26/04/2024 - Edição 540

Artigo da Semana

Quem prega a ditadura quer tirar uma casquinha

Publicado em 06/06/2018 12:00 -

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No meio da zorra, entre filas de carros que chegavam a se cruzar em busca do precioso líquido (só pra deixar claro: estou falando de gasolina, e não de água) recebi uma dessas piadas do WhatsApp que resumem tudo. Num dos pontos de bloqueio onde havia uma faixa pedindo INTERVENÇÃO MILITAR foi uma correria dos diabos quando as forças do Exército chegaram para liberar um caminhão com gás hospitalar. Ué, não estavam pedindo intervenção militar? Ela chegou. Então, por que saíram correndo?

Há quem ponha na conta da desinformação ou da irresponsabilidade as campanhas pela intervenção militar, que pegam carona no movimento dos caminhoneiros. Só os ingênuos caem nessa lorota. O buraco é bem mais embaixo. Por trás de cada uma dessas faixas está um “agente” vinculado à única candidatura que defende abertamente a volta dos militares ao poder.

A campanha militarista tem nome, CPF e mandato. Ainda outro dia, numa entrevista a uma emissora de televisão do Piauí, o deputado Jair Bolsonaro teve o desplante de negar a existência da ditadura militar sob o argumento ridículo de que durante os anos de chumbo não havia tentativas de fuga do Brasil. Nem havia nem houve um ditador, já que um marechal e quatro generais se revezaram no poder. Logo, segundo ele, não teria havido ditadura, por não ter havido um ditador… Por favor, não ria.

Pregar a volta dos militares é crime, sabia?

A campanha intervencionista, se já poderia ser considerada ilegal mesmo liderada por um parlamentar protegido pela imunidade de tribuna, torna-se criminosa ao ser patrocinada por pessoas comuns, como as que pregam o golpe. É crime pregar e conspirar contra a ordem constitucional. É crime patrocinar o rompimento do estado democrático de direito. É crime estimular a tomada do poder pela força, contra os princípios mais rudimentares da democracia. Pelo menos é isso que está escrito naquele livrinho escrito em 1988.

De um amigo que reside em Portugal recebi outro WhatsApp. Este, defendendo “Intervenção literária já!”. E recomendando que vão estudar, ler livros, conhecer a história, assistir documentários e indicando o livro Infância Roubada, que descreve a situação das crianças atingidas pela ditadura militar. Outro zap, de um amigo residente no Rio de Janeiro, foi ainda mais claro: “Eu apoio a intervenção dos professores de história para explicar o que foi a ditadura militar”.

Insensibilidade com a vida. Conivência com a pregação golpista

Para além da análise rasa da questão, há um surpreendente aspecto de natureza política, que tem passado relativamente batido. O PT e outras forças de esquerda que apoiam o movimento dos caminhoneiros até agora não se manifestaram aberta e oficialmente contra a infiltração dos intervencionistas nem a favor da liberação das vias aos veículos que conduzem remédios e equipamentos hospitalares. Sem tal manifestação, correm o risco de ser acusados de insensibilidade com a vida humana, em risco em hospitais e clínicas. E de conivência com a pregação golpista dos defensores da intervenção.

Até aqui, seja de esquerda, de direita ou de centro, ninguém pode se meter a tirar proveito político-partidário do movimento dos caminhoneiros. Se tentar, vai quebrar a cara. A população, embora sensível ao pleito principal – a redução do preço dos combustíveis – sofre na pele os efeitos da paralisação dos transportes de carga, principalmente a falta de combustíveis nos postos e de gêneros de primeira necessidade nas prateleiras dos supermercados. E começa a criticar a insensibilidade das lideranças sindicais.

Todo líder sindical que toma a frente de uma paralisação de atividade que afeta diretamente a população tem de ser sensível para identificar o momento em que é preciso suspender o movimento, sob pena de perder o apoio inicial da opinião pública. Ao que se sabe, a manifestação dos caminhoneiros atingiu todos os objetivos. Eles conseguiram por o governo de cócoras. Ajudaram a desmascarar a política de preços cruel da Petrobras e a sanha arrecadatória do governo. Ganharam até mais do que esperavam. Passa da hora de o país voltar à normalidade.

Paulo José Cunha – Professor, jornalista e escritor.


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