18/04/2024 - Edição 540

Especial

Seu Deus pode não ser o meu

Publicado em 11/10/2017 12:00 -

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“Vai queimar no inferno”. Ao ouvir esta frase, a adolescente Kaylane Campos colocou, surpresa, a mão na cabeça, e sentiu o sangue escorrendo. A garota, que saía de uma festa de candomblé na Vila da Penha (subúrbio do Rio de Janeiro) no dia 14 de junho de 2016, vestindo a indumentária de sua religião, junto com um grupo de amigos, levou uma pedrada de um grupo que, com Bíblias em punho, insultava os praticantes da religião afro-brasileira.

“Eles estavam com a Bíblia na mão e chamavam todo mundo de ‘diabo’, dizendo que Jesus estava voltando. A gente nunca tinha vivido algo assim. É muito preconceito gratuito”, afirmou Kaylane, que no momento em que sofreu a violência tinha 11 anos de idade.

Passada a repercussão, o caso esfriou e deixou as páginas dos jornais. No entanto, pouco mais de um ano depois quase nada mudou e os adeptos de religiões de matrizes africanas continuam sofrendo com o preconceito e a intolerância religiosa.

No último dia 17 de setembro, milhares de pessoas participaram de um ato contra a intolerância religiosa na Praia de Copacabana, na zona sul do Rio. O ato, organizado pelas organizações não governamentais Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) e Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), reuniu principalmente fiéis de religiões de matriz afro-brasileira, mas também representantes de igrejas cristãs, da comunidade judaica e de outras religiões (Baha'i, wicca, kardecista, budista e Hare Krishna).

Esta foi a décima edição da Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, realizada poucos dias depois da divulgação de vídeos em que criminosos ameaçam lideranças de religiões afro-brasileiras, obrigando-os a destruir seus terreiros, localizados em comunidades carentes do Rio de Janeiro (assista aos vídeos abaixo).

O organizador da caminhada, babalawô Ivanir dos Santos, lembrou que a primeira caminhada, em 2008, foi realizada justamente por causa de um episódio em que traficantes evangélicos ameaçavam os terreiros em favelas controladas por eles.

“Nesse período, o que houve foi uma omissão das autoridades. Não houve nenhuma investigação para prender os responsáveis. A manifestação traz muita indignação, mas estamos pedindo paz. Somos um povo de paz, apesar de sermos agredidos nas ruas, nossas casas serem queimadas, nosso sagrado ser destruído, tudo o que pedimos é paz”, disse o líder religioso.

Para a representante do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, pastora luterana Lusmarina Campos Aguiar, a atitude de cristãos que agridem ou ameaçam outras religiões não é cristã. “Essa não é a perspectiva de Cristo. Não é a perspectiva dos evangelhos. Jesus diz que temos que aprender a amar uns aos outros. A lei maior do Cristo é a lei do amor”, lembrou a pastora.

O secretário nacional de Políticas de Igualdade Racial, Juvenal Araújo, informou que o Governo Federal está acompanhando de perto os desdobramentos desses recentes casos de intolerância religiosa.

A marcha foi a reação de setores civilizados da sociedade carioca diante dos casos de violência e agressão contra templos e seguidores de religiões de matriz africana, que têm aumentado de forma exponencial em todo o Brasil.

No Rio de Janeiro

Este ano, só no Rio de Janeiro, estado que historicamente apresenta o maior número de registros de intolerância religiosa no país, foram contabilizados, até o final de setembro, pelo menos 79 ataques contra terreiros ou adeptos de religiões de matrizes africanas, sendo 39 apenas nos últimos três meses.

Há poucas semanas, terreiros de candomblé em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, foram alvos de depredações. Em vídeo gravado pelos próprios criminosos, com grande repercussão nas redes sociais, uma mãe de santo aparece sendo intimidada pelos invasores, que a obrigam a quebrar objetos litúrgicos e imagens de santos do terreiro. O show de horrores é acompanhado por ameaças dos marginais, que entoam “o sangue de Jesus tem poder”, “da próxima vez eu mato”, “safadeza!”, entre outras atrocidades.

No ano passado, o terreiro Casa de Oxóssi, na Estrada Rio Bahia, em Teresópolis (RJ), foi incendiada. Mãe Luiza de Oba, dirigente do terreiro, conta que na manhã do dia 4 de novembro encontrou o local todo destruído. Ela tem certeza que foi intolerância religiosa, porque outros terreiros da região, disse ela, já haviam sido atacados.

