25/04/2024 - Edição 540

Especial

A arte da intolerância

Publicado em 13/09/2017 12:00 -

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“Vivemos na era dos filmes dos irmãos Coen, em que a burrice – embora continue a mesma de sempre – consegue se encadear em rede, provocando eventos catastróficos e insólitos. Ainda não sabemos bem como reagir a isso, a não ser fazendo textões que nenhum dos ignorantes irá ler de qualquer modo.”

A reflexão acima, do filósofo Moysés Pinto Neto, ecoa o assombro que varreu os ambientes mais iluminados do país diante do encerramento da exposição “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira” após uma campanha de traços medievais promovida pelo Movimento Brasil Livre (MBL).

Quase um mês depois de sua inauguração no Santander Cultural, prédio localizado no Centro Histórico de Porto Alegre (RS), a exposição, prevista para ficar em cartaz até o 8 de outubro, teve no dia 9 de setembro seu último dia de visitação. No domingo (10), o Santander Cultural não abriu as portas e divulgou uma nota anunciando o seu cancelamento. Foi a reação da instituição ao movimento de protesto de entidades e pessoas que avaliaram a mostra como ofensiva, por razões que vão de "blasfêmia" no uso de símbolos católicos à difusão de "pedofilia" e "zoofilia" em alguns dos trabalhos expostos. O prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr. (PSDB) também se manifestou contra a mostra.

A mostra, com curadoria de Gaudêncio Fidelis, reunia 270 trabalhos de 85 artistas que abordavam a temática LGBT, questões de gênero e de diversidade sexual. As obras – que percorrem o período histórico de meados do século XX até os dias de hoje – são assinadas por grandes nomes como Adriana Varejão, Cândido Portinari, Fernando Baril, Hudinilson Jr., Lygia Clark, Leonilson e Yuri Firmesa.

Nas redes sociais, as mensagens e vídeos mais compartilhados pelos críticos e movimentos religiosos mostravam a pintura de um Jesus Cristo com vários braços (a obra Cruzando Jesus Cristo Deusa Schiva, de Fernando Baril) e imagens de duas crianças com as inscrições Criança viada travesti da lambada e Criança viada deusa das águas, da artista Bia Leite.

Diante da forte repercussão repentina, o Santander esclareceu, por meio de nota, em um primeiro momento, que algumas imagens da mostra poderiam provocar um sentimento contrário daquilo que discutem. No entanto, elas tinham sido criadas "justamente para nos fazer refletir sobre os desafios que devemos enfrentar em relação a questões de gênero, diversidade, violência entre outros". Dois dias depois, entretanto, o banco voltou atrás e cedeu às pressões dos críticos com medo de um forte boicote contra o Santander e de manchar a imagem da instituição financeira.

Em nova nota, no dia 10, o Santander Cultural pediu desculpas a todos os que se sentiram ofendidos por alguma obra que fazia parte da mostra. "Ouvimos as manifestações e entendemos que algumas das obras da exposição Queermuseu desrespeitam símbolos, crenças e pessoas, o que não está em linha com a nossa visão de mundo. Quando a arte não é capaz de gerar inclusão e reflexão positiva, perde seu propósito maior, que é elevar a condição humana".

A decisão gerou, no entanto, outra polêmica no meio artístico e entre internautas, que acusaram o banco de promover censura. O curador da exposição diz ter sido pego de surpresa. "Já fiz duas bienais do Mercosul, nunca tinha visto algo parecido. As manifestações foram muito organizadas e se debruçaram sobre algumas obras muito específicas, que não dão a verdadeira dimensão da exposição. Esses grupos [de críticos] mostraram uma rapidez em distorcer o conteúdo, que não é ofensivo", disse Gaudêncio Fidelis.

Gaudêncio Fidelis afirmou que foi xingado por integrantes do MBL. Além dele, frequentadores da mostra também foram abordados e ofendidos. "Eles ingressaram na exposição atacando público com câmera em punho, perguntando se gostavam de pornografia, de pedofilia. Foi um nível de agressividade que eu nunca tinha visto." Segundo Gaudêncio, os seguranças intervieram e retiraram os integrantes do MBL do local, devido aos cuidados necessários com as obras.

Questionado sobre a acusação de incitar pedofilia e zoofilia, Gaudêncio considera que as peças foram descontextualizadas e que o MBL criou uma falsa narrativa. "Isso foi feito com base em narrativa falsa, imagens e vídeos editados. O MBL resolveu transformar a exposição como plataforma de visibilidade."

