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Brasil

Promotor paulista chama negros de catinguentos e diz ter sido ironia

Publicado em 05/10/2017 12:00 -

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Pessoas negras são “catinguentas” e costumam não tomar a quantidade certa de banhos diários, por isso acabam “fedendo mais do que o recomendável”. Essas e outras frases foram escritas pelo promotor de Justiça José Avelino Grota de Souza, que decidiu compartilhar essas conclusões em um grupo do Ministério Público de São Paulo (MP-SP).

Diante da repercussão do fato, Avelino – assim como membros do Ministério Público – afirmaram se tratar de um texto com uma série de ironias, bem como a história de trabalho do promotor seria no sentido oposto ao que ficou compreendido, mas ainda assim houve intenso debate.

O contexto tratava do debate acerca da utilização de uniformes brancos e outras práticas discriminatórias por babás no Clube Pinheiros, São Paulo. Avelino, que foi o promotor mais atuante pela investigação da discriminação pelo estabelecimento, teria lançado um texto de forma a supostamente criticar o arquivamento do procedimento que averiguava o caso. Ao fazer a crítica, no entanto, lançou mão dos seguintes trechos: 

“(…) Pobre não tem dinheiro sequer para se vestir direito, e suas roupas, assim, são também feias, o que agrava a situação estética de quem as usa. Pobre, ademais – e isso é notório -, costuma ser negro”, escreveu. E continuou: “Negro no sentido lato da classificação, o que inclui, além de que é preto, o vasto contingente de pardos, dos mais clarinhos aos mais escurinhos. E negro, como todos sabem, tem o péssimo costume de não dar muita atenção à higiene – tanto do corpo quanto da roupa”.

Para justificar o uso de roupas brancas por babás, Avelino diz que “(…) a cor branca reflete o calor do sol, em vez de absorvê-lo. É por isso que negro, em geral, é catinguento, porque sua muito e, não tomando a quantidade diária certa de banhos, acaba fedendo mais do que o recomendável“.

O texto foi publicado entre os dias 25 e 26 de agosto e somente na terça-feira (3) o promotor procurou se retratar. Avelino diz que o episódio foi uma “ironia pura, sarcasmo” e que a publicação tem origem no caso das babás. Além disso, afirmou que o jornalista Fausto Macedo, do jornal Estado de S. Paulo – que pulicou a reportagem em primeira mão – fez um recorte de forma a descontextualizar o que foi dito, a fim de favorecer um rival político na carreira que teria interesse na desinformação. 

Em nota ao jornal, ele afirma ainda que tem 26 anos de carreira no MP e que ainda este mês deve ser promovido a procurador. O promotor fez uso de argumentos nada relevantes para o caso, como, por exemplo, o fato dele ser do interior e não da capital.

Despreparo com questões estruturais

A atitude do promotor, no entanto, mostra mais uma vez o despreparo do sistema de Justiça brasileiro com questões estruturais, de acordo com a ativista negra e feminista, Joice Berth. “Primeiro porque se justifica dizendo que não pode ser racista porque é do interior, como se racismo tivesse demarcação geográfica definida. Segundo porque desconhece totalmente o significado do racismo enquanto estrutura social mantida por relações de poder e hierarquia ‘racializada’, da qual inclusive ele se beneficiou”, explica.

Já sobre a ironia, Joice é cirúrgica: “ele chama de ironia, de piada, a massificação dos estereótipos desumanizadores que pessoas negras sofrem, como consequência das dinâmicas que atuam no sistema racista, do qual ele obviamente faz parte. Como mulher negra e pesquisadora das questões raciais, afirmo que é racismo e aconselho que ele faça jus a posição que tem e estude a respeito, recorrendo a vasta literatura sobre o assunto, inclusive de colegas brilhantes de profissão, como o Dr. Adilson Moreira, por exemplo.”


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