocolados na SGM da Câmara. O primeiro deles foi apresentado em 6 de março pelo cidadão identificado como José Feliciano Coelho, que acusa o emedebista de ter cometido crime de responsabilidade por ocasião da abertura de créditos suplementares por decreto presidencial, “sem autorização do Congresso Nacional”, e por “contratação ilegal de operações de crédito” – as chamadas “pedaladas fiscais” que alvejaram Dilma.

Em 18 de abril, o senador Randolfe denunciou Temer “por suposto recebimento de recursos para custear reforma na casa da senhora Maristela Temer (filha de Michel Temer) por meio da Argeplan – Arquitetura e Engenharia LTDA”. Constante do inquérito em que o presidente é acusado de integrar esquema de corrupção por meio da edição do Decreto dos Portos, a frente de investigação descobriu que a Argeplan – empresa do coronel João Baptista Lima Filho, amigo de longa data de Temer – realizou pagamentos da ordem de R$ 950 mil em dinheiro vivo a um dos fornecedores da obra na casa de Maristela. O dinheiro teria sido pago diretamente na sede da empresa do coronel. A Polícia Federal investiga se Temer lavou dinheiro de propina com a reforma na casa da filha e em outros imóveis da família.

Já os cidadãos Adriano Leal dos Santos e, novamente, José Feliciano Coelho, protocolaram pedidos de impeachment do presidente em 1º e 19 de junho, respectivamente. Crime de responsabilidade, improbidade administrativa e “outros motivos” foram apontados pelos acusadores.

Na condição de interino em uma das ausências de Dilma, Temer assinou quatro decretos de suplementação orçamentária, entre maio e julho de 2015, com o objetivo de autorizar gastos extras. Na ocasião, o governo já havia descumprido a obrigação de economizar para pagar juros da dívida pública, em afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – procedimento que, para defensores do governo Dilma, não constituíram motivo suficiente para cassação do mandato presidencial.

Rito

Na hipótese de atendimento às exigências formais, um processo de impeachment requerido no Congresso tem início na Câmara, onde consultores analisam sua admissibilidade jurídica. Em caso de conformidade, a demanda é submetida ao presidente da Casa, que passa a analisar o pedido com base no artigo 218 do Regimento Interno da Câmara (Capítulo VII).

Concluído o exame do presidente da Câmara, o regimento prevê, entre outros detalhes, formação de comissão especial, votação nominal em plenário e possibilidade de recurso por parte de deputados, com prazo de dez dias para que o denunciado se defenda. Depois da tramitação na Câmara, que precisa de dois terços dos votos dos 513 deputados para dar prosseguimento ao processo, a matéria é levada ao julgamento no Senado, em sessão a ser presidida pelo presidente do STF.

O mandatário pode cometer crime de responsabilidade se um de seus atos atentarem contra: a existência da União; o livre exercício do poder Legislativo, do poder Judiciário e dos poderes constitucionais estaduais; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna do país; a probidade na administração; a lei orçamentária; a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos, e o cumprimento das decisões judiciárias.

Alguns pedidos de impeachment são levados ao lugar errado. De acordo com a legislação, apenas os crimes de responsabilidade devem ser denunciados ao Congresso. Atos da Presidência da República, ocasionalmente, são confundidos com os casos definidos acima, mas na verdade não passam de crimes comuns, quando o devido trâmite legal assim os interpreta. Nesses casos, o Parlamento não tem competência para dar início à tramitação de processos de impeachment, tarefa que cabe ao STF.


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