25/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

A roda dos ressentidos

Publicado em 11/08/2017 12:00 - Rodrigo Amém

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Era claro que aconteceria. Uma questão de tempo, mesmo. Confesso que não esperava que fosse durante minha estadia no planeta. Mas as coisas estão caminhando cada vez mais rápido.

Neste sábado (12), grupos nazistas marcharam nos Estados Unidos em defesa da "supremacia branca". Durante quase um século, nazista era o segundo xingamento mais ofensivo aos ouvidos de um norte-americano. O primeiro, é claro, era comunista. Em todo caso, no dia 12 de agosto de 2017, milhares de pessoas marcharam na cidadezinha de Charlottesville, na Virgínia. Carregavam tochas como o KKK e usavam a saudação nazista, numa espécie de remix de boçalidade.

Para quem passou a infância nas aulas de história tentando compreender como era possível uma população chegar a este nível de insanidade, é uma oportunidade de aprendizado. Como um moribundo que entrega o corpo para ser estudado pela medicina, podemos analisar a progressão da doença e entender o que está nos matando aos poucos.

1 – Guerra produz guerra

É difícil estabelecer exatamente qual foi o evento causador da primeira guerra mundial. Os livros falam da morte o arquiduque da Áustria-Hungria, mas é mais uma convenção pedagógica. Diversos fatores levaram à "Grande Guerra". Já a segunda guerra mundial tem um causador claro: a primeira. As sanções pesadas impostas à Alemanha derrotada criaram um ressentimento purulento, que explodiu numa grande infecção nacionalista chamada Nazismo. O neo-nazismo americano do século XXI também é resultado de outros conflitos anteriores. Principalmente da guerra civil que dividiu o país e destroçou o sul escravagista e orgulhoso. O rancor da derrota jamais deixou os estados derrotados e alimentou uma geração de intolerantes.

O que os fatos históricos comprovam é que guerras geram três subprodutos: miséria, desejo de vingança e patriotismo. Curiosamente, os três ingredientes fundamentais de qualquer início de conflito.

2 – A internet une semelhantes

Quem não é milenial lembra de um mundo sem internet. Era difícil. Pesquisas exigiam deslocamento físico. Não sei como é hoje, mas eu precisava pegar ônibus para ser informado que determinado assunto não constava no acervo da biblioteca da UFMS.

Quando a internet surgiu, isso acabou. O mundo na ponta dos dedos, diziam.

O racismo oferece um bode expiatório para o desconforto do seu seguidor. A culpa é sempre do outro. De preferência, um outro "diferente", de fácil identificação na multidão.

Parecia ser o golpe de misericórdia na ignorância humana. Ninguém mais teria motivos para acreditar em impostores, estelionatários e afins. Afinal, bastava consultar os fatos. Ponta dos dedos, lembram?

Acontece que não é da natureza humana buscar a verdade, mas corroboração. Não queremos ser corrigidos, mas confortados. Em função disso, a internet virou um ponto de encontro para obscurantistas. De seitas absurdas a grupos de ódio, ao invés de iluminar, a internet criou pequenos buracos negros de intolerância e desinformação. Claro, a culpa não é da ferramenta, mas do usuário. Mas o usuário jamais aceitará tal responsabilidade. Porque…

3 – Intolerância é transferência

O que muitas igrejas têm em comum com grupos de supremacia branca? Não, a resposta não é parte de seus frequentadores.

O racismo oferece um bode expiatório para o desconforto do seu seguidor. A culpa é sempre do outro. De preferência, um outro "diferente", de fácil identificação na multidão.

Não é você que não está preparado para o mundo globalizado. É "o outro" que roubou seu emprego. Não é você que tem que se atualizar para ser competitivo no mercado de trabalho. É "o outro" que tem que deixar a vaga para você.

 

Porque nada é mais atrativo do que expiar pecados e atribuí-los a fatores alheios à vontade do pecador. Pergunte a qualquer pastor exorcista.

Moral da história:

Essa é a parte em que eu tranquilizo você, leitor. Digo que, no fim, a verdade sempre vence e o progresso é inexorável – apesar da resistência odiosa.

Sim, é verdade. Eu acredito que essa recaída à idade das trevas é momentânea e voltaremos a viver num mundo tolerante e progressista. Mas antes, haverá muito derramamento de sangue. E todo o sangue derramado, por sua vez, vai nutrir o ódio da próxima geração de ressentidos. Assim patina a humanidade.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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