20/04/2024 - Edição 540

True Colors

A poesia de Caio Prado para combater o racismo e a homofobia

Publicado em 23/03/2018 12:00 - Redação Semana On

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O cantor Caio Prado tem muito em comum com a vereadora Marielle Franco (Psol-RJ), executada no último dia 14. Negro, LGBT e cria da periferia do Rio de Janeiro, o compositor de 27 anos tem ainda outra característica marcante da socióloga: a inconformidade. “Não há tiros e não há covardes que executem meu canto”, entoou Caio, emocionado, em vídeo em homenagem à Marielle, publicado nas redes sociais um dia após o crime. Esse sentimento combativo está muito vivo em Incendeia, segundo álbum da carreira do artista. Ao longo de dez faixas, ele lança mão da poesia para bater de frente com o racismo, a LGBTfobia e a intolerância religiosa.

“O Brasil continua sendo o País onde uma mentira contada mil vezes se torna verdade. Há uma alienação. Por isso me vejo também como um comunicador social, acredito que vivemos um momento em que os artistas têm de levantar voz diante de tantos discursos de ódio”, afirma.

Em Variável Eloquente (2014), debut do carioca, a questão social já estava presente. É desse disco a música Não Recomendado, considerada símbolo do movimento LGBT. A canção caiu nas graças de Elza Soares e a “mulher do fim do mundo” incluiu, no ano passado, a faixa em seu repertório nos shows. A identificação foi tão grande que Elza pediu ainda para Caio compor uma música nova para ser gravada por ela. “É uma emoção muito grande ver a Elza cantando Não Recomendado. É uma reafirmação histórica muito grande que ela se sinta representada por minha geração. Elza sofreu muito na vida e segue se posicionando muito claramente”, celebra.

Produzido por Alê Siqueira, cujo currículo acumula três prêmios Grammy Latino, Incendeia tem a MPB como base e passa pelo soul, funk e R&B. E, apesar de manter a poesia como norte (uma marca forte do artista que iniciou a carreira nos saraus), o álbum também abre mão da linguagem simbólica para falar claramente de política. É o caso da música É proibido estacionar na merda, primeiro single do trabalho.

“Acho importante que a música também seja verbo de ação. Sem colocar o dedo na ferida, a gente não consegue nada. Eu estou propondo o fim dessa servidão voluntária”, sustenta. Desde o título às fotos de divulgação, o álbum trabalha a revolta como estética. “A revolta é legítima, colocar o corpo contra o Estado é legítimo”, completa.

Além da carreira solo, Caio integra o projeto Não Recomendados ao lado de Daniel Chaudon e Diego Moraes. O “trio queer” tem tom mais festivo para celebrar a diversidade. “Vivemos uma opressão machista até dentro do meio gay. Em resposta, fazemos um show politizado, mas que tem muito close. A festa não deixa de ser uma luta”.

Caio analisa três canções

CIDADÃO ENTOJADO

”São muitos os cidadãos entojados dentro da nossa política. Eles corrompem o bem público em favor do privado. Falo na música sobre o valor agressivo da manifestação. Não estou defendendo a violência pela violência, mas sobre tensionar, sair da teoria, sair do Facebook e ir pra rua de fato”.

NOSSA SORTE

“Essa faixa é o respiro, o carinho do disco. Conto com a generosidade da participação da Maria Gadú, uma amiga que sempre esteve do meu lado, me aconselhando. Ela é um acontecimento da MPB. Nossa sorte, dentro do calor do disco, traz a tranquilidade”.

ZERA A REZA

“É a canção que eu mais gosto do Caetano Veloso e não foi tão cantada por ele, é meio lado B. Tem muito a ver com os tempos atuais, porque bate na questão da intolerância religiosa. No disco, ela é apresentada com muito suingue, unindo festa e reflexão”.

SERVIÇO

Incendeia (2018)

Disponível nas plataformas de streaming.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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