Gaudêncio conta que soube do cancelamento da exposição por um amigo, via mensagem de whatsapp, ainda no domingo. "Foi um choque", declara. "Estamos diante de uma situação complicada, grave e trágica para a comunidade artística brasileira. Um grupo (MBL) decidiu o que podemos e o que não podemos ver."

Antonio Grassi, ex-presidente da Fundação Nacional de Artes e atual diretor executivo do Inhotim, afirmou ser lamentável que uma exposição seja interrompida dessa forma. "A arte é o melhor lugar para debater. Eu vejo como preocupante esse tipo de movimento que impulsiona esse tipo de intransigência com o debate. Essas ideias de intolerância são incompatíveis com a arte. É uma censura", afirmou.

O crítico de arte Moacir Dos Anjos, que já foi curador da Bienal de São Paulo, também criticou a decisão. "Rumo ao passado. E que vergonhosa a nota do Santander, querendo justificar, valendo-se de hipócrita retórica corporativa, o ato de censura que cometeu. Viva a diversidade!", escreveu no seu Facebook.

Nas redes sociais, Kim Kataguiri, um dos líderes do MBL, rebateu as críticas e disse que a sociedade brasileira se mobilizou para repudiar a exposição e o banco, com medo de perder clientes, cancelou a mostra. "Isso é um boicote que deu certo, não uma censura", escreveu. Kataguiri também publicou uma foto da obra Cena de Interior II, da artista Adriana Varejão para alegar que 800 mil reais de dinheiro público foram investidos em exposição para crianças verem pedofilia e zoofilia.

O que dizem os artistas

Varejão afirmou que a obra em questão é adulta, feita para adultos. "A pintura é uma compilação de práticas sexuais existentes, algumas históricas (como as Chungas, clássicas imagens eróticas da arte popular japonesa) e outras baseadas em narrativas literárias ou coletadas em viagens pelo Brasil. O trabalho não visa julgar essas práticas", explicou. Adriana, que tem peças nas coleções do Tate Modern, de Londres, no Museu Guggenheim, em Nova York, e na Fundação La Caixa, em Barcelona, disse ainda que, como artista, apenas busca jogar luz sobre coisas que muitas vezes existem escondidas.

Iran Giusti, criador das imagens e frases do Tumblr “Criança Viada”, que inspiram os quadros da artista Bia Leite, explicou no seu perfil no Facebook que as fotos foram enviadas, em 2012, pelos próprios donos. A obra de Bia Leite está entre as mais criticadas por supostamente fazer apologia à pedofilia. “As frases que ilustram as obras da Bia são minhas e me doeu pra caralho ver que algo que eu escrevi, que foi tão lindamente entendido por anos, acabar sendo colocado como apologia à pedofilia por tanta gente inconsequente e desinformada”, disse ele.

“Como dizer que uma obra de arte que contém imagem de zoofilia é apologia? Obras sobre crimes, sobre guerras, sobre violência são apologia para estas coisas? Vai ter boicote ao Museu do Prado que expõe ‘O Jardim das delícias terrenas’, do Bosch e que conta com várias imagens de zoofilia? A gente vai proibir a publicação de '120 dias de Sodoma', do Sade, ou 'A Casa dos Budas Ditosos', do João Ubaldo Ribeiro, por ter cenas de zoofilia? É nesse ponto que a gente chegou?”, questiona o artista.

A artista Ana Norogrando definiu como “estarrecedora” a polêmica criada em torno da exposição, “sob a égide de um discurso moralista baseado na intolerância, no preconceito e na inveja”. Para ela, a decisão do Santander Cultural em cancelar a exposição é “uma guinada à Idade Média”.

“Algumas pessoas intolerantes, em sua maioria jovens, evidenciam desconhecimento total da arte, suas manifestações e história. Resultado de nossa educação! Seres humanos insensíveis à diversidade! Lembro de meu tempo na UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), interior do RS. Há 30 anos atrás já convivíamos com a pluralidade de modo natural, fazia parte de nossa vida! Então, é assombroso assistir tudo isso, hoje, no século XXI”, escreveu ela em seu perfil no Facebook.

A ex-ministra da Cultura, Ana de Hollanda, comparou o episódio com a peça de teatro Roda Viva, proibida pela ditadura civil-militar, em 1968, após atos de violência cometidos contra o elenco por integrantes do Comando de Caça aos Comunistas (CCC).

