29/03/2024 - Edição 540

Poder

A escalada extremista contra a caravana de Lula

Publicado em 30/03/2018 12:00 -

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A escalada de violência contra a caravana do ex-presidente Lula (PT-SP) pelo Sul do Brasil chegou ao seu ápice com os três tiros disparados contra os ônibus que acompanhavam o petista na terça-feira (27). A proliferação de grupos extremistas na região impressiona, assim com o recrudescimento de suas táticas: de ovos, passaram a atacar pedras, jogar pregos no asfalto até, enfim, empunharem armas de fogo.

O desenho do mapa político da região formada por Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná foi claramente demarcado na votação que determinou o afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff. Dos 77 deputados dos três estados, 52 apoiaram o impeachment que colocou Michel Temer na presidência.

O domínio conservador nos governos estaduais e nas três capitais, além da maior parte do interior dos estados, está diretamente relacionada à criminalização do Partido dos Trabalhadores e os ataques à Lula.

Diante desse cenário, era possível prever manifestações contrárias à passagem da caravana, mas nem os mais pessimistas imaginavam um quadro tão preocupante de violência e ódio por parte grupos fascistas, cuja atuação tem recebido vista grossa de parte da classe política.

"O que está ocorrendo é uma provocação do ex-presidente e a sociedade tem que responder a essa provocação de alguma maneira. A responsabilidade é de quem provoca", opinou Álvaro Dias, o senador pelo Paraná e o pré-candidato à presidência pelo recém-criado PODEMOS. "Eu não compactuo com nenhum tipo de violência, mas se há violência é porque houve desrespeito de alguém que deveria oferecer exemplo de um comportamento civilizado."

As tentativas de bloqueio nas estradas foram a tática repetida ao longo de toda a viagem com a utilização de extrema agressividade por parte da direita raivosa, que criminosamente jogava pedras e objetos nos ônibus da caravana com a conivência da polícia em praticamente todos os episódios.

A imagem das autoridades perfiladas ao lado dos conservadores com escudos enquanto esses atacavam com o arremesso de ovos, objetos e foguetes em direção à militância de esquerda em Chapecó (SC) deu o tom da postura das forças oficiais de segurança ao longo dos nove dias de deslocamentos e visitas, a maioria realizada nas praças centrais da cidade e em obras e realizações impulsionadas pelos governos petistas.

A utilização de tratores por ruralistas foi um expediente largamente utilizado. O senador Paulo Bauer (PSDB-SC), aliado partidário do também senador Aécio Neves (PSDB-MG), sugeriu que o centro de Florianópolis, onde ocorreu um dos atos, fosse tomado para não permitir a concentração programada pelo petista.

A professora Márcia Reis, da capital catarinense, rebate. "Temos o direito de agradecer a Lula pelos feitos de seu governo e desejar que ele volte à presidência para debelar a onda de ódio insuflada por uma direita hipócrita e reacionária que transformou esse país num lugar de restrições de direitos e de afronta aos valores constitucionais."

Ainda em Santa Catarina, o ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, reconhecido pela serenidade, enfatizou sua indignação ao quase ser proibido e sofrer ameaças ao entrar em instituições que representam o legado das gestões de Lula e Dilma, como institutos e universidades federais.

A resposta aos insultos veio com a potência do apoio popular que escoltou o ex-presidente até o hotel em uma emocionante caminhada de três quadras após o ato com mais de dez mil pessoas em Chapecó.

"A caravana é para escutar o povo, saber do que ele está precisando, é por isso que ela está sendo vitoriosa. Do outro lado, um mesmo grupo vem passando pelas cidades para nos ameaçar, isso é inaceitável em um país democrático. Tratam-se de milícias armadas a favor de uma candidatura, mas não temos medo algum de enfrentá-los", ressaltou a senadora pelo Paraná e presidenta do PT, Gleisi Hoffmann.

A referência da parlamentar está ligada aos gritos de apoio ao deputado federal Jair Bolsonaro, pré-candidato à presidência pelo PSL. Nesta quarta-feira, o presidenciável irá à Curitiba, onde a caravana de Lula se encontra. O deputado convocou um ato na capital paranaense exatamente na mesma data do encerramento da caravana pelo sul.

Se Bolsonaro é o líder máximo da extrema-direita no plano nacional, a direita regional é estimulada pelos discursos de figuras públicas como a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS), que não demorou a elogiar a atitude dos extremistas que receberam com ovos e relho (chicote) os apoiadores de Lula, afirmando serem esses os verdadeiros gaúchos durante convenção do Partido Progressista, em Porto Alegre.

A senadora alegou não ter tempo para conversar com a reportagem e sugeriu que acompanhasse seus pronunciamentos da tribuna do Senado. Enquanto exaltava a intransigência conservadora, a parlamentar ligada à empresa RBS, retransmissora da Rede Globo, silenciava sobre os atentados contra a vida de militantes sociais.

