27/04/2024 - Edição 540

Especial

Quem manda no IBGE?

Publicado em 01/05/2014 12:00 -

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Após a presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Wasmália Bivar, anunciar – no dia 10 de abril – a suspensão da divulgação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) até janeiro de 2015, duas diretoras do instituto, contrárias à medida, pediram exoneração, outros 18 coordenadores colocaram seus cargos à disposição e 45 pesquisadores diretamente envolvidos com a pesquisa se posicionarem contra a decisão.

O objetivo da suspensão era permitir uma revisão metodológica das informações sobre a renda domiciliar per capita para adequá-las às exigências previstas na nova lei (de 2013) de repartição do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Bivar sustentava que não havia força de trabalho suficiente para processar os dados a serem divulgados e realizar a revisão ao mesmo tempo.

O IBGE informou que foi alertado sobre a necessidade de mudança metodológica após um pedido de informações dos senadores Gleisi Hoffmann (PT-PR), ex-ministra da Casa Civil, e Armando Monteiro (PTB-PE). O pleito dos congressistas teria como objetivo reduzir a discrepância entre os Estados da margem de erro do rendimento domiciliar per capita – que será referência para a distribuição do FPE.

A decisão de suspender a divulgação após o pedido dos senadores gerou suspeitas de ingerência do governo no órgão.

A decisão de suspender a divulgação após o pedido dos senadores gerou suspeitas de ingerência do governo no órgão. Técnicos responsáveis pela pesquisa dizem que não há necessidade de mudar a amostra nem alterar as margens de erro. A reação dos técnicos sugere que as razões por trás da decisão estariam relacionadas a pressões políticas de governadores e prefeitos descontentes com a realidade descortinada pela pesquisa, principalmente porque poderão ver reduzida sua fatia na divisão de recursos federais.

Em lista de discussão interna de membros da Associação Brasileira de Estatística (ABE), Denise Britz – uma das diretoras exoneradas – disse que o pedidod e afastamento ocorreu por não concordar com a interrupção da Pnad. Em resposta a colegas que fizeram um paralelo entre o IBGE e Indec, instituto da Argentina que está sendo acusado de manipular índices de inflação, Denise respondeu: “Continuo trabalhando com a Wasmália, presidente do IBGE, que tem todo meu apoio e respeito assim como os demais membros do Conselho Diretor do IBGE (…) Isto (adulteração dos dados) nunca ocorreu no IBGE e não ocorrerá".

A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, disse que cabe ao IBGE, órgão subordinado à pasta, definir se a suspensão deve ser mantida e garantiu que o órgão tem plena autonomia para tomar decisões sobre as pesquisas que realiza. “O que eu quero é que o IBGE me diga o que tem que fazer e quando”, afirmou.

Dados Incômodos

Ao cobrir 211,3 mil domicílios em quase 3,5 mil municípios espalhados por todas as regiões do País, a PNAD não só oferece uma visão mais ampla do mercado de trabalho no País, como desconstrói argumentos elencados para tentar explicar o baixo crescimento da economia.

Os dados mostram que os desempregados são apenas 4% das pessoas em idade de trabalhar, ou 6% dos que procuram emprego, e que cresce o número de brasileiros empregados, que no final do ano passado eram 92 milhões, ou 57% das pessoas em idade de trabalhar. Mas aponta também o crescimento do número dos brasileiros que não trabalham nem procuram emprego – e, como não procuram, não são considerados desempregados. Esse contingente chegou a 62 milhões de brasileiros, ou 39% das pessoas em idade de trabalhar.

Falta esclarecer com mais clareza a composição desse grupo: quantos são os que optaram por estudar mais, os que recebem amparo assistencial e os que simplesmente desistiram de procurar emprego.

A pesquisa tem, ainda, o potencial de derrubar mitos propagados pelo governo Dilma Rousseff sobre o emprego no país. Os números nacionais mostram que o cenário atual é, sim, favorável – mas não a ponto de autorizar afirmações de tom épico como as que têm feito a presidente.