“Ataques violentos por parte de alguns visitantes, além da campanha agressiva nas redes sociais fizeram com que os responsáveis pelo espaço cultural resolvessem fechar a exposição prevista para se estender até outubro. É a intolerância exibindo a sua cara através da força”, disse a ex-ministra em seu perfil no Facebook.

“Os indivíduos têm o direito de verem o que quiserem. O Banco poderia avisar que a mostra pode conter material ofensivo a determinadas crenças e comportamentos. Mas fechar as portas, nunca. É dar o braço a torcer para os histéricos de plantão", disse Mário Röhnelt, artista que participou da exposição.

Sandro Ka, artista visual que também participou da Queermuseu, foi peka mesma linha. “É lamentável que essa onda conservadora motivada por posições equivocadas e ignorantes tenha forçado uma instituição cultural a tomar essa posição de fechamento de uma exposição que traz uma temática importante para se pensar no mundo hoje é nas relações de poder entre grupos hegemônicos e grupos vulneráveis. A heteronorma se afirma da pior forma possível. Todos e todas perdemos com isso”.

Papel da arte é fazer pensar

Para Ana Albani de Carvalho, professora do Instituto de Artes da UFRGS e pesquisadora das relações entre arte e política, na arte moderna e contemporânea, não são raros os casos em que os artistas demonstram uma perspectiva crítica com certos temas que, muitas vezes, atingem o limite do intolerável para alguns públicos. Mas isso não significa que tais obras devam ser censuradas.

"É difícil para muitas pessoas fazerem uma apreciação de uma obra que apresenta algo polêmico, e que [na visão dos críticos] estaria fazendo uma apologia, quando na verdade essa obra tem sentido de crítica, de ironia", avalia a pesquisadora.

Essa é a missão das obras artísticas, na visão de Ana. "Propor ao espectador que faça uma reflexão sobre o tema". Por isso, um quadro com imagens de crianças, ou uma instalação com deboches à determinada religião, por exemplo, não devem ser levados ao pé da letra, nem interpretados como apologia. "Se a arte tivesse tanto poder de convencer alguém a praticar algo, considerando todas as obras que mostram coisas belas, nós viveríamos no paraíso", analisa. “A obra vai incentivar mais do que o próprio dia a dia da cidade? Do que os noticiários?”, comenta a especialista.

Já a professora e pesquisadora de educação e relações de gênero da UFRGS Jane Felipe classificou como "lamentável" a reação. "Não compreendem que o principal papel da arte é fazer pensar. Muitos ainda têm uma visão romântica da arte como sinônimo de beleza e perfeição, por isso talvez se choquem com algumas obras e não consigam entendê-las na sua dimensão de trazer algumas reflexões sobre determinados temas", entende a pesquisadora. "A arte está aí para fazer pensar e desestabilizar certezas. Não pode haver esse tipo de policiamento de uma arte mais certinha e mais palatável", complementa.

Para Jane, o problema não está na arte nem nos artistas. "O problema está no desconhecimento e desinformação das pessoas, na falta de capacidade de abstrair e refletir sobre o mundo a partir de diversos pontos de vista. É preciso admirar, isto é, olhar com atenção, ficar em silêncio e refletir sobre o que a arte tem a nos oferecer", salienta.

Já a mestre em gênero, mídia e cultura Joanna Burigo entende que a situação está relacionada com atuação de grupos conservadores, que pretendem manter a ordem e a tradição, que, para ela, limita as possibilidades de expressão. "É uma ordem social na qual sexo, sexualidade e identidade de gênero precisam ser constituídos de acordo com certas balizas: nominalmente, a heterossexualidade compulsória e a hierarquia de gênero", descreve. "Expressar-se livremente contra mecanismos de controle não é um acinte – esta é a própria livre expressão", observa ela.

Joanna diz não estar surpresa com a suspensão da exposição. "Até aí, nenhuma novidade. São eles os agentes da manutenção de uma ordem e uma tradição que excluem. O que assusta é o Santander ter acatado".

Nazistas rememorados

Para Ivana Bentes – professora, curadora e pesquisadora acadêmica – o fechamento da exposição é não somente um ataque direto à liberdade de expressão, mas também uma demonstração de uma vasta ignorância em relação as formas disruptivas que a arte utiliza para falar de comportamento, crenças, valores. “O nome disso não é liberalismo é fascismo, literalmente”, afirma.

