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Poder de Trump para lançar um ataque nuclear atrai preocupação

Publicado em 14/09/2017 12:00 -

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O poder do presidente americano, Donald Trump, de lançar um ataque nuclear contra a Coreia do Norte de forma não provocada começou a ser discutido seriamente nos Estados Unidos.

No fim de agosto, o ex-secretário nacional de Inteligência James Clapper afirmou que a possibilidade é "assustadora e preocupante" pela instabilidade atribuída ao republicano. Ele foi criticado por Trump, mas é uma autoridade respeitada.

Os especialistas Jeffrey Brader e Jonathan Pollack propuseram, em artigo, limites aos poderes do presidente.

O acesso aos códigos nucleares foi assunto da adversária Hillary Clinton e de parlamentares, ainda que a lógica diga que Trump apenas emula ameaças retóricas de Richard Nixon de usar a bomba no Vietnã nos anos 70 ao falar em "fogo e fúria" contra a ditadura de Kim Jong-un.

De fato, Trump pode ordenar sozinho uma guerra nuclear. Só seria impedido por um motim generalizado, algo altamente improvável.

Só o Congresso pode declarar guerra, mas um ataque nuclear foi pensado como resposta a uma ação semelhante pela União Soviética ou China, na Guerra Fria.

Logo, precisaria ser decidido em minutos, já que mísseis lançados de silos chegariam a Washington em 30 minutos, prazo que cai para 12 minutos se a origem for um submarino no Atlântico.

Tais prazos podem ser fatais. Em 1979, por exemplo, um operador inseriu sem querer a simulação de um ataque soviético no sistema de defesa e por minutos a retaliação não foi ordenada.

A "bola de futebol" (americano, claro) fica com um auxiliar a 15 segundos do presidente e não pode disparar mísseis com o proverbial "botão nuclear". É uma mala com códigos, planos de ataque, procedimentos de segurança e um equipamento secreto de comunicação caso não haja linhas seguras.

Trump será conectado à sala de guerra do Pentágono e a quaisquer outras autoridades que deseje. Hollywood disseminou a ideia, descartada por especialistas, de que a ordem teria de ser validada pelo secretário de Defesa.

Trump teria, sim, de ter sua identidade checada pelo chefe-adjunto do Comando Militar Nacional. Tiraria do bolso a "bolacha", cartão com códigos a serem confrontados com uma contrassenha.

Confirmada a ordem, ela é inserida no sistema, que gera uma mensagem criptografada de 150 caracteres -10 a mais do que os tuítes tão caros a Trump. Ela é então enviada para os centros militares, que têm 1.800 ogivas nucleares de prontidão.

No solo, um esquadrão de mísseis tem cinco equipes controlando dez silos cada. Cada time tem duas pessoas, que precisam conferir os códigos com aqueles que retiraram de cofres, que também guardam chaves de disparo.

Todas devem ser giradas ao mesmo tempo no regimento, por pelo menos dois times. O tempo desde a decisão inicial é de cinco minutos.

Já o lançamento de submarinos demora dez minutos a mais, porque requer preparação extra. Ali, o capitão precisa concordar com seu imediato e dois oficiais.

O lançamento não pode ser abortado. O sistema todo é pensado para reagir rapidamente a um grande ataque ou para garantir retaliação proporcional se fosse, por exemplo, direcionado contra um único míssil norte-coreano.
Isso não quer dizer que Trump não possa lançar um ataque preventivo, o que certamente ensejaria um debate mais complexo no primeiro momento de discussão.

Alto Risco

A tensão vivida durante os 13 dias em que os EUA estiveram mais perto de uma guerra nuclear —na Crise dos Mísseis em Cuba, em outubro de 1962— se repete agora em câmera lenta com a escalada retórica e militar entre Washington e a Coreia do Norte.

A comparação é do historiador Graham Allison, que leciona em Harvard e assessorou secretários de Defesa nos governos do republicano Ronald Reagan (1981-89) e do democrata Bill Clinton (1993-2001). No deste último, foi peça importante nas negociações com a Rússia para reduzir o arsenal nuclear do rival de Guerra Fria.

"A Crise dos Mísseis de Cuba é a analogia mais próxima e o melhor exemplo para entender o que está acontecendo e o que pode acontecer", disse Allison, lembrando que o então presidente John Kennedy escolheu uma opção que considerava ter 1 chance em 3 de evitar o confronto com os soviéticos.

"O cenário hoje é extremamente perigoso, e não acho que tenhamos que esperar que [o presidente Donald] Trump esteja menos disposto a correr riscos do que o Kennedy", afirma. "Os riscos que Trump está disposto a correr são muito maiores do que podemos imaginar."

A diferença básica entre os casos, diz, é o interlocutor. Na Guerra Fria, Kennedy conseguiu negociar com o líder soviético Nikita Khrushchev a retirada dos mísseis de Cuba em troca do compromisso americano de não invadir a ilha e de retirar seus mísseis Júpiter da Turquia.

"O caso atual é complicado porque com a Coreia do Norte há um diálogo de surdos, e com a China, que é a parte mais responsável, não há sucesso", diz Allison, 77.

O especialista afirma que a proposta de sanções à Coreia do Norte que afetem as vendas de petróleo, como queriam os EUA, só teria chance de sucesso com o total comprometimento chinês —o que, por ora, não ocorreu.

"Cerca de 90% do petróleo da Coreia do Norte vem da China. Se a China for convencida a limitar essa exportação, isso pode chamar a atenção do [ditador norte-coreano] Kim Jong-un para que ele mude seu comportamento.

Mas Pequim não tem mostrado disposição em fazer isso", diz o especialista. Na segunda (11), Pequim, com Moscou, vetou o plano dos EUA no Conselho de Segurança.

Diante do impasse com a China e da instabilidade representada por Kim Jong-un, Allison diz que Trump deveria considerar a opção dada por Pequim e Moscou : Pyongyang congelaria seu programa nuclear e EUA e Coreia do Sul interromperem seus exercícios militares conjuntos. Mas a embaixadora americana na ONU, Nikki Haley, vê a proposta como "insulto".

Recado à China

Para o historiador, é difícil ter certeza se os movimentos de Trump são calculados quando ele ameaça responder à ameaça norte-coreana com "fogo e fúria" ou a "resolver sozinho" se Pequim não colaborar. O que é certo, diz, é que esses recados são voltados mais à China do que ao regime norte-coreano.

"Ele está tentando pressionar não o Kim, que é imprevisível, mas [o líder chinês] Xi Jinping a conter o aliado", diz Allison, autor de "Destined for War: Can America and China Escape Thucydides's Trap?" ("Destinados para a guerra: EUA e China podem escapar a armadilha de Tucídides?"), no qual trata da possibilidade de os dois países evitarem o confronto.

"Se Trump atacar a Coreia do Norte, Xi sabe que pode começar uma nova guerra da Coreia, e ele sabe que a primeira foi horrível. É isso que está em jogo. E desta vez [o conflito] poderia incluir a China, algo impensável."


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