28/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Pelo direito à violência leve

Publicado em 06/06/2014 12:00 - Rodrigo Amém

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Não me considero qualificado para discutir educação infantil ou legislação. Portanto, a validade da palmada como ferramenta educativa e da lei que a proíbe são assuntos que eu prefiro deixar a cabo dos especialistas.  Então, respire aliviado, leitor. Não vou entrar na arapuca das argumentações circunstanciais. Em outras palavras, não vai rolar o clássico: “Minha mãe me bateu/nunca me bateu e hoje eu sou/não sou um cidadão bem ajustado/sociopata”.

Mas tem uma parte dessa história que me interessa: a distância abissal entre o debate e o seu objeto.  Se os defensores da lei parecem mais preocupados em punir, os detratores demonstram uma viva indignação com a possibilidade de perda do direito à moderada violência. A discussão parece girar em torno do direito de bater e não do bem estar da criança. “Quem é o Estado para dizer que eu não posso fazer o que eu quiser com meu filho? Isso é nazismo!” Não, não estou exagerando. Já meteram até Hitler na discussão, veja você. O Boris Casoy achou uma vergonha. E sem biquinho, porque o assunto é sério.

Esse é um conceito de propriedade atribuído aos filhos me incomoda. “O filho é meu, se eu quiser eu bato, eu nego transfusão de sangue, eu não dou vacina, eu deixo ajoelhado no milho.” Há uma certa confusão entre a noção de pertencimento e responsabilidade na criação da prole. E deste equívoco nascem as circuncisões e as orelhas furadas em recém-nascidos, as palmadas, as varinhadas, as castrações de meninas no oriente.

Há uma certa confusão entre a noção de pertencimento e responsabilidade na criação da prole. E deste equívoco nascem as circuncisões e as orelhas furadas em recém-nascidos, as palmadas, as varinhadas, as castrações de meninas no oriente.

A sociedade não parece interessada em discutir a validade da palmada como instrumento educativo, e sim o direito inalienável dos pais de usar o poder coercivo da dor. Sem beliscões e tapas, criaremos uma sociedade de facínoras mimados egocêntricos e inconsequentes, dizem. Aparentemente, muito diferente de toda gentileza e boa vontade que vivenciamos hoje em dia.

Se existe um limite tolerável para o tipo de violência que estamos autorizados a cometer contra os mais fracos, é complicado estabelecer limites. Mas essa é uma discussão que só é admissível quando o objeto da violência é uma criança. Ninguém ousaria falar entre castigos físicos corretivos entre cônjuges.   Aparentemente, assim como dirigir, o direito à integridade física só é conquistado aos 18 anos.

Isso quer dizer que eu sou a favor da lei da palmada? Bem, não. Sou a favor do diálogo, da educação, da revisão de conceitos. E contra excessos. O Brasil tem uma tradição de leis vagas e mal escritas. Existe a possibilidade de a lei fazer mais mal do que bem. Assim como as palmadas. Felizmente, também temos a tradição da desobediência civil e, quando a gente não quer, a lei não pega. Vai ver porque nos faltou uma boa surra quando éramos crianças.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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