20/04/2024 - Edição 540

Poder

Moro trava investigações para proteger empresas e delatores da Lava Jato

Publicado em 14/06/2018 12:00 -

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O juiz Sergio Moro impôs uma trava à atuação de órgãos de controle e do governo federal, proibindo o uso de provas obtidas pela Operação Lava Jato contra delatores e empresas que reconheceram crimes e passaram a colaborar com os procuradores à frente das investigações.

A decisão de Moro, que conduz os processos do caso em Curitiba, foi proferida no dia 2 de abril e atinge a AGU (Advocacia-Geral da União), a CGU (Controladoria-Geral da União), o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), o Banco Central, a Receita Federal e o TCU (Tribunal de Contas da União).

No despacho, o juiz altera nove decisões anteriores em que autorizara o compartilhamento de provas da Lava Jato com esses órgãos, que têm a atribuição de buscar reparação de danos causados aos cofres públicos e aplicar multas e outras penalidades de caráter administrativo.

Moro não só veda o uso das informações da Lava Jato em ações contra colaboradores como submete à sua autorização o prosseguimento de medidas que já tenham sido tomadas contra eles e que tenham entre os seus fundamentos documentos enviados pelos procuradores.

Com a decisão, que atendeu a um pedido do Ministério Público Federal, o juiz blinda delatores e empresas contra o cerco dos outros órgãos de controle. Para os procuradores, a medida é necessária para evitar que a insegurança jurídica criada pela falta de coordenação entre os vários órgãos de controle desestimule novos colaboradores, prejudicando o combate à corrupção.

Em vários dos casos revistos pela decisão de Moro, as informações compartilhadas pela Lava Jato foram obtidas antes que as empresas afetadas e seus executivos colaborassem com as investigações.

Empreiteiras como Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht fecharam acordos bilionários com a Lava Jato para reconhecer crimes, fornecer provas, pagar multas e reduzir penas na esfera criminal, mas os acordos não garantem imunidade contra ações de outros órgãos na área cível.

A AGU, que defende o governo federal nos tribunais, cobra das empreiteiras mais de R$ 40 bilhões por danos em contratos com a Petrobras. Colaboradores que confessaram o recebimento de propina foram autuados pela Receita Federal, que tem cobrado imposto sobre os ganhos ilícitos.

Com base em provas obtidas pela Lava Jato, o TCU bloqueou R$ 508 milhões em bens da Andrade Gutierrez para garantir o ressarcimento de danos causados na construção da usina nuclear de Angra 3.

Como os acordos fechados com o Ministério Público só garantem imunidade na área criminal, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht negociam desde o ano passado acordos de leniência com a AGU e a CGU, que ainda não foram assinados e terão que ser submetidos ao aval do TCU.

A principal dificuldade nessas negociações é que as empreiteiras não querem pagar mais do que já se comprometeram a desembolsar nos acertos com o Ministério Público —as três maiores aceitaram pagar R$ 5,5 bilhões a título de multa e reparação de danos.

Advogados das empresas e dos delatores defenderam publicamente a tese agora aceita por Moro, de que os colaboradores devem ser blindados contra ações na esfera cível.

"Apesar do compartilhamento de provas para a utilização na esfera cível e administrativa ser imperativo, já que atende ao interesse público, faz-se necessário proteger o colaborador ou a empresa leniente contra sanções excessivas de outros órgãos públicos, sob pena de desestimular a própria celebração desses acordos", escreveu o juiz.

Moro admite que não há jurisprudência sobre o tema no Brasil e recorre ao direito americano para embasar sua opinião, argumentando que nos Estados Unidos "é proibido o uso da prova colhida através da colaboração premiada contra o colaborador em processos civis e criminais."

O despacho do juiz indica que ele foi além do que a legislação americana permite. Moro proibiu o uso não só de provas fornecidas por colaboradores, mas também de informações obtidas por outros meios, mas que poderiam implicar os delatores.

Embora a decisão de Moro tenha sido assinada em abril, o Ministério Público Federal só informou os órgãos afetados pela medida em maio. Ainda não há uma avaliação segura sobre o impacto da ordem de Moro nas investigações em andamento nesses órgãos.

Sigilo

Na quarta (3), Moro levantou o sigilo que protegia a decisão, e afirmou que a blindagem é necessária para proteger empresas e delatores, e para não inviabilizar negociações com novos colaboradores.

"Há uma questão óbvia, a necessidade de estabelecer alguma proteção para acusados colaboradores ou empresas lenientes contra sanções de órgãos administrativos, o que poderia colocar em risco os próprios acordos e igualmente futuros acordos", escreveu.

Segundo o juiz, "é inapropriado que os órgãos administrativos, que não têm aderido aos acordos [fechados pelo Ministério Público Federal], pretendam servir-se das provas através deles colhidas contra os próprios colaboradores ou empresas lenientes."

Moro afirmou que sua decisão não impede que investigações conduzidas por outros órgãos prossigam, desde que as provas compartilhadas pela Lava Jato não sejam usadas contra os colaboradores.


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