 “Nós hoje, no Brasil, vivemos uma situação especial. Nós vivemos uma situação de pleno emprego”, disse Dilma no dia 29 de janeiro de 2013. No dia 17 de setembro do mesmo ano, ela corrigiu. “Nós chegamos próximos do pleno emprego”. A tese do (quase) pleno emprego se amparou nos resultados da pesquisa mais tradicional do IBGE, limitada a seis regiões metropolitanas, que mostra desemprego na casa dos 5%.

A pesquisa ampliada que começou a ser divulgada neste ano mostra taxa mais alta, de 7,1% na média de 2013, e, sobretudo, desigualdades regionais: no Nordeste, o desemprego médio do ano ficou em 9,5%.

“O Brasil, hoje, é um país que, em meio à crise econômica das mais graves, talvez a mais grave desde 1929, é um país que tem a menor taxa de desemprego do mundo”, afirmou a presidente no dia 14 de junho de 2013. No mesmo discurso, corrigiu-se: “Hoje nós temos uma das menores taxas de desemprego do mundo”.  Em comparação com o resto do mundo, não há nada de muito especial na taxa brasileira. É semelhante, por exemplo, à dos Estados Unidos (6,7% em março), que ainda se recuperam de uma das mais graves crises de sua história. O desemprego no Brasil é menor que o de importantes países europeus, mas supera o de emergentes como Coreia do Sul (3,9%), China, (4,1%,), México (4,7%) e Rússia (5,6%), além de ricos como Japão (3,6%), Noruega (3,5%) e Suíça (3,2%).

Em outro pronunciamento, em 23 de dezembro de 2012, Dilma afirmou: “Temos o menor desemprego da história”. A base da afirmação é que a taxa apurada em apenas seis metrópoles é a menor apurada pela atual metodologia, iniciada em 2001. Já foram apuradas no passado, com outros critérios, taxas iguais ou mais baixas. A pesquisa ampliada permite comparações com taxas apuradas no passado por amostras de domicílios. Dados do Ipea mostram que o desemprego atual é semelhante, por exemplo, ao medido na primeira metade nos anos 90.

Espaço para crescer

O que os dados da mais recente PNAD Contínua revelam é que há mão de obra disponível para que a economia possa atingir níveis mais acelerados de crescimento, sem pressão importante sobre custos salariais. Em outras palavras, caso o emprego volte a crescer mais rapidamente, como forma de sustentar um ritmo mais intenso da atividade econômica, os riscos de alta da inflação, por esse caminho, não seriam tão relevantes.

Os números da PNAD Contínua mostram que havia, no quarto trimestre de 2013, algo como 6,052 milhões de desempregados (601 mil a menos do que no mesmo período de 2012). Desse total, praticamente metade (ou 3,027 milhões de pessoas) tinha ensino médio completo, educação superior incompleta e formação superior concluída – teoricamente, portanto, em condições de conseguir uma colocação, já que, do total de ocupados no quarto final do ano passado, quase 51% encontravam-se naquelas categorias.

Na mesma situação estavam 23,6% das pessoas fora da força de trabalho (que não procuraram ou não estavam interessadas em conseguir um emprego à época da pesquisa). Somados os dois grupos, são quase 18 milhões de pessoas com formação suficiente para desempenhar alguma função no mercado de trabalho, correspondendo a 19,3% do total de ocupados. Dito de outra forma, haveria espaço para um aumento de quase 20% no total de ocupados ou 11 vezes mais do que a variação observada entre 2012 e 2013, já que o número de ocupados cresceu 1,74% nesta comparação.

Sem acordo

A primeira reunião entre representantes dos funcionários do IBGE e a direção do órgão após a crise detonada com a decisão de suspender a divulgação da Pnad Contínua terminou sem consenso no último dia 29.  Não houve a promessa da presidente do instituto de voltar atrás e retomar o calendário normal da pesquisa.

Uma possível mudança de posição só virá na próxima terça-feira (6), data em que técnicos do instituto vão apresentar à diretoria proposta de compatibilizar a apuração e apresentação dos dados coletados da pesquisa com as alterações solicitadas por Hoffmann e Monteiro.

Suzana Drumond, diretora da Assibge (entidade que representa os trabalhadores do IBGE), a reunião com a direção do IBGE foi "ruim", pois não houve uma mudança de postura. A líder sindical disse ainda que a categoria expôs a preocupação com a autonomia técnica do Instituto.


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