24/04/2024 - Edição 540

Poder

Segovia tropeça na língua e reforça clima de suspeição

Publicado em 16/02/2018 12:00 -

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O diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segóvia, defendeu o arquivamento do inquérito que apura a suspeita de que o presidente Michel Temer (MDB-SP) recebeu propina em troca da edição de um decreto em favor da empresa Rodrimar, que opera no porto de Santos (SP). Em entrevista à Reuters, Segóvia afirmou que a PF não encontrou provas de irregularidades envolvendo o presidente.

“No final a gente pode até concluir que não houve crime. Porque ali, em tese, o que a gente tem visto, nos depoimentos as pessoas têm reiteradamente confirmado que não houve nenhum tipo de corrupção, não há indícios de qualquer tipo de recurso ou dinheiro envolvidos. Há muitas conversas e poucas afirmações que levem realmente a que haja um crime”, declarou aos repórteres Lisandra Paraguassu e Ricardo Brito.

Segundo o diretor, a tendência é que a Polícia Federal recomende o arquivamento do caso. Mas a Procuradoria Geral da República pode aceitar ou não essa recomendação.

Segóvia disse que não há indícios de que a Rodrimar tenha sido beneficiada pelo decreto, editado em 2017, nem que tenha havido oferta de propina. A PF apura se a medida que ampliou para 35 anos as concessões do setor favoreceu a empresa. Além de Temer, são investigados o ex-assessor da Presidência Rodrigo Rocha Loures, o presidente da Rodrimar, Antônio Grecco, e o diretor da empresa Ricardo Mesquita.

Este é o único inquérito em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) contra Temer. No ano passado, a Câmara barrou o andamento de duas denúncias criminais contra o presidente relacionadas à delação do Grupo J&F. Esses casos só voltarão a tramitar depois que o emedebista deixar a Presidência.

Na entrevista, o diretor da PF admitiu a possibilidade de abrir investigação interna para apurar a conduta do delegado Cleyber Malta Lopes, responsável pelos questionamentos enviados a Temer no caso. A defesa não gostou das perguntas e alegou que elas põem em xeque a “honorabilidade e a dignidade pessoal” do presidente.

Segóvia foi nomeado por Temer para o comando da PF em novembro. Sua indicação foi criticada por delegados e políticos que questionaram sua ligação com o ex-presidente José Sarney e o MDB do Maranhão. Ele foi superintendente da Polícia Federal no estado.

Delegados reagem

Delegados e peritos criminais federais reagiram negativamente às declarações de Segóvia. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também contestou a posição do diretor-geral. “Ele não pode em hipótese alguma atuar como espécie de advogado de defesa do senhor presidente Michel Temer. Ficam esclarecidos os encontros na calada da noite, em encontros fora da agenda previamente definida, com um réu em vários encontros, que é o senhor Michel Temer”, atacou Randolfe.

Integrantes do grupo de inquéritos da Lava Jato reclamaram, em grupo de delegados no Whatsapp, que foram surpreendidos pelo diretor máximo do órgão. Segundo eles, a manifestação de Segóvia é pessoal e de sua inteira responsabilidade.

“Os integrantes do Grupo de Inquéritos da Lava Jato no STF informam que a manifestação do Diretor Geral da Polícia Federal que está sendo noticiada pela imprensa, dando conta de que o inquérito que tem como investigado o Presidente da República tende a ser arquivado, é uma manifestação pessoal e de responsabilidade dele. Ninguém da equipe de investigação foi consultado ou referenda essa manifestação, inclusive pelo fato de que em três de anos de Lava Jato no STF nunca houve uma antecipação ou presunção de resultado de Investigação pela imprensa”, escreveram delegados da Lava Jato a colegas.

A Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF) classificou como “temerário” que o diretor-geral da PF fale sobre investigação da qual não faz parte. “A Polícia Federal trabalha com independência, de modo que eventuais declarações à imprensa não afetarão a rotina dos colegas dedicados à apuração citada pelo diretor”, informou a entidade por meio de nota.

ANPR se manifesta contra Segóvia

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) criticou as declarações de Fernando Segovia. Em nota, o presidente da entidade, José Robalinho Cavalcanti, diz que cabe à Procuradoria Geral da República (PGR), por meio de Raquel Dodge, e não ao diretor-geral da PF, recomendar ou não que o caso vá para o arquivo.

“Quando o país se vê diante do espetáculo dantesco de um diretor geral de polícia dando declarações no lugar dos responsáveis por uma investigação percebe-se que é sorte para a sociedade brasileira que quem determina se um inquérito policial terá proposta de arquivamento, ou se a investigação continuará em busca de novas diligências não é a polícia, e sim o Ministério Público”, diz o representante dos procuradores.

“A investigação é supervisionada pelo Ministério Público, como o são todas, que é o destinatário da prova, avaliará o momento e decidirá na apresentação ao Poder Judiciário pelo arquivamento ou denúncia”, ressalta Robalinho.

