28/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Chega de tanto aiaiai

Publicado em 12/03/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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Aconteceu uma coisa horrível comigo ontem. Acreditem vocês, eu estava saindo do elevador quando, inadvertidamente, pisei no pé de uma senhora. Eu respirei fundo, porque já sabia o que estava por vir.

A mulher fez um escândalo, gritou, deu pulinhos. Eu já estava do lado de fora do elevador quando ela gritou "não vai pedir desculpas, não? Você pisou no meu pé!". Eu olhei para os céus pedindo forças.

"Desculpa? Desculpa por quê?", perguntei já me preparando para o chororô.

"Você pisou no meu pé! Doeu!", disse a mulher. Como se fosse minha culpa que o pé dela fosse frágil!

Vivemos tempos sinistros. A nossa liberdade está ameaçada por uma geração de gente privilegiada que acha que são os donos da verdade e do espaço. Francamente, senhores, essa geração do aiaiai espera que a gente passe o dia inteiro pedindo desculpas pela nossa liberdade de locomoção, olha o absurdo. Francamente.

Outro dia eu chutei a canela de um rapaz no metrô. Ele teve a cara de pau de pedir satisfações! O floquinho de neve disse que tinha machucado a canelinha. No meu tempo, a gente levava canelada no campinho o tempo todo e ninguém reclamava! Não, senhor! E se ficasse chorando só porque teve um roxinho, ainda levava um pescoção. Mas essa juventude não sabe o valor da liberdade. Tá lá na Constituição, o direito de ir e vir. Agora eu não posso exercer meu direito constitucional porque essa esquerda caviar tem canela de vidro? Aonde vamos parar? Francamente.

Voltando ao elevador, eu virei para a mulher do aiaiai e deixei bem claro que eu era um cidadão conhecedor dos meus direitos. "Minha senhora, não quer que seu pezinho de cristal doa, tire ele do caminho. Sai da frente que eu tô passando!" Ela olhou para mim como se eu fosse um boçal. Francamente.

Na minha infância, eu lembro dos clássicos da comédia e dos desenhos. Os três patetas sempre pisavam um no pé do outro. O Jerry fazia pior: já chegava dando martelada no pé do Tom. A geração de hoje, que adora problematizar tudo, não sabe apreciar o humor desses mestres de outrora. Pernalonga, hoje em dia, nem sequer seria produzido. E, se fosse, cada episódio seriam 20 minutos do coelho pedindo desculpa e perguntando se o Hortelino tava bem, se precisava de ajuda para levantar. Francamente.

Essa onda do Físicamente Correto tem que acabar. Nenhuma sociedade pode evoluir sem uns pisões, umas dedadas, uns cotovelos no olho. Eu mesmo já tomei uns chutes no calcanhar na fila do ônibus. Mas eu não fiz um escândalo, só porque arrancou uma pelinha. o cidadão estava no seu direito de se manifestar fisicamente no espaço que eu estava ocupando. Nada mais natural. Francamente.

O mundo está cada vez mais chato. Não podemos ir a lugar nenhum sem ter que falar "desculpe" e "com licença" a cada metro. Se continuar desse jeito, não sei não. Daqui a pouco vão proibir UFC. A menos que os lutadores peçam desculpa cada vez que acertarem um soco na cara do adversário. E este não é um mundo onde eu queira criar meus filhos. Um mundo onde a gente é responsável pelas consequências do usufruto dos nossos direitos na vida dos outros. Francamente.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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