29/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Longe de nós

Publicado em 08/06/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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Eu estava errado sobre Trump. Eu achava que seria péssimo para o mundo ter um estelionatário egocêntrico nascido em berço de ouro no comando da maior economia do planeta. Imaginei que Donald e sua família de deploráveis utilizariam a Casa Branca como um balcão de negócios, usando influência política em benefício próprio enquanto os republicanos neoliberais e conservadores (em relação aos direitos dos outros, claro) tocavam sua política de intervencionismo e aquecimento global. Em outras palavras, eu esperava que Trump fizesse discursos grosseiros e deixasse o governo para os crápulas de sempre.

Mas eu estava errado.

Donald percebeu que recebe muito aplauso quando promete o retorno das fábricas que a globalização (e a política liberal republicana) enviaram ao terceiro mundo. Fábricas que jamais retornarão por inúmeros motivos. E Donald não vive sem adulação. E o americano médio – e por que não dizer, o ser humano médio – adora uma mentira conveniente. Não que a "América profunda", não precise de um milagre. Precisa e muito. É um amontoado de micro cidades vivendo de hambúrguer por um dólar e opióides. Criados por um sistema educacional não tão dilapidado quanto o brasileiro, mas muito mais sórdido, mercantilista. Se você mora em um vilarejo no meio da Dakota do Sul, seu desespero é compreensível. Justifica votar num impostor fanfarrão que diz o que você quer ouvir? Claro que não.

Trump está cumprindo as promessas feitas ao americano evangélico rural. Os EUA estão abandonando tratados internacionais e erguendo muros. Taxando produtos de aliados e fechando fronteiras. Contrariando o discurso de fachada da direita americana (que é a favor do livre comércio somente para os produtos que não fabrica), Donald foi ao encontro da cúpula do G7 só pra arranjar briga com o Canadá e pedir a reintegração da Rússia, um pedido do seu chefe direto, Vladimir Putin.

Para os demais líderes do grupo, ficou a impressão de que os EUA estão voltando no tempo, para uma era pré-guerra mundial, quando a regra era "cada macaco no seu galho". Essa política isolacionista levou ao conflito armado e devastou países. E foi vendendo pólvora e cimento para a reconstrução das nações devastadas que o Império Americano se fez e conquistou uma posição de liderança geopolítica, além de aquecimento econômico interno. Competindo com países destroçados, ninguém ameaçava a General Motors ou a IBM. Mas bastou a Toyota colocar o primeiro carro na rua para que os EUA adotassem tarifas alfandegárias. Parece história antiga, mas isso foi no final dos anos 70. Em outras palavras, amigo leitor: para o Tio Sam, livre mercado só funciona enquanto os países competidores estiverem sob os escombros de um ataque nuclear.

Mas Donald foi eleito sob o slogan "Fazer a América Grande Novamente". O que nos leva a pergunta: Quando foi isso? Resposta: anos 50. Quando não havia competição externa, negro não votava e mulher cozinhava o jantar em casa, esperando o marido voltar da fábrica de carro rabo-de-peixe. E o resto do mundo que se dane. Essa é a plataforma do governo Trump. E eu, ledo engano, achei que era só conversa fiada. Não é.

Isso muda o jogo. Mas não do jeito que Trump pensa. Ele acha que é possível voltar no tempo falando grosso e promovendo guerra fiscal com países aliados. Não é. Sua grosseria geopolítica vai prejudicar muitas economias, inclusive a dos EUA. Mas sabe o que é legal? Quando Trump recolher a bola e ir para casa, o resto do mundo vai precisar repensar suas relações comerciais. Criar novas parcerias, novos acordos, sem EUA e Rússia. Isso pode ser promissor.

Precisamos de pluralidade em suas relações comerciais e diplomáticas. Novos acordos sem o filtro dos "impérios". Essa reorganização geopolítica adubada pelas merdas que o Trump fala pode resultar em boa coisa. A curto prazo, vai gerar crise. A médio, inovação e diálogo. A longo prazo, fim da influência política norte-americana. Até porque, como a história nos diz, toda economia de perfil imperialista perde sua força. Roma caiu. A Inglaterra caiu. Sabia que Portugal já foi um império econômico? Pois é.

Por essas e outras, quero mais quatro anos de Trump. E depois, mais oito de Ivanka, a filha favorita do papai. Eu já encomendei meu boné vermelho "MAGA" – Make America Great Again. E vou mandar costurar embaixo: "Away from the rest of us".

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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