Para Ivana, a patrulha moral que levou ao fechamento da exposição repete o nazismo alemão, nos anos 30, que passou a perseguir o que considerava uma “arte degenerada”, ligada aos movimentos vanguardistas modernos. Picasso, Matisse, Mondrian, glórias da arte mundial, foram considerados “degenerados” e execrados em exposições pelos nazistas. “Arte Degenerada” foi o título de uma mostra, montada pelos nazistas em Munique, em 1937, em que as obras modernistas eram acompanhadas de faixas e rótulos ridicularizando as peças expostas, inflamando e produzindo ódio na opinião pública.

“O MBL está usando a mesma estratégia nas redes, alimentando um exército de zumbis que veem ‘pornografia’ e ‘depravação’ em qualquer proposta que trate de diversidade, gênero, questões de comportamento, temáticas LGBT. Repete-se no Brasil de 2017 o ridículo histórico”, aponta.

Para Ivana, obras e esse tipo de exposição “nos fazem pensar, refletir questionar sobre a intolerância, o preconceito, a violência diante do outro e diante das diferenças”.

“A máquina de retrocessos que está operando no Brasil é primária e boçal, esse ato de ódio e intolerância contra artistas, contra obras, contra sujeitos que lutam para se expressar é o signo não de uma ‘arte degenerada’ mas de uma sociedade doente que não suporta a democracia, que não suporta a existência dos outros. Mas estão mexendo com o mais potente e poderoso: o ‘parlamento dos corpos’, a lei do desejo e essa é difícil de censurar ou calar”, sintetiza a pesquisadora.

Ecos de Porto Alegre

Os ecos de Porto Alegre começam a reverberar em outros Estados. Em Campo Grande (MS), por exemplo, os deputados estaduais Paulo Siufi (PMDB), Coronel Davi (PSC) e Herculano Borges (SD) foram à Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA) para “cobrar providências das autoridades policiais” em relação à exposição Cadafalso, da artista plástica mineira Alessandra Cunha, no Museu de Arte Contemporânea (Marco). Os parlamentares consideraram as obras “de caráter sexual desrespeitoso, ofensivo e impróprio, além de ferir a moral e os bons costumes”.

“Os valores estão cada vez mais invertidos. Depois da repercussão negativa da exposição do Banco Santander, infelizmente, o Museu de Arte Contemporânea (Marco) está com uma exposição que ataca os valores das famílias e incentiva a prática de pedofilia. Por isso, registramos boletim de ocorrência a fim de que a polícia possa adotar providências e que essa exposição seja cancelada imediatamente”, disse Coronel David, que já foi secretário estadual de Segurança Pública.

Mais inverossímil que a argumentação dos deputados foi a reação do delegado Fábio Sampaio, da Depca, que apreendeu um quadro da artista. A obra responsável pela polêmica, batizada de pedofilia, foi lacrada e levada pela polícia. Para Sampaio, a tela faz apologia ao estupro de vulnerável. “No quadro questionado aí, aparece uma gravura de um homem com pênis muito próximo de uma criança, embora sejam gravuras. Mas eu entendi que existiu sim o crime de apologia” afirma. Segundo o delegado, tanto a artista, quanto os curadores do museu, podem responder pelo crime de apologia. A imagem retrata uma criança acuada com a representação de órgãos masculinos. "Eu representei uma criança acuada, diante da violência. É isso mesmo. É para causar reflexão. Mas esta foi a primeira vez que isso aconteceu na contramão, que as pessoas não entenderam. Normalmente, as pessoas compreendem que se trata de uma crítica", afirmou a artista.

De acordo com a coordenadora do Marco, Lúcia Montserrat, as obras o machismo, as agressões que as mulheres sofrem e promovem questionamentos em torno desse tema. “A arte não é uma coisa passiva, e sim e discussão, de reflexão, de enfrentamento da realidade”, argumenta. "Esse tipo de ataque tem a ver com a necessidade de exposição dessas pessoas. Lamento muito que eles tenham pego uma obra que tem uma crítica muito clara e tenham tirado de contexto, por pessoas que nunca vão a um museu de fato. Mas encerrar a exposição está fora de cogitação", afirmou Montserat

O Fórum de Cultura de Campo Grande divulgou uma nota de repúdio em função da apreensão do quadro de Cunha. Para o coletivo, a artista foi vítima de censura. A nota questiona, ainda, os critérios estabelecidos pela Polícia Civil para efetuar a apreensão da obra. De acordo com a nota, a apreensão da obra revela "uma extremada posição do pensamento ultraconservador que não oferece chances ao diálogo e ao entendimento do que sejam obras de arte"..

