29/03/2024 - Edição 540

Auau Miau

As muitas razões pelas quais os cachorros rolam sobre as fezes

Publicado em 22/08/2017 12:00 -

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O sol brilha, os insetos voam e o som dos pássaros completa a definição de um dia bonito. No outro lado do parque, seu cachorro se movimenta empolgado. Cheirando o chão, ele de repente para e rola sobre a grama com entusiasmo antes de voltar a você. É quando você se abaixa para cumprimentá-lo que percebe: um fedor forte, almiscarado e nojento.

O seu cachorro rolou em fezes. Isso é algo pelo que a maioria dos donos de cachorro já passaram durante um passeio. Mas por que cachorros domésticos gostam tanto de rolar sobre as fezes de outros animais?

"Dizem que esses animais têm um olfato ao menos mil vezes mais sensível que os nossos", diz Simon Gadbois, um especialista em comportamento canídeo e processamento de olfato na Universidade de Dalhousie em Halifax, no Canadá. "Parece difícil de acreditar que eles queiram se cobrir de um cheiro que é insuportável até para o meu nariz, e mesmo assim eles o fazem".

Gadbois, que estudou lobos, coiotes e raposas no Canadá, também usa cachorros domesticados para ajudá-lo a encontrar animais no mato. Um de seus cães farejadores premiados, uma border collie chamada Zyla, adora se cobrir de fezes de castor toda vez que vão a campo.

"Se você nunca sentiu cheiro de fezes de castor, é horrível, realmente terrível, e fede por semanas", diz Gadbois. "Eu nunca entendi porque ela faz isso. Você poderia pensar que isso afetaria sua habilidade para sentir cheiros e encontrar outros animais, mas impressionantemente isso não afetou sua performance nem um pouco."

Os humanos domesticaram os cachorros há cerca de 15 mil anos e nós vivemos lado a lado deles desde então. É possível encontrar várias prateleiras de pesquisas sobre seu comportamento, mas há poucos estudos que exploram porque os cachorros têm tamanha afinidade com a fezes de outros animais.

Perguntamos aos leitores da BBC Earth se eles tinham alguma opinião sobre esse nojento hábito canino. A explicação mais comum é que esse comportamento resulta da evolução de seus hábitos como predadores selvagens. Por exemplo, Vesa Valenius e James Turner ambos sugeriram que isso foi herdado dos lobos, que rolam sobre as fezes para esconder seu odor das presas quando se aproximam para matá-las.

Certamente é verdade que os lobos rolam sobre as fezes de outras espécies e até mesmo de carcaças de animais mortos. Mas um dos poucos estudos sobre esse comportamento dos lobos, publicado em 1986, trouxe alguns resultados impressionantes.

Biólogos estudaram o comportamento de dois grupos de lobos cativos no Canadá ao dar a eles uma variedade de cheiros diferentes. Surpreendentemente, os lobos estavam menos interessados em rolar sobre as fezes de herbívoros como ovelhas ou cavalos: os cientistas sequer viram eles rolarem sobre esses odores. A comida também não os atraía. Em vez disso, eles preferiam odores artificiais como perfume ou óleo de motor.

Para um animal que quer disfarçar seu cheiro para sua presa, decidir-se por querer cheirar a algo tão distante de seu habitat é no mínimo surpreendente.

No entanto, os pesquisadores também descobriram que o segundo cheiro favorito dos lobos era o de fezes de outros carnívoros como ursos pretos e pumas.

"Eu tenho muitas dúvidas sobre a eficácia dessa prática na caça", diz Pat Goodmann, curadora sênior de animais do Wolf Park (Parque dos Lobos) em Indiana, nos Estados Unidos, que passou anos estudando o comportamento dos lobos de rolar para conseguir um odor. "Aqui no Parque dos Lobos, eles rolariam sobre o cheiro de canídeos desconhecidos para eles e de gatos domésticos. Isso levanta uma possibilidade forte de que os lobos selvagens podem rolar em odores de predadores também. Isso não seria um disfarce útil para a caça."

Goodmann também observa que, enquanto os lobos podem caçar ocasionalmente por meio de emboscada, eles perseguem sua presa com maior frequência, o que não exige um comportamento tão sorrateiro. Aliás, o ato de se cobrir de cheiros fortes pode ter um propósito parecido e herdado de outros parentes selvagens. Em vez de se esconder para caçar, pode ajudar a camuflar canídeos menores de outros predadores.

Samantha Harrison estava entre os que sugeriram que o comportamento poderia ser um tipo de camuflagem.

A ideia pode ser apoiada por uma pesquisa publicada em setembro de 2016 por Max Allen, um ecologista da Universidade de Wisconsin, em Madison (EUA). Ele filmou alguns comportamentos incomuns de raposas-cinzentas em câmeras remotas instaladas na região de Santa Cruz, na Califórnia. Normalmente reclusas, as raposas-cinzentas estavam visitando com regularidade lugares que pumas machos usavam para marcar território através do cheiro. As filmagens mostraram as raposas esfregando suas bochechas no chão que havia sido recém marcado pela urina de cheiro forte das pumas.

Allen acredita que as raposas estavam usando o odor deixado por esses grandes predadores felinos como uma forma de camuflagem olfativa, para se esconder de outros predadores grandes, como os coiotes.

