26/04/2024 - Edição 540

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Novo áudio coloca em cheque delações da JBS e lança sombras sobre o Judiciário

Publicado em 06/09/2017 12:00 -

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“Cara, eu vou te contar um negócio, sério mesmo. Nós somos do serviço, né? (A gente) vai acabar virando amigo desse Ministério Público, você vai ver. Nóis vai virar amigo desse Janot. Nóis vai virar funcionário desse Janot. (risos). Nós vai falar a língua deles. Você sabe o que que é?”, questiona Joesley Batista ao diretor de relações institucionais da J&F, Ricardo Saud, em um dos trechos do áudio que jogou uma sombra de dúvida sobre as delações da JBS, sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Ministério Público.

Nas gravações, é possível ouvir como Joesley e os diretores da JBS atuaram para obter o acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR). Nos diálogos, os delatores relatam suposta influência sobre o ex-procurador da República Marcelo Miller que fez parte da equipe do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Além disso, citam envolvimentos de políticos e ministros da Suprema Corte. Sem se dar conta de que estão gravando a própria conversa, Joesley e Saud dizem que o caminho é chamar os delatados de “bandidos”.

“Você quer conquistar o Marcelo (Miller)? Você já achou o jeito. Cê quer conquistar o Marcelo? Você já achou o jeito. É só começar a chamar esse povo de bandido. Esses vagabundo, bandido, assim”, diz Saud. Procurador até o início do ano, Marcelo Miller deixou o Ministério Público dias antes de assumir a defesa dos delatores da J&F.

Eles dizem ainda que as delações têm de “ser a tampa do caixão” na política brasileira. “Eu quero nós dois 100% alinhado com o Marcelo…nós dois temos que operar o Marcelo direitinho pra chegar no Janot…eu acho…é o que falei com a Fernanda [possivelmente Fernanda Tórtima, advogada]…nós nunca podemos ser o primeiro, nós temos que ser o último, nós temos que ser a tampa do caixão…Fernanda, nós nunca vamos ser quem vai dar o primeiro tiro, nós vamos o último…vai ser que vai bater o prego da tampa”, diz Joesley. “Nós fomos intensos pra fazer, temos que intensos pra terminar”, completa o empresário.

Segundo eles, Fernanda, possivelmente a advogada Fernanda Tórtima, “surtou” porque, conforme os rumos da delação e de qual autoridade citassem em depoimento, os dois poderiam “entregar” o Supremo Tribunal Federal (STF).

Saud comenta, ainda, que Marcelo Miller, que trabalhou por três anos no gabinete de Janot, estava “afinado” com eles e encaminhava o acordo de delação premiada. Segundo os investigadores, o diálogo ocorreu provavelmente em 17 de março, dez dias depois da conversa gravada pelo empresário com o presidente Michel Temer, que resultou na primeira denúncia contra o presidente por corrupção, rejeitada pela Câmara.

Embora tenha pedido investigação sobre o acordo de delação premiada e ter admitido cancelar os benefícios homologados, Janot afirma que as eventuais omissões e irregularidades cometidas pelos delatores não prejudica em nada o aproveitamento das provas levantadas contra autoridades como Temer e o presidente licenciado do PSDB, Aécio Neves (MG).

Na tarde de segunda-feira (4), Janot convocou coletiva de imprensa às pressas para anunciar que as delações da JBS poderão ser anuladas. Ele classificou as conversas gravadas como “gravíssimas” e de conteúdo “exotérico”.

Apesar de o acordo de delação correr risco de ser rescindido, as provas obtidas não poderão ser anuladas, conforme ressaltou Rodrigo Janot. “Todas as provas continuam hígidas e válidas”, ressaltou o procurador-geral. Os delatores devem prestar novos depoimentos nos próximos dias. Durante o pronunciamento, Janot confirmou que os colaborares entregaram espontaneamente os áudios.

Nas gravações, feitas por engano, dois delatores citam condutas ilícitas na PGR, no Supremo Tribunal Federal (STF) e relativas ao ex-auxiliar de Janot. “[…] Além disso, há trechos no áudio que indicam a omissão dolosa de crimes praticados pelos colaboradores, terceiros e outras autoridades, envolvendo inclusive o Supremo Tribunal Federal”, diz trecho do despacho de Janot.

Ação rápida, pede Cármen Lúcia

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármem Lúcia, saiu em defesa da Corte e divulgou um vídeo no qual diz que os fatos relatados pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, agridem, “de maneira inédita na história do país, a dignidade institucional” da Corte e a honra “de seus integrantes”.

Diante das alegações, a ministra pediu urgência e prioridade na apuração, “profunda e definitiva das alegações”, em respeito aso cidadãos brasileiros e também à honra do Judiciário.

Cámem Lúcia afirma ter enviado ao diretor-geral da Polícia Federal e ao procurador-geral da República um ofício exigindo a investigação imediata, “com definição de datas para início e conclusão dos trabalhos a serem apresentados”. “Afim de que não fique qualquer sombra de dúvida sobre a dignidade deste Supremo”, alega a ministra.

Histórico

Os executivos do Grupo J&F, controladora da JBS, firmaram acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal em maio deste ano. No dia 17 daquele mês, as gravações feitas por Joesley Batista, um dos donos da JBS, vieram a público.

O presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves (PSDB-MG) também foram gravados pelo empresário. A gravação com Temer resultou na primeira denúncia de corrupção passiva apresentada contra um presidente no exercício do mandato. No dia 26 de junho, a PGR encaminhou ao STF a denúncia contra Temer e um de seus principais aliados, o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), por corrupção passiva.

Mas Temer liberou verbas e negociou cargos com deputados e, por meio da máquina pública, conseguiu que a Câmara barrasse, em 2 de agosto, a investigação enquanto o presidente estiver no exercício do mandato. Assim, salvou o peemedebista, ao menos por enquanto, e evitou a inédita investigação contra um presidente por suspeita de ter cometido crime no exercício do mandato. A segunda denúncia contra Temer, por organização criminosa, é esperada em Brasília para os próximos dias.


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