28/03/2024 - Edição 540

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Para Trump, assassino branco é doente mental, estrangeiro é terrorista

Publicado em 16/02/2018 12:00 -

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O mundo de Donald  Trump é mesmo curioso. Quando um branco é autor de um massacre, ele tem problemas mentais. Se o assassino é estrangeiro, ele é terrorista e é preciso fechar as fronteiras dos EUA.

No dia 31 de outubro de 2017, quando um imigrante do Uzbequistão atropelou corredores e ciclistas em Nova York, matando 8 pessoas e ferindo 11, o presidente Donald Trump correu para o Twitter para condenar os estrangeiros terroristas "que vêm para os Estados Unidos matar pessoas".

"O terrorista entrou no nosso país pelo programa de loteria de visto de diversidade, uma beleza do senador (democrata) Chuck  Schumer. Eu quero (imigração) baseada em mérito", tuitou Trump após o ataque.

O programa de loteria dá vistos para cidadãos de nacionalidades pouco representadas nos Estados Unidos, e é um dos alvos da reforma migratória que Trump tenta implementar —ele quer acabar com a loteria, com os vistos em cadeia, que permitem trazer parentes, e construir o muro com o México.

"Migração em cadeia precisa acabar agora! Algumas pessoas entram, trazem a família toda, e alguns podem ser realmente maus", comentou no Twitter.

"Não vamos permitir que o Estado Islâmico retorne ou entre em nosso país após derrotá-lo no oriente Médio e outros lugares. Basta!", disse.

De fato, o assassino havia jurado lealdade ao Estado Islâmico. Mas isso não justifica dizer que todos os beneficiários da loteria de vistos ou da imigração em cadeia são terroristas.

O autor do massacre em Parkland, Flórida, é um jovem branco, de olhos claros, que era membro de uma organização supremacista cujo líder afirmou: "é inevitável que as pessoas enlouqueçam, porque vivemos em uma sociedade inerentemente doente" por causa do "hiperigualitarismo e feminismo".

O que Trump tinha a dizer sobre isso? Ele condenou os movimentos supremacistas brancos? Criticou a facilidade com que indivíduos violentos e potencialmente com perturbação mental compram fuzis semiautomáticos  AR-15? Não.

"Tantos sinais de que o atirador da Flórida tinha distúrbios mentais: foi até expulso da escola por mau comportamento. Vizinhos e colegas de classe sabiam que ele tinha problemas. É preciso avisar as autoridades nesses casos, sempre!", disse Trump no Twitter, após a tradicional mensagem de condolências.

Segundo levantamento do site Vox, desde que Trump assumiu, mais americanos foram mortos por homens americanos brancos sem conexões com o islamismo do que por terroristas estrangeiros. Foi um homem branco de 64 anos que matou 58 pessoas em Las Vegas no ano passado.

Mas não se viu Trump condenar o acesso a armas ou visões extremistas quando os assassinos eram brancos.

Quando supremacistas brancos causaram a morte de uma mulher em um protesto em Charlottesville, em agosto do ano passado, Trump afirmou que "havia culpa dos dois lados" (neonazistas e pacifistas) dizendo que "ambos eram muito violentos".

Após o tiroteio em uma igreja do Texas, em novembro passado, Trump afirmou que o massacre, que deixou 26 mortos, "não era uma situação de armas", mas "um problema de saúde mental em seu mais alto nível".

Vale lembrar que foi o próprio Trump que, no começo do ano passado, derrubou um decreto presidencial de Barack Obama que impedia pessoas que recebiam ajuda da previdência social por doença mental de comprar armas.

O Caso

O suspeito de ter matado 17 pessoas em um massacre em uma escola na Flórida na quarta (14) é um adolescente que foi expulso da escola por problemas disciplinares, era integrante de um grupo racista e costumava usar as redes sociais para mostrar seu apreço por armas, disseram ex-colegas e investigadores que cuidam do caso.

Nikolas Cruz, 19, foi preso cerca de uma hora depois de uma série de disparos na escola Marjory  Stoneman Douglas, na cidade de Parkland, disse Scott Israel, xerife do condado de Broward. Ele foi encontrado com cartuchos de munição e um fuzil estilo AR-15. Na manhã desta quinta (15), ele foi indiciado por 17 crimes de homicídio premeditado. Ainda não se sabe quais foram os motivos do ataque.

A arma que usou no massacre foi comprada de forma legal, segundo a polícia embora Cruz tivesse passado por tratamento psiquiátrico recentemente. Ele abandonou a clínica há cerca de um ano, informaram autoridades. 

Na tarde de quinta (15), um grupo de supremacistas brancos, República da Flórida, informou que Cruz era membro da agremiação, mas negou qualquer relação com o ataque. Segundo Jordan Jereb, líder da organização, as manifestações do grupo são "espontâneas e aleatórias" e a maior parte dos seus membros são jovens, disse à Associated Press.

