25/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Aonde vamos parar?

Publicado em 18/08/2017 12:00 - Rodrigo Amém

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Se você tivesse que adivinhar, qual é o país mais pobre da Europa? Pense por um minuto. Não vale dar um Google, mas pode chutar. E aí? Portugal, nossos primos? Errou. Itália, com seu sul subdesenvolvido e crises migratórias? Também não. Talvez a Síria, destruída pela guerra? Errou mais ainda. A Síria não fica na Europa. Mas tudo bem. Como é comum quando o assunto é pobreza, pouca gente sabe que o país mais miserável do velho continente existe.

Estamos falando da Moldávia. Uma nação encravada entre a Romênia e a Ucrânia, com uma população de aproximadamente 3,5 milhões de pessoas e uma história de amargar, cheia de guerras civis, conflitos externos e governos indecentes.

Há uns anos, o país sofreu o que se chamou, na época, de "o roubo do século". Um bilhão de dólares do orçamento do país simplesmente desapareceram. O governo, formado de uma oligarquia que finge uma alternância eleitoral há algumas décadas, diz não fazer ideia de onde a grana foi parar, imagine você.

Claro, para um brasileiro em tempos de lava-jato, um bilhão parece conta do cabeleireiro da mulher do Cunha. Mas Moldávia é tão lascada que sua economia claudicante já serviu de argumento contra a União Europeia. Alguns especialistas usavam o país como bucha de canhão na discussão sobre um mercado comum. "Vocês realmente querem aqueles miseráveis da Moldávia vindo aqui, roubar nossos empregos?". Verdade seja dita, a maior parte do dinheiro que circula no país vem dos retirantes radicados em outros países que enviam parte de seus salários as famílias na terra natal. A Moldávia é como o nordeste brasileiro, se você trocar as praias pelo inverno europeu.

Mas há um quesito em que a Moldávia é campeã mundial. De acordo com a ONU, não há nação mais corrupta no mundo. Antes que você pergunte, o Brasil não está nem entre os dez mais. É, eu também não acreditei. Mas, na Moldávia, o buraco moral é mais embaixo.

A fila é um luxo civilizatório. É preciso muita fé (ou temor) no poder instituído para respeitar a vez do próximo.  Ela é um indicativo da confiança na ordem social. 'Minha vez vai chegar. Não há motivos para preocupações.'

Um dos conceitos que perderam o sentido graças à corrupção sistêmica em todas as camadas da sociedade foi a fila. Aguardar a vez a partir da ordem de chegada parece um conceito elementar, mas não é. Acontece que a fila é um luxo civilizatório. É preciso muita fé (ou temor) no poder instituído para respeitar a vez do próximo.  Ela é um indicativo da confiança na ordem social. "Minha vez vai chegar. Não há motivos para preocupações."

O brasileiro gosta de se queixar de que nossa gente selvagem não respeita fila, mas isso não é privilégio brazuca. Muitas nações têm problemas com filas. Não por acaso, todos com "economias em desenvolvimento". Quando o cidadão não tem certeza de que sua necessidade será atendida pelo Estado. E vira uma questão de tempo até que essa convenção social deixe de ser atendida nas demais esferas sociais. Na Moldávia, mais até do que no Brasil, fila é um conceito ridículo. Se você precisa de algo, passe à frente.

No Brasil, o conceito do fura-fila foi até romantizado. É o nosso "jeitinho brasileiro" em ação. Lei de Gerson, ou qualquer outra bobagem instituída pelos nossos intelectuais de segundo caderno. O problema é que, uma vez que a confiança no sistema começa a ruir, é difícil dizer onde a coisa vai parar.

Vamos supor que você, turista na Moldávia (por que não?), fique doente. Precisa que lhe indiquem um bom médico para emergências? Primeira dica: se achar um médico que te atenda, corra. É bem difícil encontrar profissionais de saúde em atividade no país. E se o doutor for jovem, corra. Para bem longe. A compra de diploma é tão comum que não dá para confiar em alguém com menos de 35 anos de formado. E como todo mundo sabe disso, ninguém contrata médicos jovens. E como ninguém contrata médicos jovens e nenhum dos veteranos é imortal, há uma séria falta de profissionais de saúde. A corrupção é tão enraizada na cultura do país que comprometeu as relações profissionais de forma irreversível. Papéis como diplomas ou certificados não valem nada porque ninguém acredita em ninguém.

As ruínas do contrato social da Moldávia servem de estudo antropológico e lição. Nações onde tudo funciona no "jeitinho" tendem a acabar com um sistema político e social desacreditado. Aí, não há quem dê jeito.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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