MBL promove intolerância e intimidação

O MBL nasceu como um pequeno agrupamento liberal, originário do movimento estudantil e quando se lançou na vida pública, se dizia apartidário. Mas depois de convocar e liderar as manifestações anticorrupção, se converteu em uma ampla rede de ativistas de direita, uma página de Facebook com grande audiência e uma força política emergente que está estreitando vínculos com os partidos políticos tradicionais. Recentemente, trocou a ênfase do liberalismo pelas guerras culturais e tem empregado contra os adversários odiosas formas de agressão moral e intimidação.

As principais lideranças do MBL vieram do movimento estudantil de São Paulo e se encontraram em 2014 na organização da campanha a deputado estadual de Paulo Batista, o liberal do "raio privatizador". Inspirados pela esquerda cultural, queriam dar uma roupagem moderna e jovial ao liberalismo, tornando-o atraente para as novas gerações.

Quando ganharam proeminência pela primeira vez, em 2015, recusavam-se a se pronunciar sobre temas morais como o aborto ou legalização das drogas, evitando dividir o público que queriam atrair para o liberalismo. Mais tarde, porém, descobriram que as chamadas "guerras culturais" eram um ótimo instrumento de mobilização e que por meio do discurso punitivista e contrário aos movimentos feminista, negro e LGBTT podiam atrair conservadores morais para a causa liberal. Abraçaram então pautas como o aumento do encarceramento, o combate às cotas raciais e a Escola Sem Partido.

Assim, de face jovem que revigoraria o liberalismo brasileiro se converteram rapidamente numa espécie de tropa de choque conservadora. Nada mais sintomático dessa conversão do que ainda carregar o "livre" no nome ao mesmo tempo em que celebram a censura a uma exposição artística.

“As táticas de intimidação que foram usadas na exposição em Porto Alegre não são novidade para o grupo. Eles têm sistematicamente agredido e intimidado jornalistas, professores, estudantes e qualquer tipo de adversário”, afirma o filósofo Pablo Ortellado.

Uma organização jornalística que apura a veracidade de informações ("fact-checking") solicitou a fonte dos dados de uma campanha do MBL e recebeu como resposta a foto de um pênis de borracha com a inscrição "check this"; quando o ministro Teori Zavascki remeteu os processos de Lula para o STF, manifestantes ligados ao MBL foram até a porta da sua casa e o chamaram de "bolivariano"; uma professora que daria curso sobre sociologia dos movimentos sociais na USP teve que acionar a segurança para poder iniciar o seu curso depois que o MBL publicou sua foto e a acusou de fazer uma "pós-graduação em protestos"; pais de estudantes que ocupavam escolas em Curitiba tiveram que fazer vigílias depois que ativistas adultos ligados ao MBL iniciaram campanhas de "desocupação" e fizeram ameaças às crianças e adolescentes; jornalistas da CBN, UOL, Globo, Catraca Livre e Buzzfeed foram atacados e intimidados porque, para o MBL, faziam "fake news".

“A estratégia é sempre a mesma. Quando encontram alguém que tomam por adversário, ao invés de fazerem a batalha das ideias, com contra-argumentos direcionados à persuasão do público, preferem desqualificar e intimidar”, afirma Ortellado.

“O primeiro passo é produzir uma manchete sensacionalista para uma matéria no site Jornalivre e compartilhá-la pela página do grupo no Facebook, dando a senha para sua rede de seguidores começar a agir. Em seguida, o alvo recebe dezenas de ataques que podem ser apenas mensagens e emails de ódio, mas frequentemente incluem também ameaças de agressão —nos casos mais graves, como nas ocupações de Curitiba ou na exposição em Porto Alegre, ativistas intimidam os adversários no local diretamente. Também é comum que, em meio ao constrangimento, filmem a ação para expor os adversários nas redes sociais, celebrando a ‘vitória’ e retroalimentando o circuito de ódio e intolerância”, analisa o filósofo.

Abaixo-assinado pede reabertura de exposição

Um abaixo-assinado, organizado na internet, pede a reabertura da exposição. Até as 14h desta sexta-feira (15) mais de 70 mil pessoas já tinham participado da mobilização.

No texto do abaixo-assinado, o cancelamento da exposição é classificado como "retrocesso e a atitude exatamente contrária que deve ter um centro cultural sobre os conteúdos artísticos".

"Que seja reaberta a exposição como demostração que a sociedade não se limita a alguns segmentos ou então que cerre suas portas este pseudo centro cultural que com verba apoiada pela da lei Rounet desperdiça cultura."


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