20/04/2024 - Edição 540

Poder

Fala desastrada de Villas Bôas abre a porteira para generais golpistas

Publicado em 06/04/2018 12:00 -

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No dia que antecedeu o julgamento do habeas corpus preventivo do ex-presidente Lula no Supremo Tribunal Federal (STF), ao menos 5 militares de alta patente vieram a público aventar a possibilidade de uma intervenção militar caso o petista, condenado em segunda instância em janeiro, não seja preso.

Na terça-feira (3) um general da reserva do Exército Brasileiro disse que “se o STF permitir que Lula se eleja, haverá intervenção militar”. No mesmo dia, o editor do Jornal Nacional, da Globo, William Bonner, encerrou a edição com uma notícia em tom de ameaça aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF): ele leu, ao vivo, dois tuítes do general Villas Bôas, comandante do Exército Brasileiro, em que repudia a “impunidade” e diz que o Exército está “atento às suas missões institucionais”, em uma clara sinalização de intervenção caso o STF não negue o habeas corpus ao petista.

“Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais? (…) Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”, escreveu Villas Bôas nos dois tuítes lidos por Bonner.

A partir daí, outros generais começaram a se pronunciar em série pelo Twitter endossando a fala de Villas Bôas que, claramente, sinalizava uma ameaça ao STF. O General Paulo Chagas, por exemplo, escreveu: “Caro comandante, amigo e líder, receba a minha respeitosa e emocionada continência. Tenho a espada ao lado, a sela equipada, o cavalo trabalhando e aguardo suas ordens!!”.

Outros dois generais fizeram tuítes no mesmo sentido. “Mais uma vez o Comandante do Exército expressa as preocupações e anseios dos cidadãos brasileiros que vestem fardas. Estamos juntos, comandante!”, postou o General Freitas. “Comandante! Estamos juntos na mesma trincheira! Pensamos da mesma forma! Brasil acima de tudo! Aço!”, escreveu o General Miotto.

A postagem do general Villas Bôas endossada pelos outros militares foi, inclusive, “curtida” pelo perfil oficial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), o tribunal que condenou Lula em janeiro.

Reações

A Anistia Internacional divulgou uma nota de repúdio às declarações do comandante do Exército.

Uma das maiores organizações de defesa dos direitos humanos no mundo, destacou que a mensagem de Villas Boas é uma "grave afronta à independência dos poderes, ao devido processo legal e uma ameaça ao estado democrático de direito". Além disso, a manifestação de Villas Boas, na visão da Anistia, "sinaliza um desvio do papel das Forças Armadas".

Já o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, afirmou que o respeito às decisões do STF é condição fundamental para a democracia no país, independentemente dos vencedores e dos vencidos”. Após as declarações do comandante do Exército, Lamachia defendeu o Estado democrático de direito. No texto, defendeu “mais democracia” na luta pelo combate à corrupção.

No comunicado divulgado em resposta ao comandante, a Anistia Internacional avalia que o avanço do militarismo no país — por meio das operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e da intervenção federal no Rio — é "ameaça crescente" e baliza a preocupação da entidade sobre o crescente uso das Forças como política de segurança pública.

A organização recordou ainda o pedido das Forças Armadas por garantias legais que impedissem julgamentos em tribunais civis no caso de ilegalidades ou abusos cometidos e citou a transferência para a justiça militar dos crimes cometidos por militares em operações de GLO. Na visão da entidade, tal cenário conduz à impunidade de ilegalidades militares e a ausência de punição a violações de direitos da Armada, como na ditadura, "é uma das feridas abertas na história recente brasileira".

"Esse foi já um passo assegurado pelos militares para garantir impunidade por crimes que possivelmente já tinham a intenção de cometer. O General Villas Boas afirmou ainda que os militares precisavam de garantias de que não haveria uma nova 'comissão da verdade' no futuro. Tal afirmação revela novamente a predisposição das Forças Armadas a alimentar o ciclo de impunidade, já que possíveis graves violações de direitos humanos ficariam sem julgamento", frisou a Anistia.

Para a organização, a impunidade dos crimes de militares e homens do estado do passado alimenta a violência dos mesmos agentes no presente.

"Este é um momento crucial na história do país. A Anistia Internacional se posiciona fortemente contra o militarismo, contra o desvio de função das Forças Armadas e abuso do uso da força, contra a impunidade das graves violações cometidas pelos agentes do estado. A sociedade brasileira precisa se posicionar a favor do estado democrático de direito, do devido processo legal e da garantia dos direitos humanos", lê-se na nota.

Juízes e procuradores criticam

Também em nota, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) afirmou que vê com "preocupação" a declaração do general.

"Em uma democracia e em um estado de direito não cabe às organizações militares ou a seus integrantes – salvo como cidadãos na sua liberdade de expressão – tentar interferir na agenda política do país ou nas pautas do Poder Judiciário. Ou mesmo parecer que buscam interferir", diz o texto.

Sem se referir diretamente ao general, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) repudiou, em nota, "qualquer ameaça à independência judicial de todos os magistrados, em qualquer grau de jurisdição".

O texto diz que o "o Estado Democrático de Direito só se sustenta com o respeito às instituições e com um Judiciário imparcial e independente.".

“Em uma democracia e em um estado de direito não cabe às organizações militares ou a seus integrantes –-salvo como cidadãos na sua liberdade de expressão-– tentar interferir na agenda política do país ou nas pautas do Poder Judiciário”, afirma nota da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

“O Brasil é uma democracia há mais de 30 anos, assim tem de prosseguir, e vai prosseguir”, afirma a nota assinada pelo presidente da ANPR, procurador regional da República José Robalinho Cavalcanti.

“Não carecemos da tutela militar para que o respeito às leis, à Constituição Federal, à paz social e à democracia se dê de forma plena”, afirma nota divulgada pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), assinada por Técio Lins e Silva, presidente.

Sob o título “O Brasil e a Democracia sob ataque“, um grupo de 150 juristas, advogados e profissionais do Direito divulgou a seguinte manifestação:

As recentes manifestações que evocam atos de força configuram clara intimidação sobre um Poder de Estado, o Supremo Tribunal Federal. Algo que não acontecia desde o fim da ditadura militar.

É urgente que os Poderes da República repudiem esse tipo de pressão.

As falas veiculadas nas últimas horas por oficiais das forças armadas dificultam um julgamento isento e colocam em xeque a democracia. Não são pessoas que estão em jogo. É a República. E a democracia.


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