Judiciário
Publicado em 05/04/2018 12:00 -
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Imagine que, em pleno século XXI, após séculos de desenvolvimento da ciência jurídica, um Procurador da República e um Juiz Federal criam um novo instrumento de condenação no Processo Penal: o jejum e a oração.
Na falta de provas, temendo uma derrota jurídica, apelam para os rituais religiosos. Uma enorme heresia processual e enorme estupidez teológica.
Para quem não sabe, o jejum e a oração são práticas religiosas antigas e usadas para o aprimoramento da personalidade para a santificação. Em outras palavras: jejum e oração eram práticas para tornar uma pessoa espiritualmente melhor, mais elevada.
Mas a coisa mudou.
Chegamos ao ridículo de ver um Juiz Federal publicar no Twitter: “como cidadão brasileiro e temente a Deus, acompanhá-lo-ei (Deltan) em oração, em favor do nosso País e do nosso Povo”.
Marcelo Bretas deixa uma frase de apoio ao amigo Deltan Dallagnol que, também no Twitter, escreveu que iria fazer jejum e oração para que o ex-presidente Lula fosse condenado – e com ele outros milhões de brasileiros pobres!
Essa soberba do Marcelo Bretas me fez lembrar uma parábola que Jesus contou – a famosa parábola do Fariseu e do Publicano.
Dizia Jesus:
“Havia um fariseu e um publicano. O fariseu, estando em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na semana, e dou os dízimos de tudo quanto possuo.
O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!
Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado”. (Lucas 18:11-14).
Veja se o Marcelo Bretas não é personificação do Fariseu: “sou cidadão brasileiro, Deus, temente a ti; e não sou como esses pecadores”.
A tática desses dois senhores, o Deltan e o Bretas, já é, como dizemos aqui na Bahia, “muito manjada”.
É que eles colocam uma capa de santidade no discurso para poder adquirir mais aceitação em um dos países mais religiosos do mundo. Falar em Deus ainda é uma excelente máscara. Mas atenção, pois, como dizia um grande professor meu no curso de teologia: “o lado mais sórdido da religião é quando o discurso piedoso camufla a sordidez do caráter”.
Inventamos o Direito Penal Pentecostal: agora se faz jejum para que uma pessoa seja condenada.
Nada mais distante da Bíblia, pois, quem a lê, sabe que Jesus disse: “Misericórdia quero, e não sacrifícios. Pois não vim resgatar justos e sim pecadores“. (Mateus 9:13)
Jejum dos justos contra os pecadores?! Jejum para que pessoas sejam presas?
Mas ora, a Bíblia diz: “Lembrai-vos dos encarcerados, como se estivésseis aprisionados com eles; e todos aqueles que sofrem maus tratos (nas prisões), como se vós pessoalmente estivésseis sendo maltratados”. (Hebreus 13:3)
O jejum e a oração deveria ser para que os presos provisórios fossem soltos, pois presos, sem condenação, estão. Orar para que mais pessoas sejam presas é golpe. Não basta dar o golpe na Constituição, agora querem dar na Bíblia.
É como dizia Rubem Alves: “invocou Deus nas questões políticas? Eu esconjuro, pois é coisa do Diabo!”.
Foi-se o tempo em que as pessoas temiam usar o nome de Deus em vão. Foi-se o tempo em que o jejum e a oração eram práticas para o engrandecimento espiritual. Agora vale tudo para externar “as pitadas de psicopatia” de quem tem tesão por condenação e fetichismo pelo heroísmo.
Se eles temessem a Deus teriam medo de usar seu nome assim, de forma escandalosa, para legitimar seus interesses políticos. Não temem a Deus. Serão julgados por Ele – ou, com certeza, pela história. A história não os absolverá.
Foi-se o tempo em que para condenar bastavam as provas. Cadê as provas? Pelo jeito nem convicção têm mais.
Restou, tão somente, o jejum e a oração, coisa que os fariseus, no tempo de Jesus, faziam muito bem e mais que todo mundo – muito embora, ao final, todos estes foram deixados de lado por Jesus: “nem todos os que dizem Senhor, Senhor, serão salvos”.
Wagner Francesco é bacharel em Teologia e Direit
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