26/04/2024 - Edição 540

Poder

Governo não tem votos suficientes para aprovar a nova Previdência

Publicado em 01/12/2017 12:00 -

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O governo não tem os 308 votos favoráveis necessários para aprovar a reforma da Previdência, uma das principais bandeiras da gestão de Michel Temer. O texto deve ir à votação na Câmara em primeiro turno na próxima quarta-feira (6).

Ao menos 213 parlamentares devem votar contra a proposta, de acordo com enquete feita pelo jornal Folha de SP entre os dias 27 e 30 de novembro. O número torna impossível a aprovação da proposta, que precisa de votação maciça por ser tratar de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição).

Apenas 42 deputados disseram ser favoráveis ao projeto tal como apresentado pelo governo Michel Temer. Outros 11 se disseram favoráveis parcialmente, divergindo da proposta em relação a itens como exigência de idade mínima e limitação para o acúmulo de pensões.

Há ainda 44 parlamentares indecisos, 15 que afirmaram que vão seguir a posição do partido e 107 que não quiseram responder a enquete. A reportagem não conseguiu localizar 78 deputados.

A proposta apresentada pelo governo, mais enxuta do que a original, estabelece uma idade mínima de 65 anos (homens) e 62 anos (mulheres) para aposentadoria.

Outra exigência é de 15 anos de contribuição para trabalhadores do setor privado, como ocorre hoje, e de 25 anos para servidores públicos. Pela regra de cálculo proposta, serão necessários 40 anos de contribuição para receber 100% do benefício.

Na quinta-feira (30), o presidente da Câmara e aliado de Temer, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reconheceu que o governo está longe de alcançar os votos necessários para aprovação da proposta.

Um dos problemas é a posição do PSDB, que reivindicou três mudanças no projeto do governo: o acúmulo de pensão e aposentadoria até R$ 5.531 (teto do INSS), manutenção da integralidade e da paridade para servidores públicos e do valor do benefício por incapacidade permanente, seja ela causada por acidente dentro ou fora do ambiente de trabalho.

Entre a bancada tucana, 8 disseram que votarão contra a proposta, 5 que serão favoráveis e 2 que são parcialmente favoráveis. Outros 5 se disseram indecisos e 15 preferiram não se manifestar.

O partido deve fechar questão sobre a proposta na quarta-feira (6), quando as bancadas do Senado e da Câmara devem decidir a posição em reunião marcada pelo presidente interino da legenda, Alberto Goldman.

Situação parecida acontece no PMDB, partido de Temer: 10 deputados declararam voto contrário à reforma, 7 são favoráveis e 8 estão indecisos. Outros 16 não quiseram responder a enquete.

Temor

A resistência em apoiar a reforma deve-se à proximidade das eleições de 2018. Muitos deputados temem sofrer retaliações de seu eleitorado caso votem a favor de medidas impopulares, como a extinção da possibilidade de aposentadoria somente por tempo de contribuição.

As centrais sindicais, por exemplo, criticam as mudanças defendidas por Temer, que acusam de querer retirar direitos dos trabalhadores.

As entidades convocaram uma paralisação nacional contra o projeto para a próxima terça-feira (5), e prometem expor os deputados que apoiarem a PEC.

A possibilidade da reforma ser derrotada no Congresso já vem gerando apreensão entre investidores, intensificada com a posição do PSDB.

Para contornar a situação, o governo estuda barganhar com o Congresso. Uma das concessões em troca de apoio poderia ser a criação de um novo Refis (programa de parcelamento de dívidas) para microempresas e ruralistas –ainda que isso signifique perda de receitas para a União.

Temer deve ainda jantar com lideranças partidárias e ministros neste domingo para discutir a viabilidade da votação.

Deputados suicidas

O governo Michel Temer ainda tem um plano B. Ele abrange exatamente a parte da proposta original que atingia os mais pobres na reforma e que, por isso, foi retirada provisoriamente. Prevê a elevação da contribuição mínima para 25 anos, mudança que pode ser aprovada com menos votos por não se tratar de matéria constitucional.

Parlamentares da oposição estão preocupados com a aplicação de um plano B caso o governo não consiga aprovar o seu pacote principal e deseje sinalizar algo para o mercado. A banca, aliás, perdeu o pudor e dá ordens ao governo à luz do dia. Repetem o mesmo discurso de Temer e da cúpula do governo, de que se essa reforma não for aprovada, um meteoro atingirá o Brasil no primeiro semestre de 2018, acabando com a vida nesta porção tropical do planeta.

Enquanto o estabelecimento de uma idade mínima para todos os aposentados depende do apoio de uma emenda ao artigo 201 da Constituição Federal, a questão do tempo de contribuição pode passar como leis complementares ou ordinárias. Isso demandaria maioria absoluta (257 votos na Câmara) ou simples (maioria dos presentes em sessões deliberativas com, pelo menos, 257 parlamentares), respectivamente.

Claro que, para isso, o governo tem que contar com uma tendência política suicida dos parlamentares, uma vez que a impopular medida, às vésperas do calendário eleitoral, pode levar os já relutantes eleitores a lhes darem as costas de vez. E também com o grupo de deputados que percebeu que não irá se reeleger nem que vaca tussa pode tentar tirar o máximo proveito dos cofres públicos ao vender seu voto. E ainda com aqueles que podem ser convencidos pelos benefícios oferecidos tanto pelo governo – como o apoio à aprovação de leis ou a publicação de medidas executivas que os beneficiem e a seus patrocinadores.