Também no estado do Rio de Janeiro, dessa vez em São Gonçalo, outro caso de ódio religioso foi registrado em outubro do ano passado. Cinco dias após ser instalado no Jardim Bom Retiro, o portão do Centro Espírita Pai Mané de Angola amanheceu pichado com a seguinte frase: "Aqui não queremos macumba" (sic).

Um caso ocorrido em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, um mês antes, chamou atenção porque a Polícia Civil se recusar a registrar a ocorrência como intolerância religiosa. Um centro religioso foi incendiado e imagens de santos foram destruídas. Quando o responsável pelo local, Bruno Pereira, foi ao 52º DP prestar queixa, o delegado se negou a registrar o caso como intolerância religiosa e o tipificou como violação de domicílio e dano. O dirigente contou ao jornal O Dia que o delegado disse não haver provas de intolerância.

Vale lembrar que, desde 2008, uma modificação na lei brasileira considera como crimes inafiançáveis invasões a templos e agressões a religiosos de qualquer credo. A pena vai de um a três anos de detenção, sendo julgado em Varas Criminais e não mais nos Juizados Especiais.

No Brasil

Apesar dos recentes e constantes casos no Rio de Janeiro, a intolerância religiosa no Brasil não tem fronteiras estaduais. Em São Paulo, também neste ano, foram registrados 27 atos de violência contra templos e frequentadores de cultos de matriz africana, oito nas últimas três semanas.

Cartazes com dizeres neonazistas e xenófobos foram espalhados pelo município de Blumenau (SC), poucas semanas antes do início da Oktoberfest, maior festa da colônia alemã no Brasil, que acontece na cidade catarinense. Nas redes sociais, internautas denunciam as ameaças que constam nos cartazes: “Negro, comunista, antifa e macumbeiro. Estamos de olho em você”.

Em Araraquara, no interior de São Paulo, o Templo Religioso Hermínio Marques, de orientação umbandista, foi alvo, em setembro do ano passado, de um incêndio criminoso, com a destruição de mais de 60 imagens de santos.

Também em março do sano passado, o Centro Espírita Afro-Brasileiro Ilé Axé Iemanjá Ogum Té, de Mãe Noêmia Ferreira, localizado em Valparaíso (GO), foi invadido e totalmente destruído. Os autores, que não foram identificados, aproveitaram uma viagem de Noemi Ferreira, que mora com a família no mesmo terreno, para invadir e derrubar as paredes e o teto do local, e saíram sem roubar nada.

No mesmo mês, um centro de Umbanda também foi incendiado no bairro do Tijuca, em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Na ocasião, os dirigentes da casa disseram que os criminosos entraram pelo telhado, atearam fogo, destruindo toda a parte esquerda da sala e itens que as entidades usam durante os trabalhos, como capas, chapéus, perfumes e outros.

No bairro de Sobradinho II, em Brasília, cinco homens usaram gasolina e etanol para incendiar o Centro Espírita Auta de Souza, em janeiro deste ano. Algumas pessoas que dormiam no local conseguiram acordar com o calor das chamas e escapar sem ferimentos. Mas todas as janelas, o forro do teto, móveis e objetos da casa foram totalmente destruídos. Na denúncia, o promotor de Justiça Thiago Pierobom pediu o pagamento de indenização de R$ 70 mil. No documento enviado à Justiça, ele escreveu que "intolerância religiosa é um câncer social", com o "mesmo princípio que tem motivado as barbáries praticadas pelo Estado Islâmico". Em maio, a Justiça aceitou a denúncia do Ministério Público de intolerância religiosa.

No último dia 3, a mãe de santo Rosana dos Santos esteve na Assembleia Legislativa da cidade de São Paulo para falar sobre intolerância religiosa a partir da experiência assustadora que viveu no final de setembro. Seu terreiro de candomblé na cidade de Jundiaí, São Paulo, amanheceu destruído após um incêndio no dia 25. Vizinhos da mãe de santo Rosana afirmam terem visto pessoas correndo logo no início das chamas. "Esse ato criminoso foi tão ignóbil e tão vil que nem posso acreditar que tenha vindo de outra religião ou até de algum desafeto", publicou nas redes sociais. "Minha razão não entende tamanha crueldade – não comigo, mas com Deus", lamentou.

