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Artigo da Semana

Um ministro da Saúde que quer adoecer você

Publicado em 01/11/2017 12:00 -

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Muitos se perguntam o que ele está fazendo ali, mas Ricardo Barros, engenheiro e empresário, atual ministro da Saúde, sabe muito bem: ele quer adoecer você. Sabe aqueles 3 mil reais em 10 parcelas de dívida que hoje você não tem? Pois é, ele quer que você contraia essa dívida pagando honorários médicos de hospitais privados não cobertos pelos planos de saúde. Só que quer ainda mais.

Barros teve como um de seus maiores doadores individuais nada menos que um dos sócios da Aliança, administradora de planos de saúde e sócia da Qualicorp, uma das maiores administradoras de planos de saúde no país. Ocupando o posto de ministro, Barros está preocupado com a saúde financeira das empresas. Dentre as propostas que estão apresentadas pelo relator do Projeto que modifica a lei dos planos, estão o co-pagamento e a segmentação da cobertura assistencial. Como médico vendendo minha força de trabalho para ambos os setores (público e privado), me sinto no dever de tentar dar exemplos claros.

A segmentação na assistência não significa apenas “o plano vai caber no meu bolso”. Certo dia atendi um paciente num pronto-socorro do SUS, que havia sido atendido em uma destas clinicas populares. Com esforço, pagou 120 reais numa consulta com cardiologista, e mais 200 reais num ecocardiograma. Foi diagnosticado com uma cardiopatia isquêmica grave e necessitava de um cateterismo cardíaco. O que fez a tal “Clínica popular”? Já sabendo que o paciente não teria condições de realizar tal procedimento do próprio bolso, preparou um “roteiro” para o paciente tentar o procedimento pelo SUS, só que em um hospital privado conveniado. Lá chegando recebeu um “não”, pois o hospital havia cortado tal convênio. E como ficou este paciente? Apareceu no meu plantão no pronto-socorro do SUS…

Ricardo Barros et caterva constituem o que chamo de uma Frente única contra o SUS. Querem que a população que é totalmente dependente do SUS (em torno de 150 milhões hoje) tenha acesso a cada vez menos cuidado e que o caos do setor público empurre ‘na marra’ mais pessoas a consumirem o ‘plano popular’.

Esta será a realidade de milhões, caso seja aprovada a nefasta proposta de segmentar a assistência dos planos de saúde. Quem escolher ter só consultas médicas e exames básicos, na hora que precisar de uma ressonância magnética, diante da suspeita de um tumor, vai ficar a ver navios. Se o plano não cobre internação, poderá ter um diagnóstico que necessita de cirurgia e ouvir do médico do plano “não posso fazer nada, agora é no SUS”.

A proposta de aumentar o co-pagamento, já vigente em algumas modalidades de planos, é ainda mais cruel: a cidadã se interna. Enquanto internada numa UTI, está preocupada com o custo de cada exame de sangue que está fazendo ali dentro, com cada exame de imagem. Afinal, quando ela tiver sua alta, a conta chega. Nem é preciso afirmar que esta modalidade prejudica diretamente a saúde da já enferma, como também prejudica uma prática em saúde adequada às necessidades da pessoa. Isso porque os profissionais de saúde também tentam ao máximo racionalizar os custos para aquela pessoa, enfrentando limites éticos no cotidiano.

Estas duas propostas fazem parte da base da mudança na Lei dos Planos de Saúde de Ricardo Barros, cidadão que atualmente ocupa a cadeira de ministro. O mais paradoxal é que pretendem que mais pessoas tratem a saúde como mera mercadoria. Porém, no escopo da Lei, querem dificultar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor! A ideia é aplicar a máxima do “pague e fique calado”. Isso sem falar na possibilidade de aumentar o valor dos planos a partir dos 60 anos (o que fere o estatuto do idoso), bem como aumentos de mensalidades sempre acima da inflação.

O último ponto é a cereja do bolo: querem reduzir os repasses dos planos de Saúde para o SUS quando o sistema único atende um paciente que tem plano de saúde. Na verdade, Ricardo Barros et caterva constituem o que chamo de uma Frente única contra o SUS (ver aqui). Querem que a população que é totalmente dependente do SUS (em torno de 150 milhões hoje) tenha acesso a cada vez menos cuidado e que o caos do setor público empurre “na marra” mais pessoas a consumirem o “plano popular”.

Ao fim e ao cabo, entre você e a bactéria, eles torcem para a bactéria, que faz você comprar o antibiótico.

Thiago Henrique Silva – Médico, mestre em Saúde Pública


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