18/04/2024 - Edição 540

Entrevista

Grave, gravíssimo, é se a Justiça só funcionar contra a esquerda

Publicado em 25/01/2018 12:00 -

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O sociólogo Celso Rocha Barros afirma que vai ser difícil para o ex-presidente Lula sobreviver politicamente após o julgamento que confirmou em segunda instância a sua condenação, mas admite que a esquerda brasileira poderá ganhar a “eleição mais imprevisível da história brasileira”.

Sociólogo doutorado por Oxford com uma tese sobre as desigualdades sociais após o colapso dos regimes comunistas no Leste europeu, Rocha Barros traça nesta entrevista os cenários da provável inelegibilidade de Lula e dos seus impactes nas eleições presidenciais de outubro deste ano.

 

Lula e o PT afirmam que o julgamento no Tribunal Regional Federal 4 (TRF4) foi um “julgamento político” ao qual não reconhecem legitimidade. A condenação por unanimidade vai alimentar nas próximas eleições presidenciais a polêmica em torno da legitimidade da democracia brasileira?

É possível, mas não acho que essa vai ser a tónica. Uma parte da esquerda deve manter esse debate aberto, mas outra parte deve começar a se deslocar para outras candidaturas (Ciro Gomes, Marina Silva, Guilherme Boulos, Manuela d’Ávila). O debate sobre legitimidade só vai continuar focado em Lula até ao fim se os outros candidatos realmente não conseguirem entusiasmar o eleitorado.

Na verdade, é provável que a discussão sobre Lula continue sobretudo entre candidatos que pretendem, com isso, manter sua imagem colada a dele (Lula ainda é muito popular). Essa certamente será a táctica dos candidatos do PT aos governos estaduais e ao parlamento.

E há um risco muito sério: Lula está sendo processado no âmbito da Lava-Jato, a maior investigação de corrupção da história brasileira. Mas a Lava-Jato está sob ataque da classe política e corre risco de ser enfraquecida nos próximos anos. Se Lula for condenado e seus adversários (contra quem também há acusações muito sérias) escaparem, aí, sim, o debate sobre a legitimidade das instituições brasileiras pode se acirrar.

Se Lula for condenado e seus adversários (contra quem também há acusações muito sérias) escaparem, aí, sim, o debate sobre a legitimidade das instituições brasileiras pode se acirrar.

Do ponto de vista das garantias do Estado de direito, o julgamento teve todas as condições para ser justo?

As declarações do presidente do TRF4 antes do julgamento foram muito infelizes, e está claro que o processo de Lula correu mais rápido do que os de outros políticos em situação semelhante. As reclamações a este respeito têm sua razão de ser.

É difícil imaginar que um julgamento desta natureza não sofra alguma contaminação política. Há um antilulismo muito forte em parte da população brasileira, e uma absolvição seria, sem dúvida, recebida com grande hostilidade pela maior parte dos media. É difícil saber o quanto isso pode influenciar a opinião dos magistrados.

Mas não acho que se tratou de um tribunal de excepção. Acho que as denúncias contra Lula realmente mereceram investigação e que o ex-Presidente não deu explicações convincentes a respeito de várias delas. A ideia de que Lula fosse chefe da corrupção brasileira, como alguns atores do judiciário e da direita brasileira tentaram vender, é, francamente, ridícula. Mas parece claro que Lula se deixou envolver no jogo tradicional brasileiro de tráfico de influências.

Nesse sentido, não acho a condenação seja, em si, ilegítima. O que será realmente grave, gravíssimo, é se a Justiça só funcionar contra a esquerda. Aí, sim, estaremos diante de uma crise institucional. E vale lembrar: no ano passado, o atual presidente, o direitista Michel Temer, conseguiu se manter no poder, apesar de acusações muito mais graves do que as que constam contra Lula. O risco de aplicação enviesada da lei é real.

As sequelas do julgamento vão permitir que, na campanha política que se avizinha, haja espaço para se discutirem as grandes questões nacionais (educação, economia, sustentabilidade da previdência, etc.)?

Esse é o principal problema. O Brasil está saindo de uma das maiores crises econômicas de sua história. Para que o país volte a crescer, é preciso que, ao menos, os debates sobre educação e previdência consigam ser preservados da contaminação do conflito político. Não estou optimista quanto a isso. Ainda há muito a fazer para conseguir preservar ao menos alguns consensos mínimos entre os campos em disputa.

O princípio da separação de poderes está em causa no Brasil com um eventual excesso de judicialização da política (como alguns analistas, principalmente da esquerda, sugerem)?

Os críticos da judicialização da política têm bons argumentos. De fato, não é normal que a eleição seja decidida nos tribunais (como pode ser, se Lula for impedido de concorrer), ou que tantos assuntos que normalmente seriam decididos no parlamento sejam tomadas pelas cortes [tribunais].

Por outro lado, não teria sido fácil evitar esse problema no contexto atual. A Lava-Jato revelou que quase todo o sistema político era financiado por cartéis que manipulavam as concorrências públicas. Quase todos os grandes atores políticos brasileiros passaram a ter problemas na Justiça. Ao mesmo tempo, a classe política vem tentando neutralizar a Lava-Jato. Há um conflito real entre a Justiça e a classe política e, embora ele às vezes saia dos limites que consideraríamos razoáveis, é difícil imaginar que algo assim não aconteceria diante das revelações da Lava-Jato.

A ideia de que Lula fosse chefe da corrupção brasileira é, francamente, ridícula. Mas parece claro que Lula se deixou envolver no jogo tradicional brasileiro de tráfico de influências.

Com Lula impedido, o PT (e os partidos da sua órbita política) tem alguma possibilidade de promover um candidato com possibilidades de ganhar? Se sim, quem considera ter mais condições para federar as sensibilidades da esquerda?

Creio que sim. A direita brasileira cometeu um erro histórico ao apoiar o impeachment de Dilma Rousseff. Agora estão amarrados a Michel Temer, o Presidente mais impopular da história. O custo de popularidade do ajuste económico, que teria sido pago por Dilma, passou a ser pago pelas forças que apoiaram o impeachment. E as forças políticas de direita também foram atingidas em cheio pela Lava-Jato. Nesse contexto, não há como descartar uma vitória da esquerda em 2018.

Com Lula fora da disputa, começaria a disputa pelo legado dos votos lulistas. O PT jura que não lançará outro candidato. Nesse cenário, os dois concorrentes mais bem colocados para receber os votos de Lula são Marina Silva e Ciro Gomes, dois ex-ministros de Lula.

Até agora, cada um deles adoptou uma estratégia diferente: Marina se posicionou para convencer os ex-petistas mais ao centro que se desiludiram com o PT diante das acusações de corrupção. Ciro adoptou um discurso mais à esquerda, tentando atrair quem continua com Lula até agora. Não sabemos qual das estratégias será mais bem sucedida.

De qualquer forma, tanto a esquerda quanto a direita entram no ano de 2018 bastante abaladas pela Lava-Jato e bastante fragmentadas. Será a eleição mais imprevisível da história brasileira.


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