Os ataques não se restringem aos locais de culto. No dia 4 de maio de 2016, o busto de Mãe Gilda, no parque do Abaeté, em Itapuã, Salvador, foi alvo de vândalos e teve a placa de informações apagadas. Seis meses depois, o busto foi reinaugurado. As investigações já haviam sido interrompidas e o caso, arquivado sem indicar nenhum culpado.

Em Brasília, as 16 estátuas localizadas na Praça dos Orixás, no Lago Sul, são frequentemente alvos da fúria de intolerantes religiosos ou de vândalos comuns. Na madrugada do dia 11 de abril de 2016, uma pessoa ateou fogo na imagem de Oxalá. O caso foi registrado como dano ao patrimônio público, mas o presidente da Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e Entorno, Rafael Moreira, disse, na ocasião, ter certeza de se tratar intolerância religiosa. Ao portal G1, Moreira afirmou que os ataques às esculturas acontecem desde 2004, mas que ninguém nunca foi responsabilizado.

Outras religiões

Os atos de intolerância religiosa, no entanto, atingem também outras religiões. No último dia 30, um busto do espírita Chico Xavier foi alvo de pedradas em Uberaba, Minas Gerais. O monumento fica no cemitério da cidade e, apesar de ter os vidros blindados, acabou trincado.

Em janeiro, um homem foi detido por depredar santos da Catedral São João Batista, em Niterói.

Um ano antes, em janeiro de 2016, dois homens quebraram com uma marreta as mãos e o nariz – e depois atearam fogo – de uma imagem de Nossa Senhora de Caravaggio, que fica Farroupilha, na Serra Gaúcha. No final daquele mesmo mês, um adolescente de 13 anos derrubou as imagens de Nossa Senhora da Conceição e do Sagrado Coração de Jesus, que ficavam nos altares laterais da igreja-mãe da Diocese de Duque de Caxias. O padre Renato Gentile, disse que o ato de intolerância religiosa foi "provocada pela distorção da mensagem da Sagrada Escritura e pelo fundamentalismo religioso presente e difundido por algumas igrejas e que não representam a totalidade dos irmãos e irmãs de outras igrejas e doutrinas evangélicas".

Violência

A intolerância religiosa não fica só nos atos de vandalismo, invasões e incêndios. Ela também ataca as pessoas, que assim como a menina Kaylane Campos, têm sido agredidas física e moralmente, por causa da sua fé.

Em março do ano passado, o auxiliar de limpeza Paulo Silva Santos foi esfaqueado pelo vizinho, que é pastor evangélico por acender velas na rua, em Guilhermina, na Praia Grande, litoral paulista. Umbandista, Paulo fazia um trabalho religioso na esquina de casa quando o evangélico ordenou que ele desfizesse as oferendas. Após uma intensa discussão, o pastor pegou uma faca e atingiu três vezes o abdome do vizinho, que sobreviveu. O pastor confessou o crime e foi indiciado por tentativa de homicídio.

Em Aparecida de Goiânia, cidade de Goiás, uma adolescente de 16 anos foi agredida por duas colegas da escola após postar fotos na internet com um colar que remete à sua religião: o Candomblé. Cristiany Leão de Souza, de 37 anos, mãe de Isadora Jaques Leão, conta que após a foto, a filha passou a ser perseguida e chamada de "macumbeira" na escola. Os alunos organizaram uma emboscada para agredir a adolescente. No dia 5 de março de 2016, duas alunas atacaram Isadora em uma praça perto da escola onde a garota estuda. Em meio aos chutes e socos, as agressoras desafiavam a jovem a usar a "macumba" para salvá-la da situação.

Números

Dados do Disque 100, do Governo Federal, revelam que, em 2016, foram registradas 776 ocorrências de intolerância religiosa em todo país, um aumento de 36,5% em relação ao ano anterior. De 2014 para 2015, a situação foi ainda mais dramática. Os relatos passaram de 149 para 556, um crescimento de 273,1%.

O perfil das vítimas aponta que os praticantes de umbanda e candomblé, somados aos que se identificam como adeptos de religiões de matrizes africana diversas, são os alvos preferenciais dessa intolerância. Juntos, respondem por quase 25% das denúncias. Isso em um país no qual essas religiões possuem algo em torno de 3,1 milhões de adeptos (1,6% da população), de acordo com o último censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010.

