26/04/2024 - Edição 540

Brasil

Portaria do trabalho escravo tem rejeição crescente no Congresso

Publicado em 20/10/2017 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Depois de críticas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) e da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, cresce no Congresso a reação à portaria por meio da qual o Ministério do Trabalho dificulta a divulgação da chamada “lista suja” do trabalho escravo, que reúne empresas e pessoas flagradas no cometimento desse crime.

Na Câmara, já são 13 os projetos de decreto legislativo protocolados por parlamentares para cancelar a norma do governo (MTB 1.129/2017); assinada pelo atual ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira. No Senado, será votada na próxima semana a urgência de votação de um projeto que susta a portaria.

Oficialmente, a portaria apenas “altera as regras de fiscalização do trabalho escravo”, mas críticos da medida apontam retrocesso na medida, também rejeitada formalmente pelo Ministério Público do Trabalho, por juízes trabalhistas e por diversas associações de classe. A reação da sociedade civil, que também envolve artistas e personalidades, encontrou eco no Congresso.

O crime [de trabalho escravo] fica sobre o anonimato. E isto patrocinado por um ministro do governo do presidente Temer. É lamentável, é absolutamente incompatível. E, por isso, isso nos motivou a apresentar esse PDC [projeto de decreto legislativo] com a pretensão de revogar essa insanidade, essa medida absolutamente extemporânea do Ministério do Trabalho, reclamou líder do PPS na Câmara, Arnaldo Jordy (PA), ao repórter Hédio Ferreira, da Agência do Rádio.

Líder do PT no Senado, Lindbergh Farias (PT-RJ) é o autor do projeto (PDS 190/2017) cujo pedido de urgência de votação será levado ao plenário. O petista também foi quem apresentou o requerimento para que a matéria seja apreciada como prioridade pelo conjunto da Casa.

“Há uma série de avanços que vêm desde a época do governo Fernando Henrique Cardoso, passando pelo presidente Lula, pela presidenta Dilma, Congresso Nacional, uma série de legislações. E eles modificam tudo por uma portaria! Isso não é possível! Na verdade, nós estamos falando do Código Penal, uma legislação que não pode ser alterada por uma portaria. [A portaria] mexe em toda a caracterização do trabalho escravo – trabalho forçado, jornada exaustiva, condição degradante… Então, é um retrocesso gigantesco”, reclamou Lindbergh em plenário.

Artilharia concentrada

Todos os projetos de decreto legislativo têm força para sustar a portaria do Ministério do Trabalho, desde que sejam aprovados em maioria absoluta nas respectivas Casas legislativas (ao menos 41 senadores ou 257 deputados). Partidos também têm se manifestado contra a Portaria 1.129/2017 junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), em ação que se soma aos dez dias dados por Raquel Dodge ao ministro do Trabalho para que a medida seja revogada.

As bancadas do PT na Câmara e no Senado já ajuizaram representação Note-se que a manifestação do Sindicato Nacional dosAuditores Fiscais do Trabalho – SINAIT (doc. 2) é também pertinente deregistro, pois destaca o intuito reiterado do atual governo em acabar comas ações de fiscalização, demonstrado, inclusive, pela exoneração dochefe da Divisão para a Erradicação do Trabalho Escravo – Detrae, logoapós sua correta postura de indignar-se publicamente contra a ausênciade previsão no projeto de lei orçamentária anual dos recursos destinadosa essa ação específica da Detrae”.

Contramão

Mesmo diante de toda pressão da sociedade, de representantes do setor e de parlamentares, o governo continua a bancar a portaria, ainda vigente – editada às vésperas da votação da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, agora por organização criminosa e obstrução de Justiça, a medida é vista como uma forma de agradar a bancada ruralista, que reúne diversos parlamentares-empresários, alguns deles acusados de trabalho escravo, dispostos a afrouxar a legislação sobre trabalho escravo. Sem os votos dos ruralistas, que são mais de 200 apenas na Câmara, Temer poderia vir a ser afastado por decisão da maioria dos deputados.

Vice-líder do governo na Câmara e um dos principais fiadores da gestão Temer, o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) falou sobre o assunto há pouco, em dia de pouquíssima movimentação na Casa. “É um governo corajoso, desbravador. Hoje eu li com atenção um grande estudioso na área do Direito do Trabalho, e ele diz que a portaria não fere critérios da OIT [Organização Internacional do Trabalho]. Está no Estadão de hoje”, argumentou o parlamentar, citando o jornal paulista, que tem se alinhado às tendências reformistas da gestão Temer.

“O que o governo está fazendo, na verdade, é enfrentar um poderoso nicho ideológico de fiscais do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho. Eles acham que todo empregador trata mal o seu empregado. Isso não é verdade. A regra é que há um bom relacionamento entre patrão e empregado e entre empregado e patrão. Evidente que existe exceções, mas ideológicos, corporativistas penalizam empresas. Estão soltos, são superpoderosos”, acusou o peemedebista.

Temer

O presidente Michel Temer decidiu que haverá mudanças na portaria. Ele revelou em entrevista ao site Poder360 que a decisão foi tomada na quinta-feira (19) com o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu que o governo rejeitasse as novas regras por considerá-las um “retrocesso”. “Ele [Nogueira] já esteve duas vezes com a doutora Raquel Dodge”, lembrou o presidente. “Recebeu sugestões. É muito provável que incorpore várias”, continuou.

Segundo o presidente, pode ser criada uma nova portaria ou apenas seja feita uma alteração na atual. Temer disse que a Polícia Federal vai criar uma delegacia para trabalho escravo e crimes previdenciários e trabalhistas. “Apesar da forte pressão de vários setores da sociedade, o presidente não deu sinal de que possa simplesmente revogar a portaria do trabalho escravo”, informa o Poder360.

Temer criticou as regras anteriores, que, segundo ele, permitiriam enquadrar até a falta de uma saboneteira e suporte para toalha como trabalho escravo. Para isso, mostrou ao site laudos de infração quem e ausência desses objetos era considerada “condição degradante de trabalho”, um dos critérios para a definição do crime.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *