26/04/2024 - Edição 540

Brasil

De aborto a auxílio-moradia, STF começa 2018 com pauta explosiva

Publicado em 01/02/2018 12:00 -

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Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) abrir o ano com pautas consideradas “mais leves”, com temas de repercussão social e ambiental, mais à frente ou mesmo em decisões paralelas, assinadas monocraticamente, os ministros da Corte terão de enfrentar temas polêmicos, espinhosos e, alguns, com impacto direto em decisões do governo de Michel Temer (MDB-SP) – como a posse suspensa da deputada Cristine Brasil (PTB-RJ) no Ministério do Trabalho e o decreto de indulto de Natal, ambos barrados pelo Supremo durante o recesso do Judiciário. Os ministros retomaram os trabalhos na última quinta-feira (1º) com duas sessões no tribunal.

A posse da nova ministra e o indulto natalino a acusados de corrupção e outros crimes, no entanto, são apenas alguns dos diversos assuntos que a suprema corte terá de enfrentar nos próximos dias, mas que ainda não constam da pauta da Corte. O auxílio-moradia, concedido a magistrados de todo o país, independentemente de o juiz morar em imóvel próprio, é um dos leões que os magistrados terão de encarar. De um lado, magistrados favoráveis ao benefício se articulam por meio das associações de magistrados. Do outro, a pressão popular pela exclusão do benefício de R$ 4,3 mil é crescente.  O tema divide a opinião da própria categoria e promete não ser uma das matérias mais fáceis.

Temas como a liberação das drogas, a ampliação da legalidade do aborto e a possibilidade de a Polícia Federal firmar colaboração premiada também devem ser decididos pelos magistrados neste ano. Hoje, as delações são realizadas pelo Ministério Público Federal. No caso do aborto, atualmente, no Brasil, a prática só é permitida em três situações: risco de morte para a mulher por causa da gestação; se a gravidez foi provocada por estupro; ou se o feto for anencéfalo (sem cérebro).

O processo sobre a linha sucessória, que pode impedir réu de ocupar interinamente a Presidência da República igualmente deverá ser pautado e votado este ano. O placar atual é de 5 votos a favor do impedimento. O processo encontra-se sob a análise do ministro Gilmar Mendes, que pediu vista durante o último julgamento do caso. Embora Cármen Lúcia já tenha avisado que não pretende pautar a ação que questiona as prisões em segunda instância, o tema pode ser levado ao plenário por algum outro ministro. Para ela, tratar do assunto após a condenação do ex-presidente Lula seria “apequenar” o Supremo.

Lava Jato

O STF também tem a missão de dar andamento a inquéritos e abrir e julgar ações penais contra mais de 200 parlamentares que respondem a acusações criminais na corte. Muitos deles estão pendurados na Operação Lava Jato.

Apesar de não haver qualquer previsão, com o esgotamento das investigações, os inquéritos de autoridades com foro privilegiado devem andar na Segunda Turma do tribunal. Passados quase quatro anos da deflagração da Operação Lava Jato, a corte, que é a instância máxima do país e responsável pelos processos envolvendo parlamentares e outras autoridades federais, ainda não condenou nenhuma autoridade envolvida no escândalo de corrupção da Petrobras. É possível ainda que o STF comece a colocar essas ações em discussão. Em Curitiba e no Rio de Janeiro, que concentram as principais ações da operação na primeira instância, pelo menos 144 pessoas já acumulam 181 condenações – algumas foram sentenciadas mais de uma vez.

Cristiane Brasil

Mais urgente, a liberação ou negativa sobre a posse da deputada Cristiane Brasil para ocupar o Ministério do Trabalho deve ter decisão a qualquer momento. Logo após Temer anunciar a nomeação da petebista veio à tona a existência de uma condenação e outro processo trabalhista contra Cristine, o que levou a Justiça a barrar a posse da nomeada.

Após essa primeira decisão, concedida no dia 8 de janeiro, uma série de recursos e decisões foram tomadas até que o caso chegasse ao Supremo. Depois dessa suspensão, o Tribunal Regional Federal da 2º Região manteve a decisão de Niterói em mais de uma manifestação. Em seguida, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) liberou a posse, que foi suspensa por liminar da presidente do Supremo, Cármen Lúcia, ainda durante o recesso do Judiciário. Cristiane é filha do ex-deputado Roberto Jefferson, um dos protagonistas no escândalo do mensalão.

Indulto natalino

Ainda no recesso, no apagar das luzes de 2017, Cármen Lúcia suspendeu o indulto de Natal  do presidente Michel Temer para presos. Editada no fim do ano passado, a medida foi considerada mais benéfica aos detentos do que em anos anteriores, com redução generosa do tempo de cumprimento das penas a condenados por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, como corrupção e lavagem de dinheiro.

Em sua decisão, que suspendeu o indulto, a presidente do STF ressaltou que a proposta não é “prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime”. A decisão da ministra foi provocada por uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), protocolada na Casa pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Nela, Raquel diz que o indulto ameaça a Operação Lava Jato, entre outras ações de combate à corrupção e ao crime em geral. O mérito da questão será analisado pelo relator, Roberto Barroso, e, se necessário, decidido em plenário.