Em redes sociais, Cruz postava fotos exibindo armas e facas, segundo os colegas. O jornal "Miami Herald" reportou que professores da escola receberam no ano passado um e-mail da direção avisando que Cruz poderia ser uma ameaça e pedindo que tomassem cuidado caso ele fosse visto no local com uma mochila. Nenhuma autoridade confirmou ainda a informação.

O xerife Israel afirmou que o adolescente foi expulso da escola por "razões disciplinares" e se transferiu para outro colégio na região ele disse não saber os detalhes que levaram à punição.

Victoria Olvera, 17, que estudou com Cruz, disse à agência de notícias Associated Press que ele foi expulso após brigar com o então namorado de sua ex-namorada. Segundo ela, os dois teriam uma relação abusiva, mas a polícia não confirmou a informação.

Colégio

Além dela, outros estudantes também disseram ter visto um comportamento violento do suspeito. 

Daniel Huerfano, que estava no colégio no momento do ataque, diz que já viu Cruz segurando armas em fotos nas redes sociais e o descreveu como alguém tímido. "Ele é aquele garoto estranho, um tipo solitário", afirmou também para a agência.  

Chad Williams, 18, também aluno da Stoneman Douglas, lembra de Cruz como um colega perturbado no ensino fundamental, e disse que o suspeito disparava o alarme de incêndio todos os dias até ser expulso.

Recentemente, Williams disse ter visto Cruz com várias revistas sobre armas quando os dois se cruzaram na escola —ele disse que o suspeito estava no local para buscar um irmão mais novo.

"Ele era louco por armas", disse Williams à agência de notícias Reuters . "Ele era meio deslocado. Não tinha muitos amigos. Ele fazia qualquer loucura para se divertir, mas era problemático".

Para Jillian Davis, 19 , que fez parte da Corporação Juvenil de Treinamento de Oficiais da Reserva com Cruz no início do ensino médio, o suspeito era um jovem discreto e calado, mas que mudava de personalidade quando ficava irritado. Ele falava muito sobre armas e facas, mas ninguém o levava a sério, disse ela à Reuters.

"Eu diria que ele não era o garoto mais normal na corporação. Com certeza havia algo errado com ele. Ele era um pouco esquisito demais", disse ela , que se formou no ano passado.

Já Dakota Mutchler, 17, disse que costumava ser amigo de Cruz, mas que os dois se distanciaram após a expulsão e não se viam há mais de um ano. "Ele passou a ficar cada vez mais estranho", afirmou para a Associated  Press. "Começou a perseguir uma amiga minha e a ameaçá-la, então eu me afastei." 

Segundo ele, Cruz postou em suas redes sociais comentários sobre matar animais e chegou a dizer que treinava em seu quintal com uma arma de ar comprimido. "Eu acho que todos tinham na cabeça que se tinha alguém que poderia fazer uma coisa dessas [um massacre], era ele", disse Mutchler.  

O prefeito do condado de Broward, onde ocorreu o massacre, Beam Furr, disse à rede de TV CNN que Cruz chegou a receber tratamento em uma clínica para tratamento psiquiátrico, mas que deixou de frequentar o local há mais de um ano. "Não é como se não houvesse preocupação com ele", disse Furr. 

O xerife Israel disse que a polícia está investigando as postagens de Cruz, mas não quis entrar em detalhes. "Já começamos a dissecar seus sites e as coisas nas redes sociais em que ele estava, e algumas das coisas que surgiram são muito, muito perturbadoras", disse. As contas dele nas redes sociais já foram apagadas. 

Histórico

Adotado ainda pequeno com o irmão biológico, Cruz perdeu a mãe há três meses, morta após contrair uma pneumonia. Lynda Cruz criara as crianças praticamente sozinha, depois que o marido morreu há 13 anos. Atualmente, ele e o irmão estavam sob os cuidados de amigos da família.

"Ninguém percebeu que havia algo errado, que sugerisse violência. Eles estão tão surpresos quanto qualquer outro", afirmou ao "Washington Post" o advogado Jim Lewis, que representa a família. "Ele só estava um pouco deprimido, mas parecia estar trabalhando nisso."

Segundo Lewis, o rifle do tipo AR-15 foi comprado pelo próprio adolescente, e ficava guardado em um armário trancado à chave, na casa da família com que ele morava. Cruz tinha a chave, mas, segundo os familiares, não havia sido visto com a arma nos últimos três meses.

O prefeito do condado de Broward, onde ocorreu o massacre, Beam  Furr, disse à rede de TV CNN que Cruz chegou a receber tratamento em uma clínica psiquiátrica, mas que deixou de frequentar o local há mais de um ano. "Não é como se não houvesse preocupação com ele", disse Furr. "Mas infelizmente nós não conseguimos achar um jeito de nos conectar com esse garoto."

Amigos de Cruz afirmaram ao "Miami Herald" que ele falava pouco da família. Roger e Lynda Cruz eram de Nova York e se mudaram para Parkland com os filhos, no início dos anos 2000.


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