29/03/2024 - Edição 540

True Colors

Dos fantasmas que batem à porta

Publicado em 16/05/2014 12:00 - Guilherme Cavalcante

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Meu ídolo acabou de me adicionar no Facebook! É verdade! Hoje cedo acessei o site e lá estava o convite, querendo de mim uma decisão. Fantástico! Maravilhoso! Eu disse sim, SIM! No entanto, com a mesma rapidez que veio, meu entusiasmo se vai: um filme passa perante meus olhos, fazendo com que eu me sinta um lixo de pessoa. Eu nunca fui o fã que meu ídolo mereceu.

Não se pode voltar no tempo e fazer diferente. E eu sinto vergonha por não ter cumprido meu papel. A verdade é que demorou um tempo até que eu reconhecesse meu ídolo nesta condição, como a figura mais forte que pude conhecer. Em muitos anos trocamos apenas duas ou três palavras. Não somos amigos, jamais fomos. Só agora sei seu sobrenome. Ele era tudo o que eu jamais gostaria de ser naquela época e enfrentou na raça as coisas que eu me esquivei o tempo inteiro, até um dia finalmente cansar.

Meu ídolo é um menino (hoje um homem) que se assumiu gay ainda na adolescência. O menino afeminado e constantemente alvo de chacota que enfrentou sozinho na escola, algo muito mais pesado do que um jovem de 13 anos deveria aguentar. Mas ele está aí, vivo, forte e consciente de quem é. Muito mais forte do que eu. E ao me adicionar, trouxe a mim  alegria, mas também todos os meus fantasmas do ensino médio, quando eu por muitas vezes neguei ser gay e silenciei diante do bullying que ele sofria (e que mais tarde também eu ia sofrer).

Meu ídolo é um menino (hoje um homem) que se assumiu gay ainda na adolescência. O menino afeminado e constantemente alvo de chacota que enfrentou sozinho na escola, algo muito mais pesado do que um jovem de 13 anos deveria aguentar.

Ao ver seu convite de amizade no Facebook, alguns fatos vieram à mente. Mil anos atrás, durante o ensino médio, a sirene tocou para que retornássemos à sala de aula. Coincidentemente estávamos caminhando lado a lado, sem trocar uma palavra. Na sequência, vários garotos ecoavam pelos corredores a palavra “bicha” em nossa direção. E naquele momento eu pedi a Deus. “Que não seja comigo, que não seja comigo, que seja com ele”. Que alívio, era com ele, que simplesmente fingiu não escutar.

Eu parei no meio do corredor e fiquei impressionado com a atitude. Tão forte, tão impenetrável… Enquanto eu, com 15 anos, rogava a Deus que a praga atingisse a outro. Um ato bem… cristão. Nada para se orgulhar.

Outra vez, durante uma festa de uma gincana no colégio, ele apareceu de sunga para mergulhar na piscina. E os meninos (outro grupo, havia vários) ficaram provocando, perguntando da parte de cima. Eu segui na onda e ri discretamente, afinal, não era comigo. E mais uma vez, ele fingiu não escutar.

Lembrei também que uma vez cheguei atrasado e o encontrei no corredor onde os retardatários ficavam esperando a próxima aula para poderem entrar. Ele saiu de uma das salas, provavelmente para ir ao banheiro. A meu lado, uma guria comentou sem a menor discrição com outra: “que nojo, esse menino é gay assumido, você acredita”? Eu permaneci calado. Não, eu não acreditava. Não dava para levar a sério a possibilidade de que alguém dois anos mais novo, lá pelos idos dos anos 90, fosse muito mais forte, resiliente e inabalável que eu.

Havia um misto de covardia e condescendência da minha parte, enquanto no dele nem sequer havia lágrimas ou súplica. Havia apenas compaixão pela minha burrice.

Em todos estes episódios, sempre após as agressões, nossos olhares se cruzaram. Havia um misto de covardia e condescendência da minha parte, enquanto no dele nem sequer havia lágrimas ou súplica. Havia apenas compaixão pela minha burrice. Quem sabe, a compreensão de que por trás da minha armadura havia alguém justamente como ele.

Ano passado, durante a onda de protestos que tomou o Brasil e que foi mimetizada em Campo Grande, o movimento LGBT de MS resolveu fazer uma intervenção contra uma possível vinda do deputado-pastor Feliciano à capital e eu participei da organização. E durante um dos encontros, um menino chamado Pedro, com 15 anos, se fez presente. Eu sei que hoje há muitos meninos de 15 anos assumidos e com a coragem que nunca tive nessa idade, mas inevitavelmente me lembrei de um certo valente que desbravou o preconceito numa escola cearense de ensino médio, quando só o que passava na minha cabeça era lutar contra minha natureza. Naquela noite, tive uma epifania – percebi que eu tinha um único e verdadeiro ídolo.

E hoje cá está ele, estampado na tela do meu computador. A foto não intimida, o sorriso é cativante. É uma pessoa feliz. A vontade que tenho é de chamá-lo no bate-papo e pedir desculpas por todas as vezes que fui covarde e que fiz seu sofrimento ser maior. Mas ainda me falta coragem…

Talvez nunca saberei se ele, naquela época, sabia do meu segredo. Aceitei seu convite de amizade, mas ainda me remoo com a vergonha da pessoa que um dia fui. Se você, meu ídolo, de repente ler este texto, sei que vai se identificar. Por favor, venha falar comigo. Eu sei que meu pedido de desculpas jamais fará minha redenção diante do adolescente omisso que fui, mas queria que você soubesse que eu realmente sinto muito. Você teve a força que eu não tive e não precisava estar sozinho nessa luta. Eu realmente sinto muito.

Criança viada, você era uma?

Eu sei que tem dois séculos que este tumblr bomba na Internet, mas só agora tive o insight de colocar na coluna. A foto acima é autoexplicativa e deixa claro que é humor da melhor espécie, politicamente engajado, criação do querido IOran Giusti, do iGay. Vale a pena visitar, porque todos nós éramos crianças viadas, doa a quem doer. Confira mais AQUI.

NOW SISSY THAT WALK!

Siiiim, siiim! O videoclipe do single de Rupaul Charles, do reality show Rupaul's Drag Race já está no ar! E traz o top 4 desta sexta temporada, Courtney Act, Bianca Del Rio, Adore Delano e Darienne Lake (que já está fora da disputa pela coroa de America's Next Drag Superstar – thank God). A propósito, a coroação da drag queen vencedora acontecerá na noite da próxima segunda-feira. Façam suas apostas! #TeamBiancaDelRio

Olimpíadas Glitter

E falando em reality show, a espera acabou! O melhor reality show produzido neste Brasil varonil estreia sua segunda temporada neste domingo, a partir das 16h30 (horário de Fortaleza) durante o programa Ênio Carlos, na TV Diário (Canal 22, Ceará).

Sim, o quadro que fez com que as divas Rochelle Santrelly, Sangallo e D’mon “mitassem” na Internet está de volta com novas competidoras e uma bee no meio. É como Madre Thereza dizia: luxo, poder, riqueza e sedução!

A True Colors já tem sua favorita, somos #teamIsabellyMutante. O trailer da temporada você confere no vídeo acima. Para saber mais sobre este maravilhoso quadro da TV cearense, clique AQUI! E o streaming você consegue no Google, tá? Muahahaha!

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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