"Os coiotes são muito maiores que as raposas-cinzentas, mas parecem querer eliminá-las já que há competição por alimentos entre eles", diz Allen. "As raposas não conseguem lutar contra eles, então elas estão explorando o cheiro da puma para conseguir algum tipo de proteção. Cheirar como um puma pode dar tempo para elas fugirem".

Sem dúvida é uma ideia interessante. Porém, ela não explica por que canídeos maiores, como lobos, também rolariam sobre o cheiro deixado por outros predadores.

Stephen Harris, da Universidade de Bristol no Reino Unido e que estudou raposas vermelhas, não compra a ideia de que as raposas usam odores felinos como camuflagem. Em vez disso, ele suspeita que os animais podem estar tentando depositar seu próprio cheiro, em vez de pegar outro.

"As raposas usam sua saliva como cheiro e também têm glândulas na região dos lábios conhecidas como glândulas circumoral", diz Harris. "Nós não sabemos a função precisa dessas glândulas de cheiro, mas você vê as raposas esfregando os lados de suas bocas e o pescoço em todo tipo de objeto. Elas frequentemente fazem isso como reação a cheiros fortes. Cheiros incomuns parecem estimulá-las".

Da mesma forma, Pietr Maynard nos disse pelo Facebook que ele achava que seu cachorro estava tentando esconder outros cheiros com o seu próprio, ou "fazer outros cachorros entenderem que eles estão prontos para proteger seu território".

No entanto, cachorros de estimação raramente se satisfazem esfregando apenas seu focinho ou seu pescoço na nojeira que eles encontram: em vez disso, eles a espalham pelo corpo todo. Philippa Baines nos disse que sua cachorra Holly se contorce e usa as patas, aparentemente esfregando as fezes em sua pele com profundidade.

Goodmann tem ainda outra explicação. Ela acha que pode ser um jeito de lobos levarem informação sobre onde eles estiveram para o resto do bando.

A fundadora do Parque dos Lobos, Erich Klinghammer, sugeriu que o comportamento pode ser uma maneira de avisar outros lobos sobre os deliciosos petiscos que eles encontraram enquanto estavam sozinhos.

Em seus experimentos, Goodman descobriu que os lobos não apenas comeriam um pedaço grande de carne ao encontrá-lo. "Quando recebiam um pedaço de carne de alce, eles rolavam sobre ele e o comiam", diz ela. "Eu especulei que o cheiro de comida do bafo dos lobos e em seu pêlo indicavam que havia restos para os lobos que quisessem seguir as pegadas do odor".

Essa ideia foi repetida por Tine Howe no Facebook. Ela nos disse que os cachorros rolam sobre as fezes para carregar o cheiro de presas para o resto da matilha.

As hienas também foram vistas rolando sobre a carniça e receberam mais atenção de outros membros do bando depois disso. De maneira parecida, um estudo de lobos etíopes mostrou que eles tendem a rolar no chão depois de uma refeição, apesar de eles também terem sido vistos rolando sobre fezes humanas e no chão onde humanos estiveram recentemente.

Isso pode apontar para uma função social do comportamento, mas Gadbois acredita que pode ter um propósito mais simples. Nas alcateias de lobos que ele estudou no Canadá, o animal liderando o grupo tendia a rolar primeiro sobre um cheiro forte e era então copiado pelos outros.

"Pode ser que isso seja sobre estabelecer o cheiro de um grupo", diz ele. "Nos lobos que eu estudei, se um deles começasse a rolar sobre a carcaça de um veado, o grupo inteiro o copiaria. Eu vi isso em coiotes e raposas selvagens também. Parece se tornar o odor que você compartilha com todos os outros do grupo".

Essa ideia de compartilhar para aumentar o sentimento de coletivo também foi vista em cachorros selvagens africanos: as fêmeas rolavam na urina dos machos do grupo ao qual elas querem se unir. Da mesma forma, cachorros em um bando regularmente vão cheirar as glândulas olfativas um dos outros para sentir o cheiro deles.

É claro que há outras ideias mais estranhas.

Por exemplo, foi sugerido que cachorros e seus colegas selvagens usam cheiros fortes como repelente de insetos, apesar do uso de fezes parecer pouco apropriado para esse objetivo. Outros sugeriram que óleos nas fezes pode ajudar a tornar seus pêlos à prova d'água.

Eles também podem estar usando os odores fortes da mesma forma que nós humanos usamos perfume, sugere Robert Reppy e Krystal Parks. Essa ideia também foi levantada pelo especialista em comportamento animal Michael Fox em seu livro Dog Body, Dog Mind ("Corpo de Cão, Mente de Cão", em tradução livre). Fox sugere que um pouco de perfume pode ajudar a desencorajar um animal a buscar cheiros desagradáveis.

Já o psicólogo canino Stanley Coren acredita que pode ser uma tentativa de ter uma sensação extrema. Ele sugere que é "uma expressão do mesmo sentido infame de estética que faz os humanos usarem camisas havaianas extremamente coloridas".

Isso parece uma sugestão levantada por leitores como Frances Mahan no Facebook: a de que cachorros simplesmente curtem rolar sobre fezes.

Qualquer um que tenha assistido à reação feliz do seu cachorro depois que ele rolou sobre algo nojento pode entender esse comentário.


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