Os cerca de 123 milhões de católicos (64,6% dos brasileiros) relataram 1,8% dos casos de intolerância religiosa. Os protestantes, que somam 42,3 milhões de fiéis (22,2% da população), respondem por aproximadamente 3,8% dos registros de agressão.

Segundo a Secretaria Especial de Direitos Humanos, o número de denúncias de intolerância, sobretudo voltada a religiões de matrizes africanas, aumentou 3.706% nos últimos cinco anos.

Tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2016, “O combate à intolerância religiosa no Brasil”, não por acaso, se tornou um dos assuntos de maior relevância social em debate no país.

Para o babalorixá Waldo ty Osoosi, a "naturalização" do preconceito e o desconhecimento das leis fazem com que muitos religiosos nem percebam que estão sendo vítimas de intolerância e não denunciem, o que dificulta ainda mais a consolidação real dos dados.

Na avaliação da antropóloga Christina Vital, do departamento de Sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), o aumento de igrejas e praticantes pentecostais abriu caminho para um incômodo cultural, sobretudo nas periferias e favelas do país.

Professor do Departamento de Ciência da Religião, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o cientista social Silas Guerriero concorda.  “As intolerâncias mexem com a sociedade de maneira geral, quando um grupo se acha superior ao outro. No Brasil, sempre houve uma certa tolerância religiosa. O que tem acontecido nos últimos anos é que o pentecostalismo se coloca de maneira muito fundamentalista. E esse fundamentalismo evangélico tem levado às situações de violência que estamos vendo”.

Brasileiros vão denunciar intolerância religiosa à ONU

Os inúmeros casos de violência incitaram religiosos ativistas e o Coletivo de Entidades Negras (CEN), da Bahia, a compilar dados de ataques similares para serem encaminhados à Organização das Nações Unidas (ONU).

No início do mês, a Comissão dos Terreiros Tombados da Bahia se reuniu com a subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat, para discutir maneiras de registrar e investigar episódios de violência motivados por intolerância religiosa.

Segundo Marcelo Rezende, coordenador do CEN, a ideia é "apresentar uma denúncia na ONU e na Organização dos Estados Americanos (OEA), na Corte Interamericana, sobre esses tipos de violência para responsabilizar o Estado brasileiro por omissão".

Os advogados da comissão religiosa irão argumentar que os episódios recentes ocorridos no Rio de Janeiro e em outros estados representam grave violação dos direitos humanos às religiões afro-brasileiras. Para isso, dados estão sendo colhidos também em São Paulo, Pernambuco e no Rio Grande do Sul.

No último dia 5, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa de Estado do Rio de Janeiro (Alerj) debateu o tema com a participação de diversos líderes religiosos.

“Há quase 30 anos que somos vítimas de intolerância, com ataques verbais, com pedrada na roça, com tijolo que jogam, e isso piorou até chegar a esse ponto, quando explodiram um relógio de luz em um momento que tinha muita criança. Nós ficamos muito assustados, e aí eu fiz um boletim de ocorrência”, disse Mãe de Oxalá, que participou da reunião.

O pastor Henrique Vieira, da Igreja Batista do Caminho, também compareceu à reunião e admitiu que, na maioria dos casos, a violência é promovida por fiéis protestantes que não entendem que a verdadeira mensagem do cristianismo é o amor. "Jesus disse que o critério para nós sermos reconhecidos como seus discípulos é o amor. Não é o dogma, não é a doutrina, não é um determinado modelo comportamental, é a capacidade de amar que define a experiência do Evangelho", destacou.

É o que pensa o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a liberdade de religião ou crença, Heiner Bielefeldt. “A intolerância religiosa não se origina diretamente das próprias religiões. Os seres humanos são os únicos, em última análise, responsáveis pelas interpretações de mente aberta ou intolerantes”, afirmou.

Números do preconceito

Casos de intolerância religiosa como esses exigem uma ação coordenada do Poder Público. Essa é a conclusão da publicação “Intolerância Religiosa no Brasil – Relatório e Balanço”, lançado em janeiro.

O estudo foi coordenado pelo Laboratório de História das Experiências Religiosas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em parceria com o Centro de Articulação das Populações Marginalizadas (Ceap) e a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) — formada por representantes de várias crenças, do Ministério Público, do Tribunal de Justiça do Rio e da Polícia Civil.