Em Cruz Alta, quatro mulheres foram espancadas por radicais e em Bagé uma estudante apanhou de chicote da milícia que protagoniza a violência sulista, afora outros episódios nem sempre registrado pelo medo de novas retaliações.

Em uma das situações mais graves ocorridas, a falta de atitude da polícia inviabilizou a chegada da caravana em Passo Fundo (RS). Diante da interrupção dos acessos e das ameaças à militância próxima à área onde ocorreria o evento com os ex-presidentes Lula e Dilma, a declaração oficial da instituição feita por meio do secretário de segurança do Rio Grande do Sul, Cezar Schirmer (PMDB) foi de que não teria condições de garantir a segurança dos ex-presidentes e seus apoiadores.

A complacência da polícia contrasta com a ação empregada em situações de reintegração de posse de terras ou imóveis, geralmente efetivada contra organizações sociais e as classes populares.

Os acontecimentos, de acordo com o deputado federal Fernando Franceschini (SD-PR), deveriam servir de exemplo para os paranaenses de como se portar diante da caravana.O delegado postou em suas redes a frase "o meu candidato é apoiado pela polícia, o seu é procurado por ela", em alusão ao seu apoio a Bolsonaro e rejeição a Lula.

Apesar da pressão, os atentados não conseguem impedir o avanço da comitiva devido à presença de movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), responsáveis muitas vezes por garantir a segurança do ex-presidente e das equipes de trabalho que seguem a viagem.

Em meio à escalada fascista, o Judiciário define o futuro do ex-presidente. O Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF-4) rejeitou os recursos apresentados pela defesa de Lula, que agora aguarda o julgamento de seu habeas corpus no Supremo Tribunal Federal. O impasse gera ainda mais instabilidade no cenário social e dá munição aos que se comportam não como adversários políticos, mas como inimigos do exercício democrático.

Relativizando a violência

Os absurdos episódios de violência não despertaram a preocupação de alguns políticos brasileiros. O presidenciável tucano Geraldo Alckmin (PSDB-SP) e o futuro ex-prefeito e pré-candidato a governador João Doria (PSDB-SP) preferiram culpar o PT pelo ocorrido. 

Alckmin afirmou que os petistas "colheram o que plantaram", pouco antes de assistir à pré-estreia de "Nada a Perder", cinebiografia do bispo Edir Macedo. Segundo o pré-candidato do PSDB à presidência, integrantes do partido sempre partem para dividir o País e acabaram "sendo vítimas" da polarização que criaram.

Doria seguiu a mesma linha. "O PT sempre utilizou da violência, agora sofreu da própria violência", disse o prefeito. Ele afirmou que não recomenda ovos, mas sim "a prisão" do ex-presidente. O chefe do Executivo paulistano já foi alvo de uma ovada em um evento em Salvador.

Enquanto os tucanos de São Paulo relativizam a violência, a senadora Ana Amélia (PP-RS) incentivou a violência de manifestantes de seu estado, ponto de partida da caravana de Lula. Em um encontro do PP para definir a candidatura do governo ao Rio Grande do Sul, a parlamentar elogiou os atos de manifestantes contra o ex-presidente.

"Penso que nós, o Rio Grande, sabemos fazer política de maneira respeitosa, atirar ovo, levantar relho, é para mostrar onde estamos nós, onde estão os gaúchos.", discursou. "Por isso que hoje quero cumprimentar Bagé, Santa Maria, Passo Fundo, Santana do Livramento, que botou a correr aquele povo que foi lá levando um condenado. 

Investigação

A delegacia de Laranjeiras do Sul, no interior do Estado do Paraná, aguarda para o início da próxima semana a finalização da perícia nos dois ônibus atingidos por tiros enquanto integravam a caravana do ex-presidente Lula pelo Sul do País. A Polícia Civil pediu urgência no laudo que está em fase de elaboração pelos peritos da Polícia Científica paranaense. A análise que leva ao menos 30 dias para ser feita poderá estar na mão dos investigadores na próxima segunda-feira, 2.

O laudo é um dos elementos que será levado em conta pela investigação para entender melhor as circunstâncias dos disparos que atingiram os veículos na noite da terça-feira passada. Ele poderá fornecer informações como tipo do armamento e calibre, proximidade com a qual o disparo foi efetuado e confirmar a quantidade de perfurações, e outras informações técnicas para os policiais. Além disso, são poucas os dados que a polícia de Laranjeiras tornou públicos nos últimos dias sobre o caso.

Não foi informado quantas pessoas já foram ouvidas, nem quais as linhas mais prováveis adotadas pelas equipes de apuração. A cena do crime, uma estrada permeada por curvas e ladeada por mato alto e árvores, acrescenta dificuldade para eventuais testemunhas que tenham presenciado o momento dos disparos.


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