08/05/2024 - Edição 540

Poder

TSE proíbe perguntas não eleitorais em pesquisa

Publicado em 09/03/2018 12:00 -

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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu reduzir a abrangência das perguntas feitas em pesquisas eleitorais neste ano.

Os ministros acrescentaram a uma resolução de dezembro o seguinte parágrafo: “Nos questionários aplicados ou a serem aplicados nas pesquisas de opinião pública […], são vedadas indagações a respeito de temas não relacionados à eleição”.

A resolução disciplina, entre outras coisas, prazos para divulgação e registro de pesquisas no TSE.

O diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, disse que as novas cláusulas podem causar confusão e, em última instância, censurar o trabalho dos institutos de pesquisa. "Pode provocar o cerceamento do livre trabalho dos institutos. Quando estamos investigando eleição, investigamos vários assuntos que fazem parte do processo eleitoral", disse.

Para a CEO do Ibope Inteligência, Márcia Cavallari Nunes, a nova norma é muito subjetiva. “O que quer dizer 'temas não relacionados às eleições'? Saber a avaliação do incumbente dos governos é importante para entendermos o voto, principalmente no contexto de reeleição”, disse.

“Por exemplo, uma denúncia que seja feita sobre um candidato durante a campanha. Não poderemos perguntar se o eleitor tomou ou não conhecimento, apesar de sabermos que poderá haver impacto na intenção de voto?”, questiona.

Para ela, se o entendimento for de que somente perguntas eleitorais poderão ser feitas, “não saberemos o efeito de apoios, da preferência partidária”. “Empobrece o entendimento do processo eleitoral”, afirmou Cavallari.

Outro parágrafo acrescentado diz que “os questionários referidos no parágrafo anterior não poderão conter afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou informação sabidamente inverídica, sob pena de suspensão de sua divulgação ou de anotação de esclarecimentos”.

"O que seria uma pergunta injuriosa? Se se perguntar se Lula deve ou não ser preso, isso é injurioso? É muito subjetivo", disse Paulino.

No fim de janeiro, o tribunal recebeu uma representação do presidenciável Jair Bolsonaro (PSC-RJ) contra uma pesquisa do Datafolha que trazia uma questão a respeito de seu patrimônio. 

“Você tomou conhecimento sobre denúncias envolvendo o aumento do patrimônio da família do deputado Jair Bolsonaro desde o início da sua carreira política?”, perguntou o instituto aos entrevistados.

Para os advogados de Bolsonaro, a pergunta atribuía a ele “a pecha de denunciado por enriquecimento ilícito, de forma manifestamente difamatória”. O texto afirma que ele nunca foi denunciado por acréscimo de patrimônio.

O Datafolha afirmou à época que o questionamento foi feito após as perguntas sobre intenção de voto, sendo, portanto, impossível que tenha exercido alguma influência no resultado obtido em relação à corrida presidencial.

Semanas antes, uma reportagem do jornal Folha de SP havia mostrado que o patrimônio de Bolsonaro se multiplicou desde 1988, início de sua carreira política.

Como os resultados da pesquisa foram divulgados em 31 de janeiro, antes de uma decisão do TSE sobre a representação, o ministro Sérgio Banhos entendeu que a ação perdeu o objeto e mandou arquivá-la sem julgar.

Segundo a assessoria do presidente do TSE, ministro Luiz Fux, as novas normas foram aprovadas por unanimidade pelo plenário da corte na última quinta-feira (1º). 

A assessoria não respondeu se as mudanças nas regras de pesquisas têm relação com o caso de Bolsonaro.

Autoritarismo

Decisão do TSE não foi precedida por debate com os institutos, não teve respaldo acadêmico ou aprovação da opinião pública, e fere princípios constitucionais ao limitar a liberdade de expressão do cidadão brasileiro, que em estado de democracia plena tem o direito de emitir sua opinião sobre qualquer assunto e recebê-la de volta posteriormente como informação.

Fora o aspecto autoritário da resolução, o procedimento gera grave problema técnico. Faz parte das atribuições de um instituto de pesquisas sério mapear e monitorar todas as variáveis que explicam e participam da composição do voto do cidadão. 

A verdadeira história de uma eleição só pode ser contada se esses fatores forem explorados no levantamento por meio de seu principal instrumento —o questionário.

Como exemplo, o Datafolha recentemente foi acionado para explicar como o ex-presidente Lula (PT), mesmo condenado à prisão, conseguia manter altos índices de intenção de voto. Hipóteses foram testadas —e se provaram correlatas ao voto no petista— por meio de um quadro de perguntas que mediam a tolerância dos brasileiros com a corrupção em determinadas circunstâncias.

Na última eleição para presidente, em 2014, mediu o impacto da morte de Eduardo Campos (PSB) no processo e tanto a aprovação do eleitor à entrada de Marina Silva (Rede) como posteriormente os fatores que envolveram a desconstrução de sua imagem.

No segundo turno, revelou por meio de análises estatísticas multivariadas a clivagem social que marcou o confronto entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB).

Os eleitores receberam todos esses resultados como informação e têm o direito de considerá-los ou não na hora de definirem o voto. 

Com a decisão recente do TSE, a população não saberia nada disso. Esses dados ficariam nos bastidores das campanhas, com suas próprias pesquisas, usados para manipular estratégias de marketing e disponíveis a poucos privilegiados.

Sem contar o prejuízo acadêmico. Disciplinas como a sociologia e a psicologia social perderiam fonte importante de repertório para a compreensão do processo de formação de opinião. 

Já estão mais do que provadas altas correlações entre variáveis de bem-estar do cidadão, avaliação do poder público, valores comportamentais e consciência de classe na composição do voto do eleitor. Com a proibição dessas perguntas no questionário, centros de estudos de importante produção deixariam de ser alimentados.

Nos EUA, há um termo que define a cobertura jornalística de uma eleição baseada apenas na observação das taxas de intenção de voto dos candidatos numa eleição —“Horse Race Polling”, algo como narrar uma corrida de cavalos, enfatizando apenas a diferença de “tempo” entre os que disputam a prova, sem atentar para capacidades, atributos, qualificações e outros aspectos que envolvam os candidatos. 

Institutos tradicionais como Gallup vêm combatendo as limitações desse tipo de acompanhamento do processo eleitoral.

Com a decisão do TSE, o Brasil vai no sentido contrário —transforma uma das mais sagradas manifestações democráticas do país num dérbi a ser explicado pelos próprios cavalos.

Para entidades, decisão do TSE sobre pesquisas prejudica informação

"As pesquisas fornecem elementos, produzem informação para que as pessoas possam tomar suas decisões", diz o diretor-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Ricardo Pedreira.

Iniciativas unilaterais como a do TSE, afirma a secretária-executiva da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Cristina Zahar, geram desconfiança porque não foram precedidas de debates públicos.

"Vemos com receio e com muita apreensão", diz Cristina. "Repudiamos toda iniciativa que possa violar nosso direito de jornalista de informar e o direito das pessoas de serem informadas", completa ela, citando como outros exemplos iniciativas no Legislativo que tentam obrigar a retirada de conteúdo sem determinação judicial.

Em última instância, afirma o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, as novas cláusulas podem censurar o trabalho dos institutos. "Projetos que tramitam no Congresso vão além e tentam impedir a divulgação de resultados de pesquisas, o que pode interditar o debate público e o acesso à informação do público amplo", diz.


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