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Brasil

Estudo confirma a ameaça de Belo Monte à biodiversidade do rio Xingu

Publicado em 05/07/2018 12:00 -

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O barramento definitivo do rio Xingu, em 2015, para a instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte está provocando impactos ambientais não previstos anteriormente, com medidas de redução de danos muito aquém do ideal. É isso que mostra um estudo publicado por um grupo de pesquisadores na revista Biological Conservation.

A bacia do Amazonas concentra a maior biodiversidade aquática do planeta, com 16% das espécies de peixe de água doce do planeta. Pouco menos que a metade das 2.411 espécies descritas são endêmicas, ou seja, não existem em nenhum outro lugar. Dos mais de 20 afluentes, o Rio Xingu é o maior fornecedor de águas claras.

É nele que fica a Volta Grande do Xingu, uma região especial que, por conta de sua complexidade, conta com um alto nível de biodiversidade e endemismo. Trata-se de uma extensão de 130 quilômetros de corredeiras e canais que flutuam sobre o leito rochoso.

O caráter sazonal do rio, com variação no volume da água, e sua geomorfologia, com diversos canais entrelaçados cuja largura vai de alguns metros a vários quilômetros, criam uma impressionante heterogeneidade de habitats, que contribui para a manutenção de uma fauna de peixes única no mundo.

Das 63 espécies endêmicas que são conhecidas na Bacia do rio Xingu, 26 só existem nas corredeiras da Volta Grande. “Cada trecho de corredeira, cada braço de rio é um ambiente único. Sem sombra de dúvidas é uma região única no mundo que tem de ser preservada”, comenta o biólogo Leandro Souza, um dos autores do estudo e pesquisador do Laboratório de Ictiologia da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Segundo os pesquisadores, como o pulso de enchente e vazante será profundamente alterado, o nível da água não será suficiente para manter a nutrição da vegetação nas ilhas, nem para que a fauna aquática tenha acesso às áreas inundáveis, prejudicando sua reprodução e, por consequência, os modos de vida das populações que dependem do rio para viver. “A redução de 80% atualmente esperada provavelmente resultará em fluxo insuficiente para a manutenção da diversidade aquática”, diz o estudo.

Nas fendas das pedras nas corredeiras do Xingu vive um peixe ameaçado de extinção: o Acari Zebra (Hypancistrus zebra), conhecido como “Zebrinha”. Os Juruna, povo que vive na Terra Indígena Paquiçamba, são exímios mergulhadores e conseguem encontrar essa espécie a dezenas de metros no fundo do Xingu. Conhecedores do rio e suas dinâmicas, eles perceberam a diminuição do número de zebrinhas e se preocupam com o desaparecimento dessa espécie que só vive nas correntezas, habitat particularmente vulnerável às alterações hidrológicas.

O pacu, espécie de peixe mais consumida pelos Juruna, também está ameaçado. Ele se alimenta de frutos de caem na água durante o inverno, época de cheia do rio. Com a diminuição do volume de água e a mudança na dinâmica das vazantes, os frutos caem no seco, o que impossibilita a alimentação e a consequente reprodução da espécie.

A falta de sincronismo entre a vazão necessária mínima para alagar os locais de reprodução no momento certo e alimentação de espécies importantes para consumo humano das populações da Volta Grande poderá impactar a segurança alimentar de indígenas e ribeirinhos.

"Hidrograma de Consenso Ecológico", criado pela empresa responsável por Belo Monte, Norte Energia, é o documento que define o volume de água que vai passar pela Volta Grande e o volume que será desviado para a produção de energia. Isso deve ocorrer a partir de 2019, ano em está prevista a finalização da instalação das 18 turbinas que correspondem à potência máxima da usina.

O Ibama estabeleceu um rigoroso plano de monitoramento dos impactos derivados da vazão, monitorando o que acontece com a fauna, flora, água e os impactos no modo de vida das populações que ali vivem. A proposta é determinar qual é o mínimo de água necessário para manter a vida na Volta Grande, e, ao mesmo tempo, qual é a quantidade máxima de água que a empresa pode usar para movimentar as turbinas instaladas.

Há cinco anos os Juruna realizam um monitoramento independente dos peixes e consumo alimentar na região. Em 2016, primeiro ano após o barramento definitivo do rio, eles registraram de perto as mudanças e comprovaram que tanto os peixes quanto a navegabilidade do Xingu foram impactados mesmo com o volume de água de aproximadamente 10 mil m³/s. Os índices propostos no “Hidrograma” preveem vazões de 4 mil m³/s e 8 mil m3/s, alternadas ano a ano a partir de 2019.

Para Leandro Souza, é muito aquém da vazão natural do rio e não leva em consideração questões relacionadas à sincronia do rio com a floresta que alimenta a fauna aquática e serve como refúgio para sua reprodução. “É um tiro no escuro”, alerta Souza.

“Os Juruna já comprovaram que o Hidrograma do jeito que foi definido pela Agência Nacional de Águas (ANA) o Ibama é insustentável. O início dos testes precisam ser cancelado e é urgente que os critérios sejam revistos com contribuições da academia, mas principalmente com a participação de indígenas e ribeirinhos que moram na região e conseguem descrever muito bem as mudanças que vem acontecendo desde 2015 com o desvio do Xingu”, aponta Biviany Rojas, advogada do Instituto Socioambiental.

O estudo propõe que a quantidade de água liberada seja de acordo com as porcentagens da vazão natural do rio, e não com base em valores pré estabelecidos. Esse método, segundo eles, “ajudaria a manter a dinâmica de fluxos por toda a região abaixo de Volta Grande e no médio Xingu. Além disso, sugerem que a cada dois anos seja liberada uma quantidade de água de 20 mil m3/s, mimetizando a dinâmica sazonal do auge dos períodos de cheia.

O estudo conclui que a manutenção da diversidade de espécies vai depender do volume de água que será liberado e das alterações no pulso do rio: “Está claro que a conservação da diversidade de peixes e do endemismo existentes na extensão pesquisada vai depender grandemente da gestão do trecho cujo fluxo será reduzido em Volta Grande”.


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