29/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Entre o bolso e a empatia

Publicado em 26/01/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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O conceito de meritocracia é fundamental para a manutenção da sociedade como ela é hoje. Assim como o conceito da vida após a morte. Se não existe algum tipo de recompensa para essa ralação sem vim que chamamos de vida, fica fácil jogar tudo pro alto e, sei lá, ir morar numa comunidade nudista, à base de uma dieta de cogumelos psicotrópicos.

O problema é que, tanto a fé no sobrenatural quanto no mérito individual são conceitos de difícil aplicação no dia a dia. Taí o vidro à prova de balas do papamóvel que não me deixa mentir. Da mesma forma, quem defende a meritocracia dificilmente a pratica.

Uma mãe que faz questão de escolher a melhor escola para seu filho, por exemplo, faz uma análise cuidadosa. Pergunta se a escola é bilíngue, verifica a piscina olímpica, a quadra de esportes, a média de alunos aprovados no enem. É claro, preocupa-se também com o valor da mensalidade.

Mas o salário médio dos professores do Enzo raramente faz parte desta sabatina. A mamãe liberal quer que a Valentina tenha um professor escolhido por mérito, certo? E acredita que o melhor professor deve ganhar o melhor salário, certo? Então como ela justifica que a professora de matemática da Maria Eduarda trabalhe três turnos e ganhe 1300 reais por mês? Cadê a meritocracia para escolher o professor que o Luca merece?

O ser humano é ligeiro na esquiva quando um dilema moral coloca o bolso em confronto direto com a empatia. Qual foi a última vez que você pensou no salário do atendente antes de escolher um produto ou serviço?

Nove em dez consultores de marketing ganham fortunas aconselhando empresas sobre a importância do atendimento na retenção de seus clientes. "Um cliente satisfeito fala da sua empresa para três amigos. O insatisfeito, para sete", rumina o palestrante. E essas mesmas empresas, depois de gastarem tubos com esses magos do mercado, economizam justamente no atendimento ao cliente. Terceirizam o call center, flexibilizam os contratos dos vendedores, pagam uma miséria ao balconista. E reclamamos porque não somos recebidos com um sorriso. "Pouco profissional e amistoso", escrevemos na caixinha de reclamações.

Na fantasia liberal, o mercado deveria ser a mola propulsora da meritocracia. Quem é bom é preferido, quem é preferido ganha mais. E empresas que submetem seus empregados a um salário de fome deveriam ter seu movimento afetado. Companhias que utilizam trabalho escravo deveriam deixar de existir do dia para a noite. A Zara não deveria existir. Provavelmente, a Apple também não. Mas o ser humano é ligeiro na esquiva quando um dilema moral coloca o bolso em confronto direto com a empatia. Qual foi a última vez que você pensou no salário do atendente antes de escolher um produto ou serviço?

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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