“Esse feito em particular, investigação envolvendo o presidente da República, é de atribuição exclusiva da Procuradora-Geral da República, e será Sua Excelência, e ninguém mais, representado a sociedade como Ministério Público, que determinará, na forma técnica e isenta de sempre quando estarão prontas e terminadas as investigações, para submissão da matéria ao poder Judiciário”, frisa o procurador.

Para a ANPR, Segóvia desrespeita a Polícia Federal ao se posicionar sobre uma investigação em curso. “As declarações de Segovia desrespeitaram sua própria instituição e seus subordinados. A Polícia Federal é um órgão de Estado, e não de governo, e seus profissionais são sérios, técnicos e sempre terão o Ministério Público ao seu lado todas as vezes que sua independência técnica for colocada em risco. O trabalho policial tem de ser e deve permanecer técnico e independente”, afirma Robalinho.

Intimado pelo STF

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, determinou a intimação do diretor-geral da Polícia Federal. Em despacho no último dia 10, Barroso, que é relator do caso no STF, afirma que quer ouvir Segóvia para que ele “confirme as declarações” publicadas e “se abstenha de novas manifestações a respeito”.

De acordo com Barroso, como a investigação não foi concluída e ainda há “diversas diligências pendentes”, o assunto não deveria ser “objeto de comentários públicos”.

No despacho, Luís Roberto Barroso lembra que não recebeu o relatório final do delegado encarregado pelas investigações e pede que o Ministério Público tome as providências que entender cabíveis sobre o caso. O relator do processo questiona ainda a fala em que Segóvia teria ameaçado o delegado responsável, que “deve ter autonomia para desenvolver o seu trabalho com isenção e livre de pressões”.

“Tendo em vista que tal conduta, se confirmada, é manifestamente imprópria e pode, em tese, caracterizar infração administrativa e até mesmo penal, determino a intimação do senhor diretor da Polícia Federal, delegado Fernando Segóvia, para que confirme as declarações que foram publicadas, preste os esclarecimentos que lhe pareçam próprios e se abstenha de novas manifestações a respeito”, determinou Luís Roberto Barroso.

Declarações contradizem relatório da PF sobre Temer

As declarações de Segovia são contraditas pelo mais recente relatório da corporação sobre o caso. A tese de inexistência de indícios de crime por parte do peemedebista, alvo de outras três acusações (corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de Justiça), esbarram no balanço, concluído em 15 de dezembro, em que dois analistas apontam ao delegado Cleyber Malta Lopes, responsável pelo inquérito, a necessidade de aprofundamento das investigações. O diretor-geral havia sinalizado que não haveria mais nada a fazer a respeito do assunto.

Os agentes sugerem a quebra dos sigilos telefônico, bancário e fiscal de investigados como o próprio Temer, suspeito de compor esquema de corrupção envolvendo empresas no Porto de Santos, área de influência do MDB.

Suspeição

Desde que foi indicado para substituir Leandro Daiello no comando da PF, em novembro, Segovia é visto com desconfiança por políticos e observadores da cena do poder em Brasília. Apadrinhado por caciques do MDB, particularmente pelo ex-presidente José Sarney (MA), o diretor-geral é visto como alguém a serviço do grupo de Temer para barrar investigações que o envolvam.

Segovia tem negado a acusação e dito que seu trabalho demonstrará o que fala. No entanto, a exemplo da entrevista à Reuters, o diretor-geral dá declarações que vão ao encontro da tese levantada pela oposição – a de que ele é uma das peças da estratégia peemedebista para “estancar a sangria” de investigações como a Lava Jato. Logo em sua primeira entrevista coletiva, instantes depois de tomar posse, o diretor-geral disse que uma mala com R$ 500 mil em dinheiro – entregue secretamente a Rocha Loures depois de uma espécie de roteiro depreendido de uma conversa com Temer e Joesley Batista, um dos donos da JBS – não é suficiente como prova de corrupção.

Diante da repercussão de suas declarações, Segovia fez, em reunião com representantes de entidades de delegados e agentes, no último dia 14, um mea culpa. Ele também concordou que deve se abster de novas declarações à imprensa sobre casos em andamento.

"Ele se arrepende de ter seguido por determinados caminhos, de falar da investigação sobre o presidente. Falar em entrevista sempre é muito difícil. E ele está abalado, abatido, com a repercussão toda que houve, mas deixa claro que houve uma certa distorção em relação ao que ele disse e que não houve nem haverá nenhum tipo de intervenção nem interferência nem pressão em cima dos investigadores", afirmou o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva.

Em encontro com o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luís Boudens, o diretor-geral reconheceu que teria sido "espontâneo demais" ao falar do inquérito e concordou com a sugestão de não dar mais declarações sobre investigações que estão em andamento no órgão, além de ter "mais prudência" em futuras entrevistas.

A PF preferiu não se manifestar sobre o encontro e informou que Segovia só falará sobre o assunto ao ministro do STF, Luís Barroso, na próxima segunda-feira (19).


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