Em mais de 160 páginas, a publicação reúne números de denúncias compilados por serviços de governo como o Disque 100 Direitos Humanos, artigos científicos com diagnóstico do problema no país e uma proposta de plano nacional para enfrentar o problema. No início de 2016, um documento com esse teor começou a ser articulado pela Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), hoje vinculada ao Ministério da Justiça, mas não foi concluído.

Entre 2001 e 2015, o país registrou 697 casos de intolerância religiosa. Depois de atingir um pico em 2013, com 201 episódios, o número quase dobrou de 2014 para 2015, passando de 149 casos para 223. Alguns relatos, como o da menina de 11 anos agredida no Rio, de crianças judias ofendidas em um clube na zona sul carioca e de uma mulher muçulmana apedrejada na perna, na periferia de São Paulo, são analisados na publicação. O documento também aponta que vizinhos, professores e familiares estão entre os agressores mais comuns.

De acordo com um dos organizadores da publicação, o babalawô Ivanir dos Santos, doutorando em história comparada pela UFRJ e interlocutor da CCIR, o enfrentamento à discriminação exige respostas do Executivo federal, estadual e municipal, legislativos e do Judiciário, como determinam acordos internacionais ratificados pelo Brasil e o Estatuto da Desigualdade Racial, de 2010. “Primeiro, tem que tipificar a intolerância religiosa como crime, depois, ampliar medidas educativas”, afirmou.

Ivanir defende a aplicação universal da Lei 10.639, que obriga o ensino da história e culturas africanas e afro-brasileiras nas escolas. “Essa é a única saída para entender as outras culturas e respeitar o próximo. Porém, essa lei tem dificuldade de andar porque sofre grande perseguição de neopentecostais e de racistas”, afirmou.

Para fomentar a discussão do plano nacional, o livro resgata uma proposta apresentada pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, em 2013, com ações nas áreas de segurança, trabalho e educação, por exemplo.

A discussão do tema na escola é uma das recomendações da publicação. A hipótese é de que a educação tem falhado na formação de profissionais e que o atual modelo de ensino, material didático e currículos escolares deixam a violência passar despercebida, na análise da pesquisadora do Laboratório de Experiências Religiosas da UFRJ Juliana Cavalcanti. Os dados, diz, “têm demonstrado que nossas unidades de ensino, além de apresentarem um silêncio no quesito religiosidade, são também ambientes onde se manifesta o desrespeito”.

Para combater a intolerância, o estudo também cobra que o Ministério Público denuncie programas de televisão e de rádio que incentivem o ódio ou a discriminação a religiões. Outra reivindicação é que o Ministério das Comunicações puna com multa emissoras e retire programas do ar e que proíba patrocínio de órgãos e estatais a veículos com esse tipo de conteúdo.

“Quando uma pessoa tem a atitude de jogar uma pedra em uma menina ou de quebrar um santo da Igreja Católica, aquela não é uma atitude individual. A pessoa ouviu aquilo na igreja [que frequenta] e ouviu sua liderança falar nos meios de comunicação, demonizando alguns setores. Em algum momento, a emoção disparou e a pessoa fez o que fez”, avaliou Ivanir. Ele lembrou que concessões de rádio e TV são públicas e devem ser fiscalizadas. “O Poder Público tem sido omisso.”

O pastor e psicólogo da Igreja Presbiteriana Marcos Amaral concorda. “Os evangélicos não são intolerantes, mas seria tapar o sol com a peneira dizer que isso são casos soltos e não sintomas de uma orquestração muitas vezes impublicáveis. Líderes televisivos ou não, com seu discurso acabam alimentando esse clima de ódio, mas é preciso descolar esse comportamento histérico da figura de Cristo. Se há alguém, absolutamente contrário a intolerância, é a figura de Cristo. Então concluímos que a intolerância, são sintomas de pessoas que desconhecem, essas pessoas desconhecem o cristianismo”, afirma Amaral.

Na opinião de Ed René Kivitz, que há 26 atua como pastor da Igreja Batista, o momento é de "muita preocupação". Formado em Teologia e mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, Kivitz, que integra o movimento Missão Integral – que congrega diferentes lideranças evangélicas – questiona os argumentos do que considera como algumas "lideranças extremistas".

Para ele, o tom bélico assumido por alguns políticos de origem evangélica e alguns pastores que se utilizam dos meios de comunicação de massa – do "nós contra eles" – cria um "clima propício para que gente doente, ignorante, mal esclarecida e mal resolvida dê vazão aos seus impulsos de violência e de rejeição ao próximo".


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