Os mais pobres já se aposentam hoje, por idade – 65 anos, homens, e 60, mulheres. Para isso, é necessário um mínimo de 180 contribuições mensais (15 anos). Se esse impopular plano B passar, o número salta para uma carência de 300 contribuições (25 anos). Isso não afeta diretamente os extratos superiores da classe média, que já contribuem por mais tempo ao sistema, mas a faixa de trabalhadores mais pobres que, contudo, não entram nas categorias de pobreza extrema, beneficiadas diretamente pela assistência aos idosos pobres.

Na prática, esse pessoal vai acabar perdendo o que contribuiu e tendo que procurar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que pode ser menor que a pensão que teriam direito a receber.

De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a modalidade de aposentadoria por tempo de contribuição (com um mínimo de 35 ou 30 anos) representa apenas 29%.

E dados da própria Previdência Social apontam que 79% dos trabalhadores que se aposentaram por idade no ano de 2015 contribuíram menos de 25 anos.

O mesmo Dieese afirma que, em 2014, a média de contribuição foi de 9,1 meses a cada ano. Porque a rotatividade do mercado de trabalho e a informalidade são grandes. Ou seja, para cumprir 15 anos de contribuição, considerando essa média de nove meses de contribuição a cada 12, uma pessoa precisa, na prática, de 19,8 anos para se aposentar. Subindo para 25 anos de mínimo, o tempo de contribuição efetivo terá que ser de 33 anos. O problema é que, nas regiões mais pobres do país, a informalidade ultrapassa os 70%.

Já disse isso aqui antes, mas deputados que vendem voto são tão espertos que, se venderem a própria mãe, seriam capazes de não entregar. Portanto é difícil acreditar que haverá um suicídio coletivo na Câmara dos Deputados em nome de uma promessa que Michel Temer fez ao mercado para se manter no poder. Temer tem que fazer com que o poder econômico continue acreditando que ele quer aprovar a proposta por uma questão de sua sobrevivência e de seu grupo político.

Provavelmente, o mercado e as grandes empresas vão ter que se contentar apenas com uma Lei da Terceirização Ampla e uma Reforma Trabalhista, que tiraram a proteção sobre a saúde e a segurança da população em nome da competitividade e do lucro. Mas também com perdões de dívidas empresariais bilionárias com o governo e com uma PEC do Teto de Gastos – que congelou investimentos em áreas como educação e saúde públicas pelos próximos 20 anos para poder pagar juros de dívida.

Até diria que, daqui a pouco, o país também vai querer a liberdade em nome do crescimento. Mas ele já fez isso, ao tentar mudar o conceito de escravidão e dificultar o resgate de trabalhadores através de uma portaria ministerial que atendia aos desejos da bancada ruralista e de grandes empresas da construção civil.

Propaganda banida

A juíza Rosimayre Gonçalves de Carvalho, da 14ª Vara Federal em Brasília, mandou suspender campanha de publicidade do governo federal que apregoa supostos benefícios e sustenta que a reforma da Previdência "combate privilégios".

Em decisão tomada na quarta-feira (29), a magistrada sustenta que, em vez de conteúdo educativo, informativo ou de orientação social, como prevê a Constituição, as peças veiculadas apresentam-se como "genuína propaganda de opção política governamental" que, de forma abusiva, desinformam e manipulam a opinião pública sobre o tema. Ela argumenta também que há ofensa e desrespeito aos servidores públicos.

Na decisão, a juíza defere pedido de tutela antecipada feito pela Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil). A ordem é para que todas as ações de comunicação sejam suspensas, sob pena de multa diária de R$ 50 mil.

A AGU (Advocacia-Geral da União) informou que aguarda ser notificada para recorrer.

A campanha do governo, ao reforçar a importância da reforma para "combater privilégios", diz que "tem muita gente no Brasil que trabalha pouco, ganha muito e se aposenta cedo". Em seguida, explica que "servidores públicos ou não terão regras equivalentes". E assegura que, se as medidas passarem, o país terá "mais recursos para cuidar da saúde, da educação e da segurança de todos".

A juíza entendeu que a campanha "não divulga informações a respeito de programas, serviços ou ações do governo", mas objetiva apresentar a versão oficial sobre aquela que, "certamente, será uma das reformas mais profundas e dramáticas para a população brasileira".

Para ela, fica evidenciado o intuito de obter o apoio popular sob "um ponto de vista e conceito que, a despeito de nada informar, propaga ideia que compromete parcela significativa da população com a marca de ter privilégios.

"Não bastasse, ainda veicula desinformação no sentido de que haverá mais recursos para a área social, visto que não se confundem as fontes de custeio", escreveu.

A magistrada argumenta que o governo não se preocupou em explicar que há no país dois regimes de Previdência distintos –um para servidores públicos e outro para os demais trabalhadores, ambos contributivos e com regras próprias, sem que isso, por si só, represente "ofensa ao cânone da isonomia".

"A notícia leva a população brasileira a acreditar que o motivo do déficit previdenciário é decorrência exclusiva do regime jurídico do funcionalismo público. Essa diretriz conduz a população ao engano de acreditar que apenas os servidores públicos serão atingidos pela mudança", afirma.

Carvalho justifica que não cabe ao Judiciário avaliar as razões políticas que levaram o governo a encaminhar a reforma ao Legislativo, mas, sim, compete examinar eventuais desvios ou abusos ao usar meios de comunicação para divulgar informações desrespeitosas sobre grande número de pessoas.

Os efeitos sobre a honra e dignidade de servidores públicos, alega a juíza, serão "irreversíveis" e a influência sobre a formação da opinião pública, "indevida".


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