19/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O fantasma do pão duro

Publicado em 16/05/2014 12:00 - Rodrigo Amém

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O medo é uma arma na luta pela sobrevivência. Depois de centenas de milhares de anos de evolução, carregamos os alarmes que nossos antepassados aprenderam a identificar como perigos iminentes. Tememos o escuro que potencialmente esconde perigos. Tememos animais com grandes presas que podem nos devorar. Tememos aranhas cujo veneno por ser letal.

A literatura e o cinema de horror bebem dessa fonte ancestral. Os monstros que tememos residem no nosso DNA e foram lá plantados pelo nosso passado. Os vampiros, com suas presas afiadas, acionam nossos primitivos alarmes contra grandes predadores. O medo de ser devorado vivo é pré-histórico, mas inspirou monstros do cinema de Drácula a Hannibal Lector.

Atribui-se a Mark Twain uma máxima do ofício literário: “Escreva sobre o que você conhece”. Quanto mais verdadeira a relação entre o autor e a mensagem, maior será o impacto no imaginário do leitor.  Os grandes mestres do horror admitem: suas fabulações nascem da verdade dos seus próprios medos. Stephen King: “Nós inventamos horrores para lidar com nossos medos reais”. Alfred Hitchcock: "A única maneira de me livrar dos meus medos é fazer filmes sobre eles."

O medo é uma arma na luta pela sobrevivência. Depois de centenas de milhares de anos de evolução, carregamos nossos alarmes.

O Partido dos Trabalhadores veiculou uma nova campanha publicitária, bem diferente da linguagem tradicional do partido. Nos vídeo em preto e branco, pessoas olham com horror para suas próprias imagens, numa insinuada miséria passada. “Não podemos deixar que os fantasmas do passado voltem e levem tudo o que conseguimos com tanto esforço”, professa a voz descarnada.  Mais Zé do Caixão, impossível.

A direita, claro, deu um duplo twist carpado de alegria. É a “reginaduartização” do PT, abrindo mão do promissório eleitoral pelo mau agouro eleitoral. “É o esgotamento do mito do Partido dos Trabalhadores”, disse o blogueiro da Veja Reinaldo Azevedo.

Ainda que o PT tenha optado pela tática do susto eleitoral, mais importante é o há por baixo dessa escolha. Se os mestres do terror estão certos (e seu êxito artístico e comercial tendem a confirmar a premissa), o medo que o PT usa vem de dentro. A menina limpinha com o sorvete na mão, derramando uma lágrima diante da sua própria imagem maltrapilha segurando um pão velho não é uma referência ao eleitor e sua família. É como o partido se vê. É o medo que o PT sente de que as manifestações populares, o mico da copa, o mensalão e o desgaste de 15 anos no poder lhe roubem seu saboroso quitute. E o PT chora, contemplando a possibilidade de sua volta ao passado de oposição, com o pão duro na mão. A campanha finge que fala com o eleitor, mas quer assustar mesmo é o militante.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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