Nos últimos dias, aliados de Temer têm defendido que a posse de Cristiane Brasil e o Indulto de Natal são de competência do presidente da República, não cabendo interferência do Judiciário. Para o constitucionalista Erick Wilson Pereira, em temas que envolvam interesses da sociedade, ainda que políticos, deve predominar a palavra final do Judiciário. “Eu não entendo como uma interferência. O que não se pode imaginar é que o Supremo venha a ter uma pauta política, em detrimento de uma pauta social, pensando que com isso vai se dar estabilidade ou governabilidade. Em muitos casos, a própria solução é pela política”, pondera.

Auxílio-moradia

Diante do impasse, das ações protocoladas no tribunal e da liberação de uma ação que tem o ministro Luiz Fux como relator, Cármen Lúcia avisou a dirigentes de associações de magistrados que vai colocar em votação, no início de março, a ação que pode acabar com o auxílio-moradia.

Há quase quatro anos, ao conceder liminar favorável à liberação geral do benefício, Fux argumentou que os magistrados federais fazem jus ao auxílio, uma vez que se trata de verba de caráter indenizatório – compatível com o regime do subsídio –, previsto pela Lei Orgânica da Magistratura (Loman) e já paga a diversos profissionais, como procuradores federais, ministros de tribunais superiores e a magistrados de 18 estados. O mérito da ação só será julgado agora. O tema é polêmico entre juristas e mais ainda para a sociedade.

Para Erick, constitucionalista, a discussão sobre o auxílio-moradia é sensível por envolver privilégio dentro da própria magistratura, o que acaba gerando desconforto diante de alguns setores corporativistas. “Isso gera um desconforto próprio para a Justiça, porque ela tem que deliberar cortando na própria carne, ou não. Essa é uma pauta que está sendo muito discutida, sobretudo pelos tores que estão usufruindo. Pregam moralidade e, ao mesmo tempo, externam moralidade para o público em geral, mas não conseguem entender qual o sentido de moralidade para eles, aplicadores do direito”, ressaltou.

Reforma trabalhista

Aprovada pelo Congresso Nacional em meio a protestos e sancionada pelo presidente Michel Temer, a nova legislação trabalhista, já em vigor no país, é alvo de mais de uma dezena de processos no Supremo. Com quase cem pontos alterados na CLT, entre outras coisas, o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, o trabalho intermitente e o pagamento de custas por parte do trabalhador que perder a ação são alguns dos temas questionados.

Condenação em segunda instância

Em ano eleitoral, apesar de a maior parte das demandas voltadas ao tema serem de resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), casos como a possibilidade do ex-presidente Lula concorrer ou não à Presidência da República deverão ser decididos pelo Supremo. Isso porque o ex-presidente foi condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), Corte de segunda instância, no último dia 24 de janeiro. Além do próprio TRF-4, Lula pode recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na tentativa de liberar sua candidatura ao Planalto.

Na ocasião do julgamento, o tribunal também decidiu aumentar a pena de Lula, que havia sido imposta pelo juiz Sérgio Moro, 9 anos e 6 meses para 12 anos e 1 mês. A Casa deverá decidir ainda sobre a prisão do petista, já que sua última instância para tentar reverter sua condenação é exatamente o Supremo Tribunal Federal.

O resultado torna o presidente inelegível, com base na Lei da Ficha Limpa. Aprovada em 2010, a lei torna inelegíveis os candidatos que tenham sido condenados em segunda instância. Em outubro do ano passado, a Corte suprema foi mais além e decidiu que a norma pode retroagir para condenados antes de a lei ter sido criada.

Apesar dos rumores sobre uma possível revisão sobre reverter a condenação em segunda instância, essa semana, Cármen Lúcia deu um recado claro ao PT, que tem elevado o tom dos ataques ao Judiciário desde a condenação do ex-presidente Lula. No que depender dela, as prisões em segunda instância não serão revistas por causa do ex-presidente. Para ela, isso seria “apequenar” o Supremo.

Primeiros dias

Na quarta-feira da próxima semana, que antecede o Carnaval, duas sessões estão marcadas no plenário, sendo uma na parte da manhã e outra na parte da tarde. Na pauta da Corte processos sobre amianto, planos de saúde e Mais Médicos predominam os próximos dias.

Um recurso extraordinário sobre a constitucionalidade da exigência legal de ressarcimento ao SUS pelos custos com o atendimento de pacientes beneficiários de planos privados de saúde, também está na pauta.

Na próxima semana, a Corte deve retomar um julgamento envolvendo uma ação que questiona decreto que regulamenta procedimento de demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de comunidades quilombolas. Ainda neste mês de fevereiro, a ministra Cármen Lúcia, responsável pela definição das pautas analisadas pelo plenário do tribunal, marcou para o dia 22 de fevereiro a possibilidade de transexuais alterarem a informação de gênero no registro civil, mesmo que não tenham passado por cirurgia de alteração de sexo.


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