16/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Rock in Rio é vida

Publicado em 22/09/2017 12:00 - Rodrigo Amém

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Acabou no domingo mais uma edição do festival criado por Roberto Medina nos anos 80. Lá se vão mais de 30 anos desde a primeira edição. Claro, muita coisa mudou. No tempo de sua criação, o Rock In Rio tinha o subtexto da abertura democrática, da juventude liberta da chaga da ditadura e conquistando sua liberdade de expressão.

Daí o discurso de irreverência e rebeldia do rock nos cabia feito uma luva. Daí tudo bem se Ozzy Osbourne arrancasse a cabeça de um morcego com uma mordida. Tudo bem a figura estapafúrdia da Nina Hagen, simbolizando a sede de experimentalismo da reabertura. Uma alemã imitando vocais de ópera com um visual de roqueira, numa banda com uma pegada pop industrial. E o Lobão tocando com a bateria da mangueira (sob os protestos compreensíveis dos metaleiros que tiveram que aturar o baterista da Blitz brincar de tropicalista antes de poderem ver seus ídolos de perto). Enfim, podia tudo porque, pela primeira vez, tudo parecia permitido. O clima era de legítimo otimismo a respeito do futuro.

Mas as coisas mudaram.

Pra começar, o termo rock perdeu qualquer significado concreto. Dá náusea ouvir os repórteres estagiários dos canais Globosat colhendo depoimentos de seus entrevistados: “rock é atitude”. O Rock In Rio deixou de ser rock, até porque o rock também deixou. Ainda se escalam um ou dois dinossauros por edição para atender a demanda de nostalgia. Mais ou menos como o carro da velha guarda das escolas de samba, trazendo velhinhos sentados acenando para o público. Uma triste lembrança do que eles (e o carnaval) costumavam ser nos dias de glória.

Rock in Rio não tem sentido mas, em sua defesa, nunca pretendeu ter. Somos nós que, por vontade própria ou pressão social, atribuímos significância à sua artificialidade. Em outras palavras, Rock in Rio é vida.

E, se a razão de ser do Rock in Rio não é rock, também não é a música. A diversidade da curadoria musical do evento é circunstancial, pautada por custo e benefício. Quem tem agenda, quem fez bom preço, quem pode ser encaixado numa turnê pela América do Sul. Parece há também alguns preconceitos que pautam essas decisões, mas isso não vem ao caso. Meu ponto é que a curadoria do Rock in Rio tem critérios inexpugnáveis, sem dúvida. Mas não há qualquer razão para crer que se tratam de critérios musicais.

O Rio também mudou, assim como o Brasil. Quando o nosso otimismo começou a fazer água com a alta do dólar, o festival foi passear para não subir no telhado. Os Medina, família proprietária da marca, passaram a promover edições em outros pontos do mundo. Em Portugal e Las Vegas, por exemplo, o Rock In Rio não teve Rock, nem Rio.

Sempre que questionado, Roberto Medina, o patriarca, respondia sorrindo: Rock in Rio é uma marca. No subtexto, Medina estava eximindo seu empreendimento de qualquer significado. O Rock in Rio não quer dizer nada, literalmente. Por mais que o time de marketing insistisse em penduricalhos como “Por um mundo melhor” ou “salvem a Amazônia”, o evento não está aí para isso. Rock in Rio não tem a ver com idealismos, ainda que tenha dado essa impressão inicial pelo seu contexto histórico.

Recapitulando: o Rock in Rio não tem a ver com mensagem, ideologia ou música. Tem a ver com vender batata frita, crediário de loja, empréstimo bancário. O Rock in Rio é uma celebração de identidade e de status, como todo evento de ingresso exorbitante. É um clube que atribui prestígio aos seus frequentadores. É uma festa de ostentação não muito diferente dos rodeios de Barretos ou do carnaval baiano. É um lugar para selfies, uma fantasia de fim de semana. É um lugar para jogar lixo no chão entre gritos de Uhu em defesa da mãe natureza. Tem que colete depois. Sempre tem.

Rock in Rio não tem sentido mas, em sua defesa, nunca pretendeu ter. Somos nós que, por vontade própria ou pressão social, atribuímos significância à sua artificialidade. Em outras palavras, Rock in Rio é vida.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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