28/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Nossa Eterna Quarta-Feira de Cinzas

Publicado em 23/06/2017 12:00 - Rodrigo Amém

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O prefeito do Rio Marcelo Crivella decidiu cortar pela metade o financiamento do desfile de carnaval na cidade. A Liesa, liga das escolas de samba do Rio, pariu um abre-alas. Fez declarações indignadas, discursos inflamados e tudo mais. Terminou batendo o pé e afirmando: em 2018, o desfile está cancelado. Acabou o carnaval.

O carnaval não vai acabar. Primeiro porque, apesar de vistoso e midiático, o desfile da Liesa está longe de compreender todo o escopo do carnaval. A maior festa brasileira não precisa de patrocínio para acontecer. Nem de desfile. Precisa de gente de saco cheio e louca de vontade de extravasar. E isso o Brasil tem de sobra.

Segundo porque o desfile da Liesa é muito lucrativo. Se a Prefeitura cortasse todo o apoio financeiro do evento e ainda cobrasse 14 milhões pelo uso do sambódromo, ainda seria um ótimo negócio pros sambistas. Não tão bom como é agora, claro. Mas ainda compensaria o trabalho. Talvez as fantasias tivessem menos plumas. Talvez a caipirinha no camarote dos ensaios técnicos fosse ainda mais cara. Mas a festa do povo estaria garantida.

Então, basta aguardar o anúncio: "As comunidades sabem da importância do carnaval para o povo carioca. Por isso, vamos suar sangue e colocar as escolas na avenida, mesmo com dificuldades e sem o apoio da prefeitura." Nossos heróis de lantejoula vão salvar a festa de Momo. Pode ficar tranquilo.

Mas o que me interessa nessa história toda é uma outra questão: na corrida eleitoral para a Prefeitura, a Liesa apoiou a candidatura de Crivella. Se arrependimento matasse, talvez não tivesse desfile em 2018, mesmo. Não ia sobrar um diretor de ala vivo.

Você aí em Campo Grande deve estar tamborilando os dedos impacientes e se perguntando: ‘o que eu quero saber de Rio de Janeiro e Estados Unidos? Eu não tenho nada com isso!’

De certa forma, você tem razão. Nada disso é notícia para quem mora em Mato Grosso do Sul. Não é novidade para nossa gente votar no oposto do que precisamos só porque nos dizem o que queremos ouvir. Em Mato Grosso do Sul, isso não é a notícia. É a tradição. E essa fantasia eleitoral é a causa da nossa eterna quarta-feira de cinzas.

O que me leva à pergunta: por quê? Por quê a liga das escolas de samba do Rio de Janeiro decidiu apoiar o candidato evangélico? Um líder de uma religião com tradição em condenar o carnaval, as religiões afro-brasileiras, o sincretismo com os santos da igreja, a diversidade, a identidade de gênero, enfim. Se havia um candidato que personificava a oposição a todas as influências culturais momescas, era o Bispo. Mas todas as escolas fecharam com ele. Deve-se perguntar: que promessas eles ouviram da boca do candidato que foram tentadoras o suficiente para que esquecessem quem era o homem?

Depois da eleição do Trump nos EUA, muitos analistas ponderaram que o Donald foi o único candidato que disse o que o americano médio queria ouvir. Empregos, fechamento de fronteiras, fim da bancada de negócios de Washington, dos benefícios para os milionários. Essas promessas fizeram com que os eleitores se esquecessem que Trump era a personificação de tudo que eles mais odiavam. Um estelionatário nascido em berço de ouro, disposto a sacanear tudo e todos para aumentar sua margem de lucro com o mínimo esforço possível. Trump era parte do problema, mas prometeu ser a solução. Seu eleitorado ainda não sabe, mas Donald também está prestes a acabar com o carnaval deles.

De volta ao Brasil, o Rio de Janeiro está vivendo o seu Trump. Como ele herdou uma situação econômica muito menos favorável, o choque das promessas esquecidas chegou mais cedo. Ninguém sabe ao certo o que ele prometeu de tão tentador para as diretorias das agremiações. Quero crer que foi algo bem diferente do corte de 50% na verba. Mas agora é tarde, e quem tem que chorar é o cavaco.

E você aí em Campo Grande deve estar tamborilando os dedos impacientes e se perguntando: "o que eu quero saber de Rio de Janeiro e Estados Unidos? Eu não tenho nada com isso!"

De certa forma, você tem razão. Nada disso é notícia para quem mora em Mato Grosso do Sul. Não é novidade para nossa gente votar no oposto do que precisamos só porque nos dizem o que queremos ouvir. Em Mato Grosso do Sul, isso não é a notícia. É a tradição. E essa fantasia eleitoral é a causa da nossa eterna quarta